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Novo Marco Regulatório do Biodiesel: o dilema entre inclusão social e a diversificação de matérias-primas
                                   Em 
que pese a importância ambiental, econômica e geopolítica dos biocombustíveis, o 
biodiesel foi incluído na matriz energética nacional principalmente com fins de 
desenvolvimento regional por meio da inclusão social de agricultores 
familiares.              
Assim, em 2005, a legislação brasileira desse biocombustível atrelou o aumento 
do percentual de mistura obrigatória de biodiesel ao petrodiesel a alguns 
critérios, dos quais se destaca a participação dos agricultores familiares no 
fornecimento de matérias-primas para a produção de biodiesel1. Para 
isso, foi criado o Selo Combustível Social, um certificado de procedência da 
"matéria-prima", emitido pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) que, 
quando apresentado à Secretaria da Receita Federal (SRF), pode verter benefícios 
fiscais aos usineiros, caso estes tenham adquirido dos agricultores familiares 
um volume de "matéria-prima" estipulado pelo MDA. Neste caso, o usineiro recebe 
desonerações totais ou parciais em tributos que incidem sobre sua receita bruta: 
o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição Financeira Social 
(COFINS), o que minimiza os custos de produção do biodiesel. 
             No 
período do consumo facultativo do biodiesel (2005-2007), vigorou o Decreto 
5.297/20042, no qual os coeficientes de redução eram diferenciados 
pelo tipo de fornecedor que o usineiro escolhesse (agricultor familiar ou 
agronegócio), pela região de procedência da matéria-prima e pela fonte da 
matéria-prima (variedade de oleaginosa). Por exemplo, se o usineiro adquirisse 
os percentuais mínimos da mamona ou da palma proveniente da agricultura familiar 
do Norte, Nordeste ou semiárido, ele teria direito a desoneração total do PIS e 
COFINS.              No 
primeiro ano do consumo obrigatório de biodiesel (2008), através do Decreto 
6.606/083, a SRF alterou o coeficiente de redução parcial para todo e 
qualquer produtor ou importador de biodiesel, o qual aumentou de 67,60% para 
73,57%. Assim, a tributação do PIS/COFINS decresceu 18,37% para os usineiros que 
adquirem matéria-prima na agricultura patronal e mercado spot, enquanto 
os coeficientes referentes à aquisição de agricultores familiares não sofreram 
alteração em relação ao decreto anterior.              O 
Decreto 6.066/2008 preservou o incentivo para que os usineiros adquiram 
matérias-primas produzidas nas regiões mais carentes do Brasil (Norte, Nordeste 
e no semiárido). No entanto, retirou a ênfase nas aquisições de oleaginosas 
perenes (dendê/palma) e semiperenes (mamona) cultivadas pela agricultura 
familiar, uma vez que, para esta categoria de fornecedor, tais culturas passaram 
a ter o mesmo tratamento que as culturas anuais, em que se inclui a soja (Tabela 
1).  Tabela 1 - Carga 
Tributária Incidente sobre a Usina de Biodiesel 
             A 
mamona é intensiva em mão de obra e pode ser consorciada com feijão e/ou milho 
(culturas alimentícias). Devido a essas características, apostou-se na 
ricinocultura nordestina como forma de inclusão social dos agricultores 
familiares no mercado de biodiesel. No entanto, os baixos níveis de 
produtividade da mamona nordestina não permitem estabilidade no volume produzido 
de bagas, e consequentemente do óleo, o que aumenta os riscos do usineiro quanto 
à regularidade da produção de biodiesel4. Já o dendê apresenta alta 
especificidade de processo, pois os frutos colhidos devem ser processados 
