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Cana-de-açúcar para indústria: o quanto vai precisar crescer
                                 A 
demanda crescente nos mercados interno e externo por combustíveis renováveis, 
especialmente o álcool, atrai novos investimentos para a formação de novas áreas 
de cultivo da cana-de-açúcar para indústria. A maioria desses investimentos é 
nacional, formada de grupos com larga experiência no setor e que já possuem 
outras usinas no Brasil, o que confirma a tendência concentradora do setor 
canavieira.  Gráfico 1 - Estimativa de crescimento da 
área plantada no Brasil com cana para indústria para produção de álcool e açúcar 
no período de 2006/07 a 2015/16 

            
Existem também, em pequeno número, investidores principiantes com muita vontade 
de entrar na atividade canavieira atraídos pela "febre" do álcool e pela 
possibilidade de lucros extraordinários. Entretanto, cerca de 5% do total são de 
investimentos de grupos internacionais com experiência na produção de açúcar, 
bem como de fundos de investimentos sem experiência específica na atividade. 
Estima-se que só no Estado de São Paulo venham a ser investidos cerca de R$10 
bilhões nos próximos cinco anos. 
            O 
crescimento da área de cana para indústria tem superado as fronteiras das 
regiões e dos estados mais tradicionais no plantio da matéria-prima. São os 
casos da região da zona da mata no nordeste brasileiro, distribuída nos estados 
da Paraíba, Pernambuco e de Alagoas, e das regiões de Piracicaba e de Ribeirão 
Preto no Estado de São Paulo. 
            Os 
novos investimentos avançam em áreas da região centro-oeste, nos estados de Mato 
Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás. No sul do Brasil, o Paraná já é o segundo 
maior produtor de cana-de-açúcar do país. No sudeste brasileiro, a forte 
expansão em São Paulo dá-se no noroeste e no oeste do Estado, com cerca de 39 
novas usinas. Com Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, bem como Bahia 
e Maranhão no nordeste do Brasil, chega-se a cerca de 90 novos projetos 
(UNICA)1. 
            A 
oferta mundial de álcool (carburante e industrial) para 2006 deve ficar em torno 
de 48 bilhões de litros/ano. Desse total, o Brasil participa com 35,4%, um 
aumento de 4,35% em relação a 2005, que registrou um volume de 46 bilhões de 
litros/ano. Na comparação com 2004, este percentual sobe para 13,7%, já que 
aquele ano registrou um volume de 42,2 bilhões de litros. Este aumento da oferta 
é reflexo do crescimento da produção de etanol nos Estados Unidos a partir do 
milho, da oferta brasileira de álcool e de maior demanda por combustíveis 
renováveis. 
            Com 
esse forte incremento na demanda por etanol, a área estimada para a safra de 
cana 2015/16, no Brasil, deve ser de 12,2 milhões de hectares. O país produzirá 
cerca de 902,8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para indústria, o 
suficiente para gerar cerca de 36 bilhões de litros de álcool. 
            Para 
estimar a área e a produção de cana-de-açúcar, foram utilizadas variáveis como 
preço e demanda de açúcar e álcool nos mercados interno e externo, preço da 
terra, produtividade varietal e de processos. O desenvolvimento de tecnologias 
para produção de álcool a partir do uso da palha e do bagaço, através de 
hidrólise, pode alterar para baixo a estimativa de expansão da área de cana para 
indústria. Outra variável que precisa ser avaliada é a disponibilidade de 
mão-de-obra e a capacidade do setor metal-mecânico de fornecer máquinas 
colhedoras próprias para a cana-de-açúcar. 
            No 
entanto, algumas variáveis externas podem arrefecer a expansão, como o atraso na 
implantação de programas de uso de etanol e barreiras protecionistas em países 
da Europa; as barreiras econômicas para a entrada do álcool nos EUA, como 
argumento de proteção aos seus produtores – este país tem buscado sua 
auto-suficiência na produção de etanol com a utilização do milho e, 
principalmente no futuro, com a hidrólise celulósica -; o preço e a demanda por 
açúcar no mercado internacional e as barreiras técnicas. 
            
Algumas intempéries podem ocorrer ao longo do tempo, tais como superprodução, 
que gera queda nos preços; queda abrupta no preço do petróleo (pouco provável); 
e novas tecnologias para produção de combustíveis verdes. O que vai prevalecer, 
no entanto, é a necessidade de substituição das fontes fósseis por outras mais 
limpas e renováveis. Nesse sentido, o álcool está no topo dessa lista como uma 
alternativa viável ao petróleo e que por isso mesmo está impulsionando o avanço 
canavieiro dentro e fora do Brasil. Estima-se que no futuro cerca de 20% do 
consumo de combustíveis sejam a partir de biomassas energéticas. 
            O 
mais provável, segundo o cenário atual, é a concretização da expansão da área 
canavieira no Brasil, devido à grande avidez dos mercados de EUA, Japão e Europa 
por biocombustíveis. 
            A 
estimativa de expansão da área de cana-de-açúcar no Brasil, se confirmada, 
significa mais que dobrar a área atual nos próximos 10 anos. Esta expansão se 
dará de forma contínua e linear nos próximos anos, visto que, da agregação da 
terra até sua produção, são decorridos pouco mais de dois anos. Além disso, a 
aprovação da licença ambiental do projeto leva um certo tempo (gráfico 
1). 

