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As Boas Intenções
                     (1)                   O 
forte declínio das cotações do café arábica que se iniciou entre setembro e 
outubro de 2011, alcançando a mais intensa depreciação em junho de 2012, quando 
as cotações se aproximaram dos R$365,00/sc. para cafés finos, deixou todos que 
de alguma forma participam desse mercado completamente atônitos. Creditar, 
exclusivamente, à crise financeira a baixa nas cotações não parece 
posicionamento acertado, tendo em conta que os reflexos sobre o consumo da 
bebida não foram na mesma intensidade com que atingiram outros itens de consumo. 
Ademais, não se percebe qualquer notícia de recomposição de estoques mesmo tendo 
em conta a safra de alta brasileira e a formidável safra 
vietnamita.              
Inegável que a crise financeira (banco e das dívidas soberanas de países 
centrais) forçou os grandes players da torrefação a acentuar o emprego do 
robusta na composição das ligas, e esse fato passou a pressionar para baixo as 
cotações do arábica2. Essa estratégia, entretanto, tem curta duração, 
pois como já se observou em outras ocasiões em que as cotações do arábica 
dispararam, carregar em robusta as ligas acaba se refletindo em encolhimento do 
mercado.              
Diante desse cenário complexo ou, talvez melhor dizendo, confuso, é natural que 
comecem a existir mobilizações por parte dos mais prejudicados pela chamada 
"gangorra de preços", no caso, os cafeicultores e suas cooperativas. Em junho de 
2012, foi redigido e em princípio de julho entregue aos gestores do Ministério 
de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)3 o Plano de políticas 
estratégicas para a cafeicultura brasileira, 2012/2014 – propostas da produção, 
assinado pelas entidades: Conselho Nacional do Café (CNC), Confederação de 
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Sistema da Organização das Cooperativas 
do Brasil (OCB). Trata-se de um plano enxuto, contemplando cinco diretrizes de 
ações estratégicas: a) "comercialização", b) "tecnologia e pesquisas", c) 
"desenvolvimento de mercado e marketing", d) "sustentabilidade", e e) 
"legislação"4.              Os 
itens apresentação, introdução e cenário mundial formam uma espécie de premissas 
sobre as quais serão pautadas cinco políticas. Frases como "banda de 
sustentação", "intervenção do governo" e "garantia de renda" formam um 
repertório caduco e conhecido. Em seguida, destaca que "a cafeicultura 
brasileira vêm (sic.) convivendo com sucessivas crises"; todavia, essa sucessão 
de crises é a normalidade da economia mundial e brasileira, não sendo 
singularidade da cafeicultura. Passa então a solicitar "medidas 
estruturantes" sem detalhar quais. Não creio que os organizadores do 
documento deixem de perceber o controle da inflação, redução dos juros básicos, 
desoneração das exportações, simplificação tributária (PIS/COFINS) e 
monitoramento da depreciação cambial como medidas de caráter estruturante e 
suficientes para um razoável azeitamento dos negócios privados. Talvez a demanda 
esteja dirigida para a reforma das regulamentações que regem as relações 
capital/trabalho. Mas com o avanço da adoção da mecanização completa das 
lavouras, essa temática vem perdendo o apelo que possuía poucos anos 
atrás.              Ao 
final da introdução temos outra vez a ênfase no "Novo plano estratégico da 
cafeicultura brasileira". O estranho dessa inserção é a noção de novo, pois, 
folheando o documento, apenas duas proposituras são relativamente novas, sendo 
que uma delas pertence à diretriz do governo federal independente de setores e 
segmentos. Todo o resto são demandas requentadas que, como bem disse um amigo 
meu:              No 
item sobre cenários, o destaque vai para o pleito sobre a criação de "políticas 
que mantenha (sic) preços remuneradores". Essa é a premissa básica sobre 
a qual serão norteadas as cinco demandas de políticas. Superar a gangorra dos 
preços recebidos pelos produtores em geral, cafeicultores em particular, é o 
maior desafio do Estado brasileiro, no sentido de espraiar a trajetória de 
desenvolvimento (crescimento econômico + inclusão social) para o meio rural. As 
discordâncias surgem de como isso deve ser conduzido, sem sobrecarregar um 
Estado sob aperto fiscal, sem criar situações inflacionárias e tampouco 
privilegiar grupos de interesse.              No 
subitem "Indústrias", a omissão da abertura, sob estrito balizamento das 
importações em regime de drawback, demonstra a visão autárquica que os 
idealizadores do documento possuem sobre o agronegócio, algo totalmente 
discrepante com as exigências da contemporaneidade.              O 
