Artigos
Selo Combustível Social: Reflexões sobre a Instrução Normativa MDA n. 1 de 2009
                                   O 
Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel objetiva reduzir as 
disparidades socioeconômicas regionais do país, por meio da inclusão social de 
agricultores familiares no fornecimento de matérias-primas para a produção de 
biodiesel. Para isso, criou-se o Selo Combustível Social, um mecanismo de 
políticas públicas, operacionalizado pela Secretaria da Receita Federal (SRF) e 
pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).              O 
MDA concede o Selo Combustível Social aos usineiros que contratarem a 
'matéria-prima' de agricultores familiares. Certificada a procedência da 
'matéria-prima', o Selo é apresentado à SRF. Se o usineiro adquiriu dos 
agricultores familiares um volume mínimo estipulado pelo MDA, ele recebe 
desonerações totais ou parciais na tributação referente ao Programa de 
Integração Social (PIS) e à Contribuição Financeira Social (COFINS), o que 
minimiza os custos de produção do biodiesel.              No 
entanto, tornou-se um consenso, na literatura brasileira sobre o mercado de 
biodiesel, a ineficiência desse mecanismo, no que concerne à inclusão social de 
agricultores familiares pertencentes aos estratos menos estruturados desse setor 
produtivo.              
Dentre as causas do insucesso, Cesar1 e Freitas e Lucon2 
destacam a metodologia do cálculo que define os 'percentuais mínimos', da 
Instrução Normativa MDA n. 1 de 2005 (IN/2005)3, que vigorou até 
julho de 2009, quando foi substituída pela Instrução Normativa MDA n. 1 de 2009 
(IN/2009)4, ora em voga.              
Poderá a IN/2009 ampliar a participação dos agricultores familiares mais 
carentes no mercado de biodiesel?              A 
IN/2005 definiu que o percentual mínimo de aquisições de matéria-prima seria 
calculado sobre o custo de aquisição da matéria-prima feita pelo agricultor 
familiar (ou pela sua cooperativa), em relação ao custo de aquisições totais de 
matérias-primas utilizadas no período para a produção de biodiesel, a saber: 
 Onde:  Pmin = percentuais mínimos de aquisição 
de matérias-primas provenientes da agricultura familiar; 
 X = valor (em R$) anual despendido na aquisição de 
matérias-primas provenientes da agricultura familiar; 
 Y = valor total (em R$) das aquisições anuais de 
matérias-primas utilizadas no período da produção de biodiesel.              A 
IN/2009 alterou os percentuais mínimos de aquisição de matérias-primas 
provenientes da agricultura familiar  Tabela 1 - Percentual Mínimo de Aquisição da 
Matéria-Prima por Região Geográfica do Brasil, 2005 e 2009 
             A 
IN/2009 traz duas inovações: a primeira, ao acrescentar também no numerador da 
relação matemática (X) que define o Pmin (percentuais mínimos de 
aquisição de matérias-primas provenientes da agricultura familiar), a cláusula 
de responsabilidade do usineiro, ou seja, os custos dos usineiros com insumos e 
assistência técnica (Ater), pertinentes ao setor agrícola e que até então eram 
ignorados no método de mensuração; e a segunda, por passar a considerar que as 
matérias-primas adquiridas pelo usineiro possam proceder de várias localidades 
distintas não só entre si, como também em relação ao lugar onde a usina esta 
instalada. Assim, o X ou 'o valor anual despendido na aquisição de 
matérias-primas provenientes da agricultura familiar' assume uma interpretação 
mais abrangente na IN/2009.              Ao 
ponderar as regiões demográficas, X passa a ser definido como o somatório entre 
o valor da matéria-prima adquirida pelo usineiro acrescida de valores 
pertinentes aos fatores de produção correspondentes aos custos de produção 
agrícola, a saber:    Onde: 
 Xri = valor (em R$) anual 
despendido na aquisição de matérias-primas provenientes da agricultura familiar 
por região geográfica; 
 Vmp = valor da matéria-prima, em si, 
adquirida da agricultura familiar, ou mais vulgarmente, o preço pago pelos grãos 
oleaginosos (em R$); 
 Vas = valor referente à doação das 
despesas com análise de solos em propriedades familiares (em R$), e valores (em 
R$) referentes à doação dos gastos com: 
 S = sementes e/ou mudas e 
 A = adubos; 
 Cor = corretivos de solo; 
 HM = horas-máquina e/ou combustível; 
 Ater = assistência e capacitação 
técnicas oferecidas aos agricultores familiares de onde o usineiro adquiriu a 
matéria-prima.              
Segundo a IN/2009, as despesas do usineiro com a contrapartida receberam uma 
limitação em relação ao valor pago pela compra da matéria-prima: na região 
centro-sul, os custos de produção agrícola pagos pelo usineiro (contrapartida do 
produtor de biodiesel) não podem ultrapassar 50% do valor pago pela 
matéria-prima e, para as demais regiões (Norte e Nordeste), a contrapartida do 
usineiro limita-se a 100% do valor pago pela matéria-prima, ou seja, os 
investimentos do produtor nos projetos sociais não podem ultrapassar o valor do 
dispêndio na aquisição da matéria-prima.              
Nos casos em que o usineiro adquire matéria-prima da agricultura familiar de 
regiões que ensejem alíquotas diferentes, a IN/2009adotou o seguinte critério de 
cumprimento do percentual mínimo: o valor total das aquisições anuais da 
agricultura familiar das regiões Norte (Xno) e Centro-Oeste (Xco), 
dividido pelo percentual mínimo das aquisições nestas regiões, somado ao valor 
total das aquisições anuais da agricultura familiar das regiões Sul 
(Xsul), Sudeste(Xsd), Nordeste (Xnd) e semiárido 
(Xsa), dividido pelo percentual mínimo das aquisições nestas regiões (ou 
seja, a média ponderada do valor dessas aquisições), deverá ser maior ou igual 
ao valor das aquisições utilizadas para a produção de biodiesel no ano civil 
(Y), ou seja: 
 