imediatamente sob pena de perda da qualidade do óleo, o que reduz os canais de 
comercialização desse subproduto. Portanto, produzir biodiesel a partir desse 
óleo exige que o usineiro possua equipamentos de prensagem integrados às 
produções agrícola e de biodiesel.              As 
culturas perene e semiperene têm um ciclo de maturação maior do que as 
oleaginosas cultivadas anualmente, de modo que o retorno dos investimentos em 
contratos com ricinocultores e/ou dendeicultores é mais lento do que o retorno 
com sojicultores.              Em 
suma, o Decreto 6.066/2008 preservou a preocupação com o desenvolvimento 
regional sem alterar os coeficientes relacionados aos contratos de fornecimento 
firmados com os agricultores familiares, mas reduziu a alíquota que não 
discrimina o tipo de fornecedor (agricultura patronal, familiar, ou 
agroindústrias de processamento) e não alterou as que privilegiam os contratos 
com os agricultores familiares. Ele não só perpetuou a soja (ou a aquisição de 
seu óleo no mercado spot), como também pode ter contribuído para expandir 
essa oleaginosa para as regiões menos desenvolvidas do país, já que os contratos 
de fornecimento firmados entre usineiros e sojicultores familiares do Norte, 
Nordeste e semiárido, além do rápido retorno financeiro ao investimento do 
usineiro, podem gerar, a estes, desoneração total do PIS e da COFINS (Tabela 
2).              A 
partir do Decreto 6.606/2008, aumentou-se a diversidade de fontes oleaginosas 
que fornecem matéria-prima para biodiesel, sem necessariamente serem originadas 
na agricultura familiar (Tabela 2).              Mesmo 
que em volume irrisório, os óleos residuais (óleo utilizado em cozinhas) 
entraram oficialmente na formulação de biodiesel em dezembro de 2010 e têm sido 
utilizados de forma constante e crescente. Por serem produzidos, sobretudo, pelo 
setor de serviços, a tributação para os usineiros que usam óleos residuais não é 
privilegiada. No entanto, os óleos residuais são tidos como um insumo barato 
para o biodiesel e sua inserção no mercado, além de ser favorável para o meio 
ambiente, ajuda a impulsionar preços competitivos e maior suprimento para o 
mercado de biodiesel. Portanto, o uso desse insumo deveria ser acompanhado de 
incentivos para a implantação de cooperativas de coleta e distribuição como um 
meio de se expandir a inclusão social às zonas urbanas.              No 
tocante às gorduras de gordura animal, o sebo bovino destaca-se na produção de 
biodiesel. Mas a quase totalidade dessa matéria-prima tem origem na agricultura 
patronal (bovinocultura de corte), e não na familiar, sendo produzido na 
agroindústria de abate (frigoríficos). Portanto, assim como no caso dos óleos 
residuais, a aquisição exclusiva deste subproduto para a produção de biodiesel 
não é estimulado pela legislação, sendo a redução tributária de 73,57% (Tabela 
1).              Em 
2008, o principal objetivo do governo passou a ser a estabilidade do mercado 
doméstico e os acréscimos graduais de adição de biodiesel ao petrodiesel, os 
quais seriam estipulados com base na disponibilidade do biocombustivel e no 
engajamento da agricultura familiar no fornecimento de matérias-primas para o 
biodiesel5. Para isso, em dezembro de 2007, foram instituídas duas 
modalidades de comercialização que permitiram aos usineiros a adquisição da 
matéria-prima originada no mercado spot ou na agricultura de tipo 
patronal - em detrimento da agricultura familiar, escoar seu 
produto:  Tabela 2 - Matérias-primas 
Utilizadas na Formulação de Biodiesel, novembro de 2009 a Fevereiro de 
2012 

