Artigos
Cobrança do uso da água: uma polêmica necessidade.
                                 A cobrança pelo uso da água de domínio público é uma questão que há muito preocupa os governantes, pois já em 1934 este importante mecanismo de gestão de recursos hídricos estava contido em decreto promulgado pela União, instituindo o Código da Água. Em janeiro de 1997, este dispositivo foi referendado através da Lei no 9.433, que institui a Política Nacional de 
Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos 
e dá outras providências, ficando conhecida como a Lei das Águas do Governo 
Federal.  1 REICHARDT, K. A A água na produção agrícola. São 
Paulo. Editora McGraw-Hill do Brasil Ltda.   2 Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza leciona Direito 
Ambiental em Maringá e é vice-presidente da      
Associação Brasileira de Advogados Ambientalistas.   3 Banco Mundial:www.worldbank.org 
  4 WWF:www.wwf.org   5 Salvar los bosques es la mejor forma de lograr agua 
limpia. Infoägua Notícias. Capturado de                http://www.aguamarket.com/temas_interes/, em 29 de setembro de 2003    
            
No âmbito estadual, a Lei de Cobrança do Uso da Água é objeto de negociação para 
estabelecer sua regulamentação, que permitirá a aplicação da lei. Entretanto, no 
momento há um impasse, pois o encaminhamento esbarra em um ponto de divergência 
bastante conflitante: o fato de o Governo do Estado pleitear que parte dos 
recursos arrecadados (fala-se em 50%) vá diretamente aos cofres do Tesouro 
Estadual para uso indiscriminado. 
            
A proposta original previa que a totalidade deveria ser aplicada na própria 
bacia onde for arrecadado, e sob a gestão do respectivo comitê (eventualmente 
este, a seu critério, poderia ceder e/ou emprestar parte não utilizada de seus 
recursos apenas para ser aplicado em outra bacia, e para os mesmos fins 
especificados na lei). Caso a proposta do Governo venha a vingar, a cobrança do 
uso da água poderá tornar-se, simplesmente, mais um imposto. 
            
A cobrança deverá ser efetuada levando em consideração as diferentes formas de 
utilização da água. Assim, quando a água está disponível na natureza pode ser 
encarada da mesma forma que um minério, água natural, um bem de domínio público, 
e desta forma a permissão ao seu uso terá que ser outorgada. A autorização de 
uso de um bem de domínio público deverá ser cobrada na forma de um preço 
público. 
            
Já quando para a utilização da água tenha que ocorrer algum investimento, seja 
para a sua captação ou para bombeamento (na superfície ou no subsolo), então é 
considerada como um insumo para outras utilizações (tratamento, geração de 
energia, diluição de poluentes, etc.), água bruta. Assim, sua cobrança será 
feita mediante a utilização de tarifa de água bruta. 
            
Entretanto, todas as discussões têm tido como ponto central a questão do uso e a 
cobrança como forma de gerenciar a escassez: pouco se tem dito ou se preocupado 
com a produção de água. A água doce disponível é resultante do processo de 
evaporação (principalmente dos oceanos) que é transportada pelo vento e retorna 
à superfície do planeta na forma de chuva, funcionando como um radiador lacrado 
para resfriamento de um motor de combustão interna, de tal forma que não há como 
repor eventuais perdas durante o processo. Neste sistema, o solo é um grande 
reservatório, que temporariamente armazena a água das chuvas, fornecendo-a à 
planta conforme sua necessidade. 
            Quando há precipitação excessiva, podem ocorrer perdas por escorrimento superficial, causando erosão, ou por percolação profunda, indo atingir o lençol freático. Na realidade, há perda do ponto de vista de disponibilidade para a planta, mas há um ganho do ponto de vista de recarga dos aqüíferos subterrâneos que irão abastecer rios e córregos. Estudos indicam que em média cerca de 20% da precipitação pluviométrica poderão infiltrar-se, abastecendo o solo e os aqüíferos1. 
            Para recuperar a 'saúde' de nossos rios, têm-se que promover intensa recuperação de matas ciliares e fomentar o cumprimento à legislação com respeito à chamada 'reserva legal'. Segundo Souza2, em entrevista 
publicada em Ambiente Legal de agosto de 2002, 'os proprietários rurais, na sua 
maioria, ainda não perceberam que o direito de propriedade mudou, e que a mesma 
deve cumprir uma função social e que cada qual deve dar sua contribuição'. Para 
o jurista, a esmagadora maioria não percebe ou não lhe foi explicada a mudança 
do direito de propriedade, encarando as restrições contidas no Código Florestal 
como uma perda de direito e intromissão indevida em sua propriedade. 
            
Porém, a maioria das propriedades às margens de córregos e ribeirões, e que 
deverão recuperar as respectivas áreas de proteção permanente (APP), têm tamanho 
de médio a pequeno, e seus proprietários, via de regra, não possuem recursos 
e/ou fluxo de caixa para arcar com a recuperação. Por exemplo, segundo estudo em 
andamento, a sub-bacia do ribeirão Campestre, um dos formadores do ribeirão 
Piracicamirim (afluente do rio Piracicaba) com área de cerca de 1.870 hectares, 
está retalhada em 65 propriedades das quais 83% com área total inferior a 50 
hectares. Em 59 das propriedades há o cultivo de cana-de-açúcar, entregue na 
Usina Santa Helena, do Grupo Cosam, que está a um raio máximo de 10 km da 
produção. 
            
Numa tentativa de avaliação grosseira do custo de oportunidade da terra, 
poderíamos adotar como parâmetro inferior o valor de arrendamento (a opção mais 
simples e menos rentável). Neste caso, como convencer os proprietários a 
substituir, espontaneamente, a cana pela mata ciliar, abrindo mão de um valor 
correspondente a 35 a 40 toneladas por ano por alqueire arrendado? Tem-se que 
buscar formas alternativas de apoio à restauração florestal, pois não apenas o 
investimento no plantio é oneroso, como também o é a manutenção dos primeiros 
anos, quando as mudas estão mais expostas a pisoteios e a queimadas. 
            
Uma sugestão a ser estudada seria a de o governo intermediar projetos de 
seqüestro de carbono com recuperações em áreas de interesse de grupos 
agroindustriais. O apoio tecnológico e logístico poderia ter assessoramento das 
equipes técnicas dos órgãos governamentais e o grupo empresarial daria o aval 
garantindo a execução e o monitoramento do projeto. Assim, por exemplo, uma 
firma produtora de sucos cítricos poderia atuar nas microbacias onde estejam 
alocados seus fornecedores de matéria-prima, promovendo 'contratos casados' de 
recebimento do produto com a execução da restauração. Desta forma, agregaria 
pequenas parcelas de novas florestas e poderia atingir valores significativos de 
toneladas de carbono seqüestradas, passíveis de serem negociadas nos mercados 
financeiros. 
            Este tipo de fomento governamental recebe apoio do Banco Mundial (Bird)3, pois, segundo estudos realizados pelo banco e pela Fundação Mundial para a Natureza (WWF)4 em 105 grandes cidades, cerca de um terço tem o fornecimento de água potável baseado em florestas protegidas, entre elas Tóquio, Nova York, Barcelona e Melbourne5. De acordo com David Cassells , o especialista em 
recursos florestais do Bird, 'para muitas cidades, proteger as florestas ao 
redor de bacias não é mais nenhum luxo, mas uma necessidade'.
Data de Publicação: 10/11/2003
Autor(es): Paulo Edgard Nascimento De Toledo (ptoledo@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
 
                    







 
                    
                        