             A 
inclusão dos custos pertinentes à contrapartida do usineiro, no numerador da 
relação, visa reduzir o impacto financeiro deste empresário nos contratos 
firmados com a agricultura familiar, o que pode vir a estimular o aumento dos 
contratos de Selo Combustível, se, e somente se, o Y (valor total das 
aquisições anuais de matérias-primas utilizadas no período da produção de 
biodiesel) se mantiver constante.              No 
entanto, é difícil avaliar se o novo método de mensuração do Pmin 
estimulará os contratos entre usineiros e agricultores do Norte e do Nordeste, 
pois: o valor de X (numerador) passou a depender dos custos da 
contrapartida do usineiro e, no caso do denominador (Y), não houve uma melhor 
explicitação de seu conceito, como será explicitado adiante. Mas, para melhor 
compreensão dessa conclusão parcial, deve-se atentar que a matéria-prima do 
usineiro é o óleo vegetal, o qual é produzido pelo setor agroindustrial e não 
pelo setor agrícola (seja ele familiar ou patronal). Segundo o próprio MDA, em 
agosto de 2011, das 50 cooperativas de agricultores familiares engajadas no 
mecanismo do Selo Combustível Social, somente duas já estavam produzindo óleo 
vegetal. Portanto, as demais comercializam o grão.              No 
que concerne ao X (o valor da matéria-prima proveniente dos agricultores 
familiares), a parte da expressão matemática que corresponde à contrapartida do 
usineiro é, em média, menos onerosa no Sul, considerando os grãos de soja, ou 
seja, a principal fonte de matéria-prima para a produção de biodiesel (Tabela 
2).              Os 
menores custos na contrapartida dos usineiros no Sul poderiam vir a perpetuar os 
contratos de Selo Combustível Social firmados com sojicultores sulistas, os 
quais atuam sob sistema cooperativista. Mas, obviamente, como X continua 
a incluir o valor gasto com os custos da 'matéria-prima' adquirida da 
agricultura familiar, o preço pago pelo usineiro pela soja em grão também é uma 
variável de decisão na formação dos contratos com a agricultura familiar. Neste 
aspecto, as cotações da soja-grão são, muitas vezes, menores no Centro-Oeste 
(Rondonópolis-MT) do que no Sul (Passo Fundo e Maringá) (Figura 1).              
Observando-se as variáveis que compõem o X, numerador da relação matemática que 
determina o Pmin, estas regiões intercalam destaque no menor valor da 
matéria--prima (grãos de soja) e nos menores dispêndios na contrapartida do 
usineiro. Assim, dada tais vantagens frente às demais regiões, não se vislumbra, 
no curto prazo, a possibilidade de expansão dos contratos de Selo Combustível 
Social para o Norte ou Nordeste, principalmente porque não houve uma 
reformulação no denominador (Y) da relação que determina o Pmin. 
   Tabela 2 - Despesas do Usineiro com a 
Contrapartida dos Contratos com Sojicultores das Principais Regiões Produtoras, 
2011 
  
  
  
  
  
  

  
, os quais 
foram reduzidos de 50% para 30% no Nordeste e nas regiões semiáridas do país, 
aumentados para 15% no Centro-Oeste e Norte e mantidos constantes nas demais 
regiões (Tabela 1). 
  
  
  
1Percentuais validos a partir da safra 
2010/2011. 
     
  
       
    
       
     
  
       
    
       
     
  Nordeste e 
      semiárido 
    
       
    
       
     
  Sudeste 
    
       
    
       
     
  Sul 
    
       
    
       
     
  Norte 
    
       
    
       
     Centro-Oeste 
    
       
    
       
Fonte: BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Agrário - MDA. 
Instrução Normativa n. 1 de 1 de juho de 2005. Dispõe sobre os critérios e 
procedimentos relativos a concessão, manutenção e uso do selo combustível 
Social. Diário Oficial da União, 25 fev. 2009. 
 
  
  
  

 
  
  
  
  
| 
       Sementes  | 
    
       Adubo  | 
    
       Hora máq.  | 
    
       Agrotóxico  | 
    
       Ater  | 
    
       Total  | |
| Barreiras | 
       24,17  | 
    
       120,00  | 
    
       37,00  | 
    
       51,83  | 
    
       4,83  | 
    
       237,83  | 
| Balsas | 
       29,17  | 
    
       152,00  | 
    
       48,00  | 
    
       51,50  | 
    
       5,83  | 
    
       286,50  | 
| Média Nordeste | 
       26,67  | 
    
       136,00  | 
    
       42,50  | 
    
       51,67  | 
    
       5,33  | 
    
       262,17  | 
| Unai | 
       40,83  | 
    
       155,33  | 
    
       91,17  | 
    
       40,83  | 
    
       6,83  | 
    
       335,00  | 
| Média Sudeste | 
       40,83  | 
    
       155,33  | 
    
       91,17  | 
    
       46,25  | 
    
       6,83  | 
    
       335,00  | 
| Campo Mourão | 
       23,33  | 
    
       82,83  | 
    
       51,67  | 
    
       75,50  | 
    
       5,00  | 
    
       238,33  | 
| Londrina | 
       34,50  | 
    
       62,33  | 
    
       48,83  | 
    
       75,33  | 
    
       6,17  | 
    
       227,17  | 
| Passo Fundo | 
       15,00  | 
    
       87,50  | 
    
       62,83  | 
    
       47,67  | 
    
       4,00  | 
    
       217,00  | 
| Santa Rosa | 
       27,50  | 
    
       71,83  | 
    
       41,17  | 
    
       72,00  | 
    
       6,00  | 
    
       218,50  | 
| Média Sul | 
       25,08  | 
    
       76,13  | 
    
       51,13  | 
    
       59,83  | 
    
       5,29  | 
    
       225,25  | 
| Primavera | 
       39,83  | 
    
       126,83  | 
    
       51,67  | 
    
       60,00  | 
    
       6,00  | 
    
       284,33  | 
| Sorriso | 
       36,83  | 
    
       126,17  | 
    
       31,33  | 
    
       45,83  | 
    
       5,17  | 
    
       245,33  | 
| Rio Verde | 
       37,00  | 
    
       86,33  | 
    
       30,00  | 
    
       64,83  | 
    
       4,50  | 
    
       222,67  | 
| Disrito Federal | 
       38,33  | 
    
       118,83  | 
    
       115,83  | 
    
       58,83  | 
    
       6,83  | 
    
       338,67  | 
| Média Centro-Oeste | 
       38,00  | 
    
       114,54  | 
    
       57,21  | 
    
       61,83  | 
    
       5,63  | 
    
       272,75  | 
| Média Brasil | 
       31,50  | 
    
       108,18  | 
    
       55,41  | 
    
       0,00  | 
    
       5,56  | 
    
       259,21  | 
 
Figura 1 - Preços Mensais da Soja em 
Grão das Principais Praças Brasileiras, Abril de 2008 a Abril de 2011. 
Fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE ÓLEOS VEGETAIS – ABIOVE. 
Cotações-médias mensais. São Paulo, 2011. Disponível em: 
<http://abiove.com.br>. Acesso em: 25 maio 2011. 
            
Comparando a tabela 2 e a figura 1, nota-se que o valor da contrapartida do 
usineiro situa-se entre 30% e 35% do valor da tonelada da soja em grão, sendo 
que muitas vezes o valor do óleo atingiu o triplo do valor do grão. Assim, 
qualquer possibilidade de efeito benéfico na agregação dos gastos da 
contrapartida do usineiro no numerador da relação pode ser prejudicada pela 
elevação das cotações do óleo de soja, incluso no denominador Y que 
define o percentual mínimo (Pmin). 
  