primeiro dos cinco pilares de políticas é o da comercialização. Acertadamente, o 
documento levanta a dúvida sobre a necessidade ou não de formação de estoques 
públicos de café e em que dimensões. Com todas as críticas possíveis às duas 
edições dos contratos de opções públicas de café (governo como único comprador e 
prêmio 90% subvencionado), o governo federal logrou com a valorização dos lotes 
que foram ao exercício, demonstrando que há competência técnica para se elaborar 
políticas desse molde, minimizando o risco de perdas para o tesouro. Nesse 
sentido, ajustando-se uma melhor maneira de calcular o prêmio, creio que essa é 
a política de transferência de risco mais acertada, que em dosagem calibrada 
seria capaz de recompor estoques em dimensões suficientes para não interferir, 
demasiadamente, nos negócios privados (2 a 3 milhões de sacas talvez sejam 
números cabalísticos para as opções públicas). A perenização das opções públicas 
no escopo das políticas para o café atenderia muito mais aos objetivos de 
capacitação dos cafeicultores no uso dessa ferramenta comercial do que no 
intuito de formação de estoques.              De 
sua parte, o documento justifica a necessidade de estoques públicos da ordem de 
6 milhões de sacas, pautando-se em hipóteses pouco aderentes à realidade: "maior 
bienalidade no sul de Minas" – desconheço artigo científico que comprovou 
essa tese; "geada ou seca" – excluindo-se a geada, que é um evento que não 
acontece de modo generalizado desde 1974, as últimas grandes secas não foram 
capazes de interferir nos rumos do mercado com ou sem estoques públicos. Da 
forma como foi exposta essa justificativa, em realidade, nada justifica e são 
meras especulações empregadas na "legitimação" das 6 milhões de sacas em 
estoques públicos5.              O 
documento sugere a arquitetura financeira do "PROCAP-AGRO" para as aquisições de 
café. Não parece ser um mecanismo adequado, pois se trata de um crédito 
emergencial destinado aos produtores cooperados afetados pela seca do primeiro 
trimestre do ano, convertido em cotas de capital integralizadas à empresa 
cooperativa da qual são associados. Ademais, os juros cobrados nessa linha são 
de 9,5% ao ano para capital de giro e 6,75% para demais operações6. 
Aparentemente é uma fonte custosa e incompatível com o padrão volátil para a 
formação dos preços do café.              Se a 
linha sugerida para atender os requisitos da comercialização é um bocado 
estranha (salvo melhor juízo), a aplicação das exigibilidades bancárias em 
contratos alongados para 18 meses é medida de formidável impacto na 
comercialização do café, tendo em conta os ciclos de alta e baixa que se 
sucedem. A derrapada surge quando se estabelece no documento bandas de preços 
para a liquidação antecipada ou postergação dos contratos. No segundo caso, 
entraria em cena mecanismo automático de prorrogação das dívidas, justamente a 
medida da qual se queixavam por considerar uma das poucas medidas de política 
agrícola nos anos passados7. Novo e velho misturados numa quimera 
histriônica!              A 
redução do spread dos empréstimos do FUNCAFE é medida urgente e disso já 
se conscientizou nossa presidente. Os 4% cobrados atualmente podem 
tranquilamente ser cortados à metade e ainda assim atrair o agente financeiro 
para operacionalizar transações. Ponto positivo para o documento. 
             A 
criação de "Fundo garantidor de financiamentos e seguro"é outra ação da órbita 
da comercialização relacionadas. Na hipótese consignada no texto, a criação do 
fundo concederia maior segurança contra a inadimplência aos empréstimos 
efetuados pelo agente financeiro. Até que ponto essa seria ação positiva para a 
cafeicultura consiste na principal dúvida, pois a única coisa resguardada é a 
garantia de solvência do contrato celebrado e não a saúde financeira do 
cafeicultor. Mais honesto seria propor a concessão de crédito a juros menores e 
prazos mais elásticos para os cafeicultores aderentes ao programa do cadastro 
positivo, por exemplo. As arquiteturas financeiras voltadas para proteção 
bancária não são solução para qualquer tipo de produção quando, ao contrário, 
formaram um dos alicerces da atual crise. Quanto ao seguro, trata-se de antiga 
discussão em que não entram as seguradoras por não existir uma seguradora das 
seguradoras, e não há interesse dos produtores rurais, pois os prêmios são 
elevados e incompatíveis com a rentabilidade da maior parte dos cultivos e 
criações. Entra em cena então o governo, subvencionando com recursos do tesouro 
o prêmio das apólices. Porém, é bom lembrar que o cobertor é curto para tudo que 
se demanda.              
Pode-se até imaginar uma segmentação dos "Preços mínimos regionalizados e preços 
de referência" segundo sistemas de produção de características distintas. 
Convenhamos que não se trata de medida de operacionalização simples, havendo 
janelas de oportunidade para free riders de toda espécie. Sem um programa 
de rastreabilidade, siamês ao de preços regionalizados, os cafés declarados como 
de montanha e de colheita manual iriam inundar os armazém 
públicos!              
Estabelecer preços de referência com 10% de margem sobre os custos é de fato 
recompor a tutela dos tempos do IBC. Sugerir tal percentual quando o juro real 
está na casa dos 2% a 3% é irreal e certamente não passará pelo crivo dos 
técnicos da Fazenda.              A 
última sugestão dentro do pilar da comercialização é constituída pelo estímulo à 
utilização das ferramentas de mercado futuro. Toda a medida pró-mercado que 
desonere o governo deve ser estimulada. Entretanto, nas entrelinhas do pleito, 
solicita-se que os vendedores de contratos sejam isentos das margens de garantia 
e dos custos com registros e corretoras. Impedir a Bolsa de se remunerar pelo 
serviço de margeamento é o mesmo que transformá-la num cartório de uso exclusivo 
dos cafeicultores. A segurança e dos negócios avalizados pela Bolsa sucumbiria, 
assim como os compradores desses contratos dela se afastariam. Travar preço para 
não correr o risco de baixa sem qualquer custo, ou melhor, com o dinheiro do 
tesouro, deixa de ser uma política de mercado para ser mais uma muleta da antiga 
tutela.              Não 
existem obstáculos para a recriação do "Centro de Inteligência de 
Mercado", e o DCAF pode muito bem assumir essa tarefa, bastando para isso 
o segmento cotizar seu custo. Todos querem e precisam de estatísticas 
confiáveis. Porém, por se tratar de bem público, não há interesse algum em 
âmbito privado em suportar o ônus financeiro (que não é irrisório) para manter 
ativos e funcionais grupos de analistas dedicados ao assunto. Ademais, é preciso 
criar anteparos contra eventuais caça às bruxas, pois é inimaginável uma analise 
crítica como esta que alinhavo, emergindo de um centro de inteligência 
financiado pela esfera da produção. Dilemas dessa natureza devem ser 
criteriosamente planejados, pois sem independência do agente financiador, a 
natureza dos relatórios presta-se apenas para o lobby de fins 
duvidosos.              O 
segundo pilar versa sobre a questão da "tecnologia/pesquisas", que tem conexões 
com a problemática enunciada no parágrafo imediatamente acima. As intervenções 
da produção (com ou sem apoio de outros agentes da cadeia) trouxeram inúmeros 
prejuízos aos pesquisadores, institutos de pesquisa e universidades vinculadas 
ao Consórcio Pesquisa Café. Relembro as duas extinções do núcleo de 
socioeconomia que arregimentava aproximadamente 20 pesquisadores, imbuídos de 
responder exatamente as questões colocadas como missões para o centro de 
inteligência de mercado. Desarticulou-se completamente o grupo, secou a fonte de 
financiamento das pesquisas e, atualmente, não se sabe quanto custa produzir uma 
saca de café, parâmetro básico para se decidir qual seria o preço de referência 
regionalizado. Um mea-culpa viria bem ao caso! Colegiados podem contribuir 
bastante sobre os rumos da pesquisa, mas vetar esse ou aquele tema, projeto, 
equipe, atividade, representa decisões que não deveriam participar das mesas de 
discussões.              A 
proposição de identificação dos Cafés do Brasil por meio de signos distintivos é 
interessante, desde que esses rótulos atuassem convergentemente pela valorização 
e maior reputação do café brasileiro dentro e fora do país. Há o risco de que se 
estabeleça uma competição entre as regiões (como já ensaia acontecer) em que 
criam somente perdedores, nesse caso, os próprios cafeicultores. 
             O 
terceiro pilar trata do "desenvolvimento de mercado/marketing", 
focalizando ações direcionadas para os eventos esportivos que ocorrerão no país. 