  
  
  
  
  
  
  
Fonte: BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Decreto n. 
6.606 de 21 de outubro de 2008. Dispõe sobre os coeficientes de redução das 
alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes na produção e 
na comercialização de biodiesel, sobre os termos e as condições para a 
utilização das alíquotas diferenciadas, e dá outras providências. Diário 
Oficial da União, 22 out. 2008. Disponível em: 
<http://www.receita.fazenda.gov.br/legislação/decretos/2008/dec6606>. 
Acesso em: 10 ago. 2011. 
     
  
       
    
       
    
       
(PRONAF)
     
  
       
    
       
    
       
    
caroço ou fruto de palma
       
     
  
       
    
       
    
       
    
       
    
       
     
  Coeficiente de 
      redução 
    
       
    
       
    
       
    
       
     
  PIS 
      (R$/m3) 
    
       
    
       
    
       
    
       
     
  COFINS 
      (R$/m3) 
    
       
    
       
    
       
    
       
     Total 
      (R$/m3) 
    
       
    
       
    
       
    
       
  
  
  
  
  
  
  
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       bovino  | |||
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1. Os leilões de estoque, nos quais os distribuidores de combustíveis líquidos contratam os produtores de biodiesel fora da sistemática dos leilões regulares.
2. A divisão dos leilões regulares 
em dois lotes, dos quais apenas o primeiro exige dos usineiros a comprovação de 
contratos firmados com a agricultura familiar. 
  
            A 
partir dessa regulamentação, o sebo bovino destacou-se na produção de biodiesel, 
variando sua participação entre 10,0% e 20,0% do total de matérias-primas 
utilizadas (Tabela 2). 
  
            Em 
2010, iniciou-se a produção de biodiesel com gordura de frango e de suínos 
(Tabela 2). As gorduras obtidas dos abates desses animais têm origem na 
agricultura familiar, a qual responde por cerca de 31,0% da avicultura e 40,0% 
da suinocultura. Há, possivelmente, uma tendência de efetivarem-se como 
matérias-primas constantes, por serem mais baratas que as gorduras 
vegetais. 
  
            
Dentre as fontes de origem vegetal, embora o rol de oleaginosas utilizadas no 
processo produtivo do biodiesel tenha se expandido, nenhuma delas apresentou uma 
oferta constante no mercado bioenergético. Apesar de retirados os incentivos 
específicos para a palma (dendê), a oleaginosa ainda apresentou uma participação 
irrisória no mercado de biodiesel por quase um semestre, ao contrário do óleo de 
mamona que nunca entrou na composição do biodiesel (Tabela 2). 
  
            A 
oferta de óleos vegetais para biodiesel é proveniente do algodão (cultivado pela 
agricultura patronal) e da soja, cujos agricultores familiar    
es responderam por 16,0% da produção nacional no país6. Com base 
neste percentual, infere-se que somente os sojicultores familiares responderam 
por 11 milhões de toneladas de soja, em 2011. 
  
            
Segundo a União Brasileira de Biodiesel (UBRABIO), atualmente 20% do biodiesel 
produzido no país é oriundo da agricultura familiar, mas cerca de 90% desse 
volume refere-se à soja cultivada por agricultores familiares da região 
Sul7, em detrimento das regiões privilegiadas pela tributação (Norte, 
Nordeste e semiárido). 
  
            
Dentre os agricultores familiares que fornecem matéria-prima para os usineiros, 
68% estão inseridos no sistema cooperativista, enquanto 32% ainda não atingiram 
este estágio de gestão administrativa8. 
  
            As 
cooperativas de agricultores familiares que integram o mercado de biodiesel tem 
a seguinte distribuição geográfica: 70% na região Sul, 17% no Centro-Oeste e 11% 
no Nordeste. No Norte não há cooperativas, e no Nordeste, somente Bahia e 
Sergipe têm algum destaque9. 
  
            Com 
base nas informações acima, infere-se que a maior parte dos agricultores 
familiares que fornecem "matéria-prima" para os usineiros já endossavam a cadeia 
produtiva da soja antes da regulamentação do mercado e, portanto, esses 
"fornecedores" já estavam socialmente inseridos no mercado de 
trabalho. 
  
            
Nota-se que os agricultores familiares podem apresentar basicamente duas 
tipologias, de acordo com a gestão do empreendimento: a) agricultor familiar que 
trabalha isolado (os assentados da reforma agrária e agricultores que muitas 
vezes não têm condições sequer de armazenar o produto colhido); e b) os que 
adotaram o cooperativismo, sendo que neste grupo há as cooperativas de 
agricultores familiares que comercializam o grão oleaginoso e as que se 
verticalizaram e produzem o óleo. 
  
            
Portanto, os riscos do usineiro em contratar os agricultores familiares variam 
em decorrência do nível de organização da empresa rural, sendo maiores para os 
usineiros que contratam os agricultores familiares isolados do que para os que 
contratam as cooperativas de agricultores familiares, as quais, além de 
apresentarem boa escala de produção agrícola, também dispõem de melhores 
condições de infraestrutura (secagem e armazenagem de grãos). 
  
            
Assim, a redução do PIS e da COFINS para todo produtor de biodiesel, 
independentemente do fornecedor que este escolher, e a não obrigatoriedade dos 
contratos de fornecimento de matérias-primas provenientes da agricultura 
familiar para participar do segundo lote dos leilões regulares da Agência 
Nacional de Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural (ANP), aumentaram a 
variedade de matérias-primas utilizadas na produção de biodiesel sem origem na 
agricultura familiar e, portanto, não contribuíram para inclusão social de 
agricultores familiares. Verifica-se que as reformulações do Decreto 6.066/2008 
desconsideraram os diferentes riscos contratuais do usineiro frente à tipologia 
de agricultores familiares, o que, além de favorecer a sojicultura, permitiu que 
tradicionais agentes produtivos, já inseridos no complexo industrial proteico, 
se apropriassem das vantagens tributárias do mecanismo de inclusão 
social. 
  
            Mas 
tal desconsideração compromete a viabilidade das usinas de pequeno porte e um 
dos critérios que devem ser observados antes de antecipar o percentual de 
mistura de biodiesel ao petrodiesel, ou seja, a inclusão social de agricultores 
familiares sediados nas regiões menos socioeconomicamente desenvolvidas. 
Sugere-se, assim, que o novo marco regulatório seja precedido por uma política 
tributária que diferencie a tipologia de agricultor familiar e volte a estimular 
culturas intensivas em mão de obra, preferencialmente desvinculada do mercado 
alimentício, e cuja formação de preço não seja atrelada ao mercado 
internacional. Tal política deve, obrigatoriamente, perpassar por maiores 
investimentos públicos na pesquisa agropecuária e na extensão 
rural. 
  
  
1BRASIL. Lei n. 11. 097, de 13 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira; altera as Leis n. 9.478, de 6 de agosto de 1997, 9.847, de 26 de outubro de 1999 e 10.636, de 30 de dezembro de 2002; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 14 jan. 2005.
2______. Secretaria da Receita Federal. Decreto n. 5.297, de 6 de dezembro de 2004. Dispõe sobre os coeficientes de redução das alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes na produção e na comercialização de biodiesel, sobre os termos e as condições para a utilização das alíquotas diferenciadas, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 07 dez. 2004.
3______. Secretaria da Receita Federal. Decreto n. 6.606 de 21 de outubro de 2008. Dispõe sobre os coeficientes de redução das alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes na produção e na comercialização de biodiesel, sobre os termos e as condições para a utilização das alíquotas diferenciadas, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 22 out. 2008. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/legislação/decretos/2008/dec6606>. Acesso em: 10 ago. 2011.
4VAZ, P. H. P; SAMPAIO, Y. S e SAMPAIO, E. V. S. Análise da competitividade da mamona e da soja para produção de biodiesel no nordeste do Brasil. Revista de Economia Agrícola, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 35-48, jan./jun. 2010.
5Op. cit. nota 1.
6MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO - MDA. Agricultura familiar no Brasil e o Censo 2006. Brasília, 2010. Disponível em <http://www.mda.gov.br/portal/saf/censo_2006>. Acesso em 25 de maio de 2010.
7UNIÃO BRASILEIRA DE BIODIESEL - UBRABIO. O biodiesel e sua contribuição ao desenvolvimento brasileiro. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 34p.
8CAMPOS. A. A importância da inclusão social para o aumento do mercado. In: CONFERÊNCIA BIODIESELBR, 2010, São Paulo. Palestra... Curitiba: BIODIESELBR, 2010. Disponível em: <http://www.biodieselbr.com.br>. Acesso em: maio 2012.
9Op. cit. nota 8.
Palavras-chave: biodiesel, agricultura familiar, regulação de mercados.
Data de Publicação: 18/06/2012
                Autor(es): 
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