            
Além da falta de clareza em alguns pontos da IN/2009, as variáveis analisadas 
não permitem concluir enfaticamente se o objetivo de minimização das 
desigualdades regionais, por meio da geração de emprego e renda aos agricultores 
sediados no Norte e Nordeste do país, será efetivado, mas ressalva-se o provável 
fraco incentivo aos usineiros dado por esse mecanismo. 
  
Para o usineiro atingir o percentual mínimo adquirindo qualquer matéria-prima (inclusive soja) de qualquer tipologia de agricultor familiar enquadrado no PRONAF, além dos custos contratuais e com a contrapartida, ele pagará aos cofres públicos R$70,03/m3 referentes ao PIS e COFINS.8 Se ele adquirir qualquer estado de matéria-prima (incluindo o óleo) de qualquer procedência (incluindo o mercado spot), será tributado em R$177,95/m3. Assim, em que pese a necessidade de cálculos precisos, observando os custos da contrapartida apresentados na tabela 1, parece que o usineiro tem perdas monetárias se investir em qualquer categoria de agricultor familiar, já que os gastos na contrapartida da compra dos grãos são maiores do que o valor que ele deixa de pagar aos cofres públicos. Nesse aspecto, o diferencial na tributação (R$107,92/m3)entre ter o Selo Combustível Social (R$70,03/m3) e não ter (R$177,95/m3) reflete parte dos custos da busca dos usineiros pelo poder de mercado, uma vez que o porte do Selo permite o ingresso em ambos os lotes dos leilões da ANP.
 
Figura 2 - Cotações Médias Mensais da 
Soja em grão e seus Subprodutos, Brasil, Setembro de 2004 a Maio de 2012. 
Fonte: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE ÓLEOS VEGETAIS – ABIOVE. 
Cotações-médias mensais. São Paulo, 2011. Disponível em: 
<http://abiove.com.br>. Acesso em: 25 maio 2011. 
  
            
Assim, a maior ou menor competitividade do usineiro é sua estrutura de 
governança interna. Se a usina for verticalizada ao processamento dos grãos, 
adquirida a soja, esse usineiro passa a ser dono de sua própria matéria-prima (o 
óleo) e obtém, adicionalmente, a renda do farelo de soja. Mas, no caso dos 
usineiros isolados e que inovaram suas estruturas de governança, a busca do Selo 
Combustível Social em prol do poder de mercado torna-se mais dispendiosa, pois 
estes têm que optar entre a parceria com as esmagadoras ou pela revenda dos 
grãos adquiridos da agricultura familiar, para posterior compra do óleo, três 
vezes mais caro. Por fim, a IN/2009 não parece, por si só, ser suficiente para 
expandir o Selo Combustível Social para os agricultores familiares do Norte e 
Nordeste e que se encontram na base da pirâmide socioeconômica dessa categoria 
produtiva. 
  
_____________________ 
1CÉSAR, A. S. 
Análise dos direcionadores de competitividade para a cadeia produtiva de 
biodiesel: o caso da mamona. 2009. 171p. Dissertação (Mestrado em Engenharia 
de Produção) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009. 
2FREITAS, S. M.; LUCON, O. Programa nacional de produção e uso de biodiesel: a transição para um estilo de desenvolvimento sustentável. Textos para discussão, São Paulo, n. 27, maio 2011. Disponível em: </ftpiea/td/td-27-2011.pdf>. Acesso em: jun. 2011.
3BRASIL. Ministério de Desenvolvimento Agrário - MDA. Instrução Normativa n. 1 de 5 de julho de 2005. Dispõe sobre os critérios e procedimentos relativos a concessão, manutenção e uso do selo combustível social. Diário Oficial da União, 5 jul. 2005.
4______. ______. Instrução Normativa n. 1 de 19 de fevereiro de 2009. Dispõe sobre os critérios e procedimentos relativos a concessão, manutenção e uso do selo combustível social. Diário Oficial da União, 25 fev. 2009.
5Op. cit. nota 4.
6Op. cit. nota 3.
7Op. cit. nota 4.
8BRASIL. Secretaria da Receita 
Federal. Decreto 6.606 de 21 de outubro de 2008. Dispõe sobre os coeficientes de 
redução das alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes na 
produção e na comercialização de biodiesel, sobre os termos e as condições para 
a utilização das alíquotas diferenciadas, e dá outras providências. Disponível 
em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/decretos/2008/ 
dec6606.htm>. Acesso em: 10 ago. 2011. 
  
Palavras-chave: Biodiesel, Selo Combustível Social, agricultura familiar, MDA.
Data de Publicação: 23/02/2012
                Autor(es): 
                Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Gilberto Martins (gilberto.martins@ufabc.edu.br) Consulte outros textos deste autor              

                    
                        