Sedimentar conceitos de qualidade, sustentabilidade, diferenciação e origens e 
certificação são imprescindíveis, pois movimentam-se na órbita dos apelos 
sinalizados pelos mercados consumidores. Menciona-se a redação de um "plano 
estratégico", instrumento viabilizador da alavancagem dos recursos que 
suportaria um programa de base para ações dos agentes da cadeia. A explicação é 
quase circular e permanece no capítulo das intenções.              O 
quarto pilar é o da "sustentabilidade", que parcialmente também seria tratado no 
plano de "marketing". A proposta é a de financiar a adesão a programas de 
certificação. Tal iniciativa pode ser acatada desde que previamente concertada 
com as empresas certificadoras quanto aos custos intrínsecos do processo e apoio 
no escoamento dos lotes certificados/auditados8. A precondição é 
importante, pois, com a fartura de recursos, o resultado mais imediato seria a 
elevação dos serviços de certificação.              
Enfim, o quinto pilar, a legislação, em que se prevê a adequação das leis 
trabalhistas à realidade da atividade rural. O debate sério sobre o assunto deve 
ter como diretriz uma reforma que não torne mais precária a relação 
capital/trabalho. Os reclames patronais quanto à rigidez dos contratos de 
trabalho apontam normalmente para reformas que tornam precária a condição do 
trabalhador. Em um país em que são anualmente libertados milhares de 
trabalhadores em condição similar à escravidão em pleno século XXI, exige-se 
imensa cautela quanto a uma pretensa reforma da legislação trabalhista. Caso a preocupação dirija-se à competição com nossos 
concorrentes internacionais, em que os salários são menores, a postura correta 
seria a busca por maior produtividade com mais pesquisa e mão de obra mais 
qualificada.              É 
legítimo que a sociedade organizada se mobilize para pleitear seus interesses à 
administração pública, mas ao fazê-lo precisa igualmente estar permeável às 
sugestões e críticas que essa atitude irá atrair. Os redatores do documento, ao 
explicitarem publicamente suas demandas, são ao menos honestos, pois outros 
lobistas preferem o caminho dos bastidores para viabilizar suas 
demandas.              O 
caminho que conduz ao inferno está pavimentado pelas boas intenções (mais um bom 
punhado de dinheiro da viúva)!  ____________  2Creio que uma parte da baixa nas 
cotações decorre da postura acentuadamente cautelosa que adotaram as indústrias 
torrefadoras. Ao fim e ao cabo, com café mais em conta conseguiram se suprir. O 
jogo é bruto! 
 3Notícia coletada 
no site do CNC informa que a entrega do documento ocorreu em 03/07/2012, tendo-o 
recebido o secretário executivo do MAPA Sr. José Carlos Vaz. 
 4Esses itens dispersos ao longo do 
texto são extraídos diretamente do documento apresentado pelas lideranças da 
produção. 
 5Ainda que o documento cogite a 
possibilidade de que os estoques sejam privados, a ideia nasce morta, pois, no 
documento não se explicitam elementos que dariam suporte financeiro aos agentes 
privados para o carrego dessas pilhas de café. Então quando se pleiteia 
estoques, entenda-se estoques públicos! 
 6Informação 
disponível em: <http://www.bndes.gov.br>. Acesso em: jul. 2012. 
 7Op. cit. nota 1, pág. 3, 4º 
parágrafo. 
 8Somente uma delas tem compromisso 
efetivo com a destinação comercial dos lotes certificados.  Palavras-chave: política cafeeira, mercado 
de café. 
  
  
  
  
  
Novamente traz a ideia de 
defender a iniciativa privada quando tem lucro e o socialismo quando tem 
prejuízo; eles solicitam uma série se seguranças quando os preços baixam, mas 
não se pronunciam sobre as de contribuições sociais quando os preços são 
altos!
            Ou 
seja, é missão da sociedade civil sustentar negócios privados na baixa e invejar 
a riqueza alheia na alta! Mas voltemos ao documento. 
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
1CONSELHO NACIONAL DO CAFÉ 
- CNA. Plano de políticas estratégicas para a cafeicultura brasileira 
2012-2014. Brasília: CNA, 2012. Disponível em: 
<http://www.cncafe.com.br/ba/file/Plano 
%20de%20Pol%C3%83%C2%ADticas%20Estrat%C3%83%C2%A9gicas%20para%20a%20Cafeicultura%20Brasileira_2012-2014.pdf>. 
Acesso em: jul. 2012. 
  
  
Data de Publicação: 11/07/2012
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor

                    
                        