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O Paradoxo Cafeeiro
O princípio intrínseco de todo o negócio é a
existência de incertezas e riscos. O agro, por ser uma indústria a céu aberto,
é ainda mais afetado por essa dimensão. A irrupção da pandemia, seguida de
severos distúrbios climáticos (geadas, enchentes, granizo, estiagens), e associada
ao declínio das cotações das commodities nas bolsas internacionais
amplificados pelas oscilações cambiais, elevou ainda mais os riscos da
atividade ligadas à agropecuária. A esses fatores se junta o alto endividamento
que, sob juros extorsivos, impõe desafios ainda mais significativos visando sua
possível superação. Até 2020, o agronegócio utilizava de forma bastante
comedida a solicitação de recuperação judicial (RJ)1 e
falência/insolvência, em parte, devido às restrições jurídicas existentes. Nos
anos subsequentes, observou-se que o procedimento de RJ se expande
consideravelmente no agro. Com a reforma da Lei de Falências (Lei n.
14.112/2020), forma estabelecidos parâmetros para a inclusão do agricultor
pessoa física na RJ, abrindo as possibilidades dos pedidos de insolvência (pela
lei, são os únicos CPFs aptos a solicitar a medida). Em 2022, foram feitos 20
pedidos de RJ no agro, mas, a partir de 2023, as recuperações evoluem a
expressivo patamar, levantando, inclusive, suspeitas de uso ilegítimo do
mandato legal (Figura 1). Tendo por objetivo interromper o pagamento de
dívidas contraídas (sob promessas de enormes descontos após o término do
processo), a solicitação da RJ2 no segmento conta com enorme
benevolência do Poder Judiciário que, sob pretexto da preservação dos empregos
e renda, concedem a maior parte dos pedidos formulados. Entretanto, implica ao
pleiteante a assunção de um longo e oneroso processo. Necessariamente serão
mobilizadas equipes de advogados, de administradores judiciais fiduciários e de
contadores, o que pode implicar em despesas situadas na casa do milhão ou mais
para manter vigente a RJ solicitada. A RJ consiste em instrumento mobilizado quando há interesse
na preservação da função social da
propriedade, auxiliando na geração/manutenção de empregos, renda, tributos
e divisas. Entretanto, deve funcionar em equilíbrio, evitando se tonar em um
fator de instabilidade e de rupturas da arquitetura desenhada para o
funcionamento dos mercados de crédito, provenientes tanto dos fundos
governamentais como, crescentemente, do mercado de capitais privados.
Declarações formais de instituições financeiras indicam que os CPFs e CNPJs
solicitantes de RJ não terão qualquer novo acesso a alguma modalidade de aporte
financeiro em suas entidades. Considerando apenas o terceiro trimestre de 2025, o
conjunto dos ramos da agropecuária exibiu índice de RJ de 12,63, ou seja,
existiam pouco mais de 12 empreendimentos em recuperação para cada mil
cadastrados. Para se ter uma noção da calamidade em curso, basta comparar o
mesmo índice para a economia global do país, que foi de apenas 2,04 (Monitor
RGF)3. Sintomas da escalada das RJs são sentidos na
evolução da contratação de crédito rural na safra 2025/26. Dados do Banco do
Brasil (maior agente financeiro do segmento) evidenciam que de julho a novembro
foram contratados R$78,3 bilhões, substancial declínio frente aos R$96,2
bilhões no mesmo período do ano anterior3, ou seja, redução de
22,86%. Constatada a gravidade da situação,
compete avaliar como as RJs se manifestaram na cafeicultura. Espera-se que
diante do formidável cenário de evolução das cotações nos últimos dois anos, o
segmento estivesse praticamente ausente de solicitações de recuperação. Porém,
os microdados mostram que também na cafeicultura há crescente número de
ocorrências (Tabela 1). A existência de empreendimentos
cafeeiros em RJ aproxima-se do paradoxal. Como uma commodity que se
beneficiou de majoração superior a 150% nos últimos 24 meses pode constar nas
RJs do agro (Figura 2)? Seriam estabelecimentos, que após a geada de 2021,
foram na sequência impactadas por granizo? Estabelecimentos vítimas de gestão
precária/amadora dos riscos como: perdas econômicas com o hedge contratado na
baixa, ausência de apólice de seguro rural, descontrole nos orçamentos/custos,
denúncias trabalhistas com indenizações de substancial monta. São situações que
podem efetivamente levar um imóvel, com cultivo de café, a uma situação de
inadimplência. Todavia, não se pode descartar tampouco a possibilidade de
emprego puramente oportunista da RJ. Compete salientar que o sistema financeiro não é de
modo algum isento em sua parcela de responsabilidade pelo aumento das RJs no
agro. Falhas na análise de risco de concessão do crédito, assim como a busca
por metas ousadas no número de contratos e valores empenhados, expõem as
instituições a um mais alto risco no negócio e, consequentemente, elevação na
carteira de inadimplência. O regramento atual sobre insolvências precisa ser
aprimorado, particularmente quanto ao seu emprego na economia agrícola, assim
como os procedimentos de oferta de crédito rural melhorados. O atual patamar de
juros praticados pela economia que se soma ao spread bancário eleva o
montante a ser quitado em ao menos 20% daquele inicialmente contratado. Os
cafeicultores, como os demais agropecuaristas, precisam incrementar a gestão,
especialmente dos riscos envolvidos com a atividade. Esses são os caminhos para
mitigar as RJs no agro, pois um ambiente de perseguição e de retaliação, como é
o cenário que se antecipa, criará novos problemas sem exibir qualquer vantagem
as partes a longo prazo. 1A
recuperação judicial (RJ) é um mecanismo que concede, caso deferida pelo Poder
Judiciário, que processos de execução sejam suspensos por 180 dias com o
objetivo de evitar o encerramento de atividades a partir do plano de
recuperação, que deve ser apresentado em até 60 dias, embora a execução possa
perdurar por vários anos (Boletim Serasa
Experian, Segundo Trimestre, 2025 p.67). 2Apenas
no Banco do Brasil, as RJs de todos os segmentos econômicos somavam, em
setembro de 2025, R$6,6 bilhões consolidados por 928 clientes (Walendorff, R.
Avanço de recuperações judiciais no campo coloca BB em estado de alerta, Jornal Valor Econômico, Caderno B-18,
02/12/2025). 3Monitor
RGF Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZTM0ZjUwN2YtOTdjZC00YzYyLTg2ZDUtODQ2ZWZkNGM1MGNiIiwidCI6IjA0NmMyNzNiLTljOTgtNDA2Ny05OTRlLTQ5NWJlMTg0MjY3MyJ9b.
Acesso em: 15 dez. 2025. 4Op.
cit. nota 2. 5Disponível
em: https://infoiea.agricultura.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=2
Acesso em: 15 dez. 2025. Palavras-chave: recuperação judicial no agro, falências e inadimplência, crédito
rural. COMO
CITAR ESTE ARTIGO VEGRO, C. L. R. O Paradoxo Cafeeiro. Análises e
Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 20, n. 12, dez. 2025, p. 1-.
Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.
Data de Publicação: 19/12/2025
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor

