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Políticas Públicas e a Transparência de Mercado
                                 Os 
cafeicultores brasileiros, especialmente os de arábica, experimentam um já longo 
ciclo de cotações próximas da insuficiência para cobrir seus custos com a 
atividade. Diversas comparações entre produtos (óleo diesel, salário mínimo, 
fertilizantes, etc.) em períodos mais ou menos elásticos (desde o lançamento do 
real, na atual década) confirmam que os preços recebidos pelos cafeicultores 
foram aqueles que tiveram modesto crescimento. Essa constatação tem mobilizado 
os lobbies que se concentram na atividade em defesa corporativa de seus 
representados. Ecos desse movimento alcançam o setor público que, felizmente, 
não se eximiu em desenvolver políticas de apoio à lavoura 
cafeeira. 
             Os 
contratos de opções de venda (Avisos 203 e 216 da Companhia Nacional de 
Abastecimento - CONAB) se constituem na política que maior investimento do 
tesouro público demanda. A oferta de venda de 3 milhões de sacas de café arábica 
pode resultar, caso o governo seja obrigado a comprar fisicamente todos os lotes 
ofertados, em desembolso total nas operações de R$926,09 milhões, sendo que o 
montante transferido sob a forma de subsídios contabilizaria R$39,74 
milhões1. 
             Até 
12/11/2009, as cláusulas que estabeleciam as formas de pagamento aos 
cafeicultores em exercício das opções possuíam a seguinte 
redação: 
 - Aviso 203, item 14.3: quando o titular do 
contrato for uma cooperativa de produtores rurais, o crédito dos valores será 
efetuado diretamente na conta corrente dos cooperados indicados no Anexo III, 
conforme recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU), constante no Acórdão 
n. 2.037/2007. Lembramos que o pagamento não poderá ser efetuado em conta 
poupança e, caso o cooperado não possua conta corrente, deverá ser indicada, no 
Anexo III, a agência do Banco do Brasil de preferência do cooperado, para que o 
crédito seja disponibilizado por meio de Ordem de Pagamento. 
 - Aviso 216, item 14.3: quando o titular do 
contrato for uma cooperativa de produtores rurais, o crédito dos valores será 
efetuado diretamente na conta corrente dos cooperados indicados no Anexo III. 
Lembramos que o pagamento não poderá ser efetuado em conta poupança e, caso o 
cooperado não possua conta corrente, deverá ser indicada, no Anexo III, a 
agência do Banco do Brasil de preferência do cooperado, para que o crédito seja 
disponibilizado por meio de Ordem de Pagamento. 
             O 
Acórdão n. 2.037/2007, resumidamente, trata de julgamento de ação interposta 
pelo Conselho dos Exportadores de Café com objetivo de responsabilizar aqueles 
envolvidos nos desvios ocorridos na operacionalização do Prêmio Equalizador Pago 
ao Produtor (PEPRO), consequência irrefutável da realização dos depósitos das 
subvenções diretamente na conta das cooperativas sem a obrigatoriedade de 
divulgação dos dados cadastrais dos cooperados beneficiários dos recursos 
disponibilizados. Assim, os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) 
conferem legitimidade para o procedimento da CONAB de transferir para 
cooperativas os recursos alocados nas políticas públicas, porém recomendando ao 
MAPA/CONAB que prefira o depósito direto na conta dos cooperados, visando 
conferir maior transparência para as operações. Todavia, entenderam os Ministros 
que os órgãos do executivo possuem poder discricionário e que, em última 
instância, a decisão compete aos técnicos, com o alerta de que, sob o surgimento 
de denúncias de desvios, os gestores que decidiram sobre a melhor forma de 
pagamento serão aqueles criminalmente 
responsabilizados2. 
             Em 
13/11/2009 a CONAB fez saber uma nova diretiva sobre a questão dos pagamentos, 
conforme instrução do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) 
e Secretaria de Produção e Agroenergia, por meio do Ofício n. 766/2009/SPAE, de 
12/11/2009, e com base no Acórdão n. 2.472/2009 proferido nos autos do processo 
TC 018.696/2007-1 pelo Plenário do TCU na sessão ordinária de 
21/10/2009: 
             
Traduzindo, o TCU proferiu-se pela legalidade da transferência de subvenções às 
cooperativas de produção por entender que "é cediço que esse tipo de entidade 
representa, por sua própria natureza, os interesses dos seus 
membros"3. Assim, o MAPA/CONAB, pressionado pelo lobby das 
cooperativas produtoras de café e amparado pelo acórdão, referendou a decisão de 
transferir diretamente para a conta das organizações coletivas os montantes dos 
pagamentos devidos aos cafeicultores em exercício das opções adquiridas em lotes 
nos leilões pelas cooperativas. Essas empresas foram responsáveis por 75% das 
aquisições do total de lotes ofertados pelos leilões. Diante desse 
pronunciamento oficial, calculou-se uma estimativa preliminar dos montantes 
(bruto e subvenção) a serem transferidos às cooperativas (Tabela 1).              Uma 
primeira consequência do pagamento direto às cooperativas pelos lotes por elas 
arrematados são seus efeitos produzidos sobre o fluxo de caixa com melhoria 
imediata de seus resultados operacionais, camuflando com isso perdas que, 
eventualmente, estejam corroendo suas finanças. Para os bancos comerciais que 
precisam aplicar suas exigibilidades compulsórias na agricultura, nada melhor do 
que contar com balanços robustos para legitimar novas transferências e 
refinanciamentos de endividamentos que se arrastam em rolagens que nunca se 
findam. 
 Tabela 1 – Número de Cooperativas de 
Produção e de Contratos Arrematados de Café Arábica, Suas Estimativas do Valor 
Bruto e da Subvenção e Contratos de Opções Públicas, Brasil, 
2009 
             A 
cada safra que passa, o FUNCAFÉ amplia seus repasses vinculados aos programas de 
financiamento da produção, colheita e estocagem ao Banco das Cooperativas de 
Crédito do Brasil (BANCOOB), que congrega as demandas das cooperativas de 
crédito normalmente vinculadas às de produção. Toda essa sistemática é 
supervisionada permanentemente por auditores do Banco Central, por externos 
(empresas privadas de auditoria) e do próprio sistema (cooperativas centrais). 
Assim, qualquer movimentação financeira é monitorada por três instâncias de 
fiscalização, referendando, por meio dessa prática, um dos mais relevantes 
pilares dos princípios do Acordo da Basiléia II (do qual o Brasil é um dos mais 
diligentes signatários) que é a transparência de mercado das entidades 
participantes do sistema financeiro. Já as cooperativas de produção carecem de 
mecanismos formais de supervisão e controle, sendo efetivamente dirigidas pelo 
arbítrio dos diretores e conselheiros fiscais (estes últimos, em geral, formam 
grupos quase omissos quanto às decisões que são tomadas pela diretoria). A falta 
de escrúpulos ou má gestão comprometeu muitas delas, sendo as frequentes 
falências dessas empresas coletivas um lamentável testemunho dessa 
tese. 
             Se 
nos repasses dos créditos do FUNCAFÉ é usual o emprego das contas correntes dos 
cooperados existentes em suas cooperativas de crédito, pergunta-se: qual a 
motivação para que esse procedimento seja desconsiderado nos casos em que 
estejam envolvidas subvenções públicas? A malversação do subsídio do PEPRO 
reconhecida pelos acórdãos mencionados constitui num péssimo precedente para que 
seja possível novamente a centralização de recursos da subvenção das opções 
pelas cooperativas de produção, pois existem janelas dentro do repasse dos 
pagamentos que podem ser aproveitadas para deprimir o montante a que faz jus o 
cafeicultor, tais como: a) cobrança maior do serviço de beneficiamento, 
rebeneficiamento e serviços congêneres; b) superfaturamento dos fretes 
envolvidos na logística do produto; c) fracionamento dos contratos para 
privilegiar grandes cafeicultores; e d) desvalorização do resíduo, produto do 
rebeneficiamento. 
             A 
tese de que, por meio das sobras apuradas em balanço, as cooperativas de 
produção devolverão aos cooperados os montantes que compensariam a parcela 
retida pela subvenção não paga é uma falácia. A crítica aqui é a confusão entre 
paternalismo e cidadania, ou seja, os diretores de cooperativas se arvoram como 
aqueles que com mais autoridade sabem como aplicar melhor o dinheiro devido aos 
seus cooperados. 
             
Portanto, o não seguimento da decisão do TCU associado ao esforço lobista da 
organização das cooperativas de produção, além de prejudicar um ente relevante 
do agronegócio café (as cooperativas de crédito) e facilitar as possibilidades 
de utilização indevida dos recursos consignados em subvenção5, 
obrigarão os técnicos do MAPA a continuar com sua peregrinação pelo Ministério 
da Fazenda para angariar outros R$100 milhões necessários para sanear as 
cooperativas de crédito. 
             O 
pior dessa decisão consiste na possibilidade de que ocorra o mesmo que aconteceu 
com o PEPRO. As irregularidades confirmadas pelo TCU, exaradas nos acórdãos 
sobre o assunto, praticamente eliminaram a possibilidade de que a Fazenda, com 
voto do CMN, venha a autorizar uma nova edição dessa formidável política 
pública. Caso ocorram desvios nos pagamentos das opções exercidas, a Fazenda 
tenderá a não perenizar essa que seria uma das mais elegantes ações para o 
cafeicultor. 
 _____________________________ 
 2Outros assuntos foram tratados 
pelo Acórdão sendo que no de denúncia comprovada de desvio dos recursos 
provenientes das subvenções, a Lei n. 8.427, de 1992, prevê em seu artigo 6 que 
"o infrator se sujeitará à devolução, em dobro, da subvenção recebida, 
atualizada monetariamente, sem prejuízo das demais penalidades previstas no art. 
44 e da Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964". 
 3Conforme consta do Acórdão 
2.472, de 2009, p. 4, voto do relator Raimundo Carreiro. 
 4 Op. cit. nota 
1. 
 5No caso do PEPRO, as denúncias 
surgiram de cafeicultor beneficiado pelo esquema implantado para conferir 
vantagem para uns em detrimento da maioria. Não se descarta que ocorrência 
similar surja no repasse dos valores devidos às opções 
exercidas. 
 Palavras-chave: mercado de 
café; contrato de opções. 
  
  
1Com base nos cálculos elaborados no 
estudo "Opções Públicas sob Amplo Escrutínio"4. 
     
  Aviso 
    
       
    
       
    
       
     
  
       
    
       
    
     
       
    
       
     
  203-2009 
    
       
    
       
    
     
       
    
       
     216-2009 
    
       
    
       
    
       
    
       
2Para a obtenção dessa estimativa, 
adotou-se o preço de exercício de fevereiro/2010 de R$311,70/sc. 
Fonte: Elaborada pelo 
autor. 
1SCHOUCHANA, F.; VEGRO, C. L. R. 
Contratos de Opções sob Amplo Escrutínio. (Relatórios mensais). 
Disponível em: <http://www.cafepoint.com.br>. Acesso: out. 2009. (Valores 
calculados tomando-se as cotações vigentes na BOVESPA - BM&F em: 
21/10/2009). 
Data de Publicação: 13/01/2010
Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor

                    
                        