Fonte: Estimativa do autor
Com o crescimento da área e da produtividade dos canaviais, haverá também um aumento da produção (gráfico 2).
Gráfico 2 - Estimativa da produção brasileira de cana para indústria no período de 2006/07 a 2015/16

Fonte: Estimativa do autor
O Estado de São Paulo, em 2006, responde por 60,7% da área total de cana-de-açúcar para indústria no Brasil. Em 2015, esta participação poderá cair para 54,9% devido, principalmente, à maior disponibilidade e ao menor preço da terra em outras regiões. Além disso, poderá contribuir para a maior expansão no centro-oeste brasileiro a melhoria da logística de escoamento da produção, com a possível construção por parte da Transpetro de dutos que interligariam o terminal São Simão em Goiás à refinaria de Paulínia e ao terminal de Guararema em São Paulo (gráfico 3).
Gráfico 3 - Estimativa da área de cana 
para indústria para produção de álcool e açúcar em São Paulo no período de 
2005/06 a 2015/16 
  
  

Fonte: Estimativa do autor
Para atender à crescente demanda por etanol, a produção anual de São Paulo, que é atualmente o maior produtor e consumidor desse combustível, deverá ter um acréscimo de 71,5% nos próximos 10 anos (gráfico 4).
Gráfico 4 - Estimativa da produção de cana para indústria em São Paulo no período de 2005/06 a 2015/16

Fonte: Estimativa do autor
            A 
principal forma de expansão canavieira está ocorrendo por meio de arrendamento 
de terras. O crescimento da área de cana-de-açúcar para indústria no Brasil, em 
especial em São Paulo, tem avançado sobre áreas de pastagem que ficaram mais 
eficientes e, assim, utilizam menos terras para o mesmo tamanho de rebanho, 
desocupando mais áreas úteis2. A cana também avança sobre algumas 
áreas outrora ocupadas por laranjais que, em alguns casos, ficaram menos 
rentáveis, bem como sobre o milho e a soja. 
            Essa 
"febre" na demanda por biocombustíveis, impulsionada pelo aumento no primeiro 
semestre de 2006 do preço da commodity açúcar, bem como por possibilidades de 
produção de energia elétrica a partir do bagaço da cana além de inúmeras outras 
finalidades, mostra que têm ficado mais rentável produzir ou arrendar terra para 
a cana-de-açúcar do que para algumas outras culturas. Isto pode ser verificado 
pelo aumento de 27,92% no preço da tonelada da cana para indústria, na safra 
2005/06, em relação à safra anterior3. 
            
Portanto, a grande escalada de demanda por combustíveis renováveis nos mercados 
nacional e internacional abre espaço para uma expansão canavieira sem 
precedentes históricos no Brasil. Há quem diga que o Brasil vai virar um "mar de 
cana". Esse fenômeno também vem ganhando força em outros países da América do 
Sul, assim como na Ásia e na África, fortalecendo dessa forma o mercado de 
combustíveis renováveis. 
            Para 
concretizar a liderança como principal fornecedor de biocombustíveis, o Brasil 
precisa de planejamento da produção no longo prazo, de políticas públicas de 
regulação do abastecimento interno e das exportações e da consolidação do 
mercado futuro através da Bolsa de Mercadorias e Futuros 
(BM&F). 
            
Porém, algumas indagações precisam ser feitas. Qual é o mercado prioritário: o 
interno ou externo? O mercado definirá o preço e o volume a serem produzidos? 
Qual o papel do estado e da sociedade na definição dessas 
prioridades? 
            É 
preciso lembrar sempre que o crescimento da área de cana para suprir a demanda 
por parte da indústria não deve impor altos custos ambientais, tanto agora 
quanto para as futuras gerações, sob pena de inviabilizar os benefícios gerados 
pelo uso de combustíveis limpos. É que o direito de usufruir dos recursos 
naturais deve ser garantido a todos, indistintamente.4 
_________________________ 
1 ÚNICA: www.portalunica.com.br 
2 Mais detalhes, podem ser 
verificados no artigo de SACHS, Caruso R.C. Preços recebidos pela cana-de-açúcar 
e perspectivas para a safra 2006/07. Disponível Em: https://iea.agricultura.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=7248
3 
Para mais detalhes, ver artigo de Gonçalves, J.S. Defesa da Reserva Legal e 
complexidade da agropecuária paulista. Disponível em: https://iea.agricultura.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=6415
4 
Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-98/2006. 
Data de Publicação: 02/10/2006
Autor(es): Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor

                    
                        