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O Uso Permitido da Reserva Legal
                                 A lei 
n. 12.927, de 23 de abril de 2008, que dispõe sobre a recomposição da Reserva 
Legal no âmbito do Estado de São Paulo pretende regulamentar, minimizando os 
efeitos, o que está previsto na legislação federal e que tem causado inúmeros 
conflitos no espaço rural brasileiro e paulista em 
particular. 
             De 
certa forma ela veio ao encontro de decisão da Câmara Setorial de Produtos 
Florestais da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, 
que propôs mudança legislativa para que a reserva legal - correspondente a 20% 
da área total de cada propriedade - seja somada às áreas de preservação 
permanente, alegando que a mudança na obrigatoriedade da reserva legal interessa 
a todo o setor rural, pois o proprietário rural, especialmente o pequeno, tem de 
suportar custos inviáveis com averbação tanto em termos financeiros quanto de 
tempo perdido, além da óbvia perda de receita produtiva. 
             Para 
se ter idéia da dimensão do problema, a Câmara Setorial de Produtos Florestais 
estima que, no âmbito do Estado, a reserva legal representa a retirada da 
produção agropecuária paulista de mais de quatro milhões de 
hectares1, o que é uma irresponsabilidade. "Isso fatalmente 
ocorrerá em função do esgotamento físico da fronteira agrícola paulista a partir 
da década de 1960"2. 
             A 
alternativa - que não é a preferência da Câmara Setorial - é, portanto, permitir 
que o proprietário rural faça a utilização mais racional possível da reserva 
legal, com o cultivo de espécies diversas de porte arbóreo, independente da sua 
"nacionalidade" - de ser nativa ou exótica - ou do tipo de manejo, desde que 
seja sustentado, como é o caso regulamentado na Lei recentemente 
aprovada. 
             
Independentemente do mérito da proposta em tela, que procura dar um tratamento 
técnico à questão, ela acaba coonestando uma anomalia científica, qual seja, um 
percentual fixo por propriedade para estabelecer uma reserva florestal com 
funções ambientais. 
             Mesmo 
assim, como a alteração desse dispositivo depende de legislação federal, 
entende-se que as disposições da Lei Estadual minimizam os aspectos 
sócio-econômicos negativos da implantação sem critérios técnico-científicos da 
reserva legal, visto que oferecem ao produtor a opção de cultivar culturas 
produtivas em suas propriedades. Nas regiões do Estado onde essas culturas são 
adequadas ecologicamente, elas passam a ser uma alternativa 
interessante. 
             Há 
que se inquirir, de forma definitiva, porque 20% de reserva legal e porque nesse 
limite não estão incluídas as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e nem mesmo 
as estruturas privadas de Reservas Privadas de Proteção Natural 
(RPPN)? 
             Esse 
limite único precisa ser redefinido em bases que garantam alguma aplicabilidade. 
Além disso, os impactos da obrigatoriedade de recomposição das áreas de Reserva 
Legal afetam as economias municipais de maneira diferenciada, penalizando de 
forma mais severa exatamente os municípios mais carentes em relação àqueles 
detentores de melhores índices de desenvolvimento 
humano3. 
             Além 
disso, o cumprimento da obrigatoriedade de recomposição das áreas de Reserva 
Legal em espaços territoriais de ocupação antiga, anteriores ao Código Florestal 
de 1965, pode suscitar demandas jurídicas no sentido de que se trataria de um 
"ato expropriatório do Estado", com perda da capacidade de uso econômico da 
propriedade sem a devida compensação econômica, levando a uma avalanche de 
demandas contra o Estado na forma de desapropriações 
indiretas. 
             O uso 
do solo deveria ser feito respeitando um conceito tão singelo quanto a 
Capacidade de Uso dos Solos, aliás como define uma lei estadual paulista que 
trata do uso e conservação do solo (Lei Estadual Paulista n. 6.171, alterada 
pela Lei Estadual Paulista n. 8.471 de 23 de novembro de 1993, que dispõe sobre 
uso, conservação e preservação do solo). Isso se consegue destinando as terras 
para a sua utilização de acordo com a sua aptidão. Esse conceito deveria 
presidir o embasamento de uma política de uso do espaço rural e ser estendido 
para a dimensão de todo o Estado, visando evitar a obrigação de que solos 
agrícolas fiquem com florestas além de permitir que solos florestais sejam 
irracionalmente agricultados. Do ponto de vista científico, a ocupação de uma 
propriedade rural deveria ser feita, portanto, de acordo com a classe de 
capacidade de uso de suas terras e a aptidão dela derivada, que pode variar 
desde a utilização com cultura anual até a preservação absoluta. Tudo definido 
em função de características que fornecem indicações seguras de uso como: 
topografia, tipo de solo, composição do solo, fertilidade aparente, vegetação 
existente entre outras. 
             Do 
ponto de vista estritamente técnico-científico, portanto, o que se reivindica é 
que a legislação garanta uma produção agrosilvopastoril sustentável, conservando 
a diversidade biológica no território estadual como um todo. Isso porque, 
nenhuma avaliação baseada em conceitos técnico-científicos indica que o tamanho 
de uma reserva legal florestal deva ser de um percentual fixo por propriedade 
para que certos objetivos de conservação sejam alcançados. Pelo contrário, essa 
rigidez pode levar inclusive a acelerar a extinção de espécies que necessitam 
grandes territórios para sua manutenção. Ou seja, nada a ver com percentuais, 
mas, sim, com quantidade absoluta de área. De que adiantam constelações de 
"pseudo" reservas florestais com algumas dezenas de hectares cada uma, 
respeitando 20% da área de cada propriedade rural (como quer a legislação 
federal), se determinadas espécies, para serem preservadas e perpetuadas, 
necessitam áreas contínuas de centenas e, às vezes, milhares de 
hectares. 
             
Assim, numa política pública estadual pró-ativa, a proporção de vegetação nativa 
conservada seja como reserva, ou outra denominação que se queira dar e esses 
espaços de vegetação destinados à conservação, deve ser definido para o Estado 
como um todo e não para propriedades individualizadas. Aliás, melhor seria se 
fossem definidos para regiões com características ambientais semelhantes sem 
precisar respeitar necessariamente as fronteiras políticas: sem esquecer, 
evidentemente, que essas áreas estão produzindo um serviço ecossistêmico de 
grande relevância e que precisam ser remunerados adequadamente4. 
Estudos já realizados para o Estado de São Paulo5 indicam que a 
proporção de terras aptas para usos florestais pode ser superior a 30%, ou seja, 
maior do que a percentagem que a legislação florestal federal 
determina. 
             Uma 
política pública de reservas legais deve estipular para o território estadual, 
em sua totalidade, uma rede de áreas correspondentes às áreas das "reservas 
legais" das propriedades existentes no território estadual e estimular a 
existência de grandes territórios com significados ecológico, ambiental e 
sócio-econômico relevantes. 
             
Nesses espaços a adoção de procedimentos como propugna o projeto de Lei em tela 
teriam dimensões de sustentabilidade relevantes e disciplinariam as atividades 
nessas áreas. 
 _____________________ 
 2CASTANHO FILHO, E. P. Pagamento 
pelos serviços da reserva florestal obrigatória. Análises e Indicadores do 
Agronegócio, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 8, jan. 2008. 
 3GONÇALVES, J. S.; CASTANHO 
FILHO, E. P., SOUZA, S. A. .M. Impactos da recomposição da reserva legal nas 
receitas tributárias estaduais e municipais. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE 
ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 46., 2008, Rio Branco, AC. 
Anais... 
 4Op. cit nota n. 
2. 
 5CASTANHO FILHO, E. P. Plano de 
desenvolvimento florestal sustentável. São Paulo: Fundação Florestal, 
1993. 
 Palavras-chave: reseva legal, legislação, 
uso do espaço rural. 
1GONÇALVES, J. S.; CASTANHO 
FILHO, E. P. Obrigatoriedade da reserva legal e impactos na agropecuária 
paulista. Informações Econômicas, São Paulo, v. 36, n. 9, p. 71-84, set. 
2006. 
Data de Publicação: 29/05/2008
Autor(es): Eduardo Pires Castanho Filho (castanho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor

                    
                        