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Breve Histórico da Atividade Canavieira na Região de Araçatuba (SP)
                     1- A Lavoura Canavieira na Região de 
Araçatuba na Década de 1980 
             Antes 
da introdução da cultura da cana-de-açúcar como uma das principais ocupadoras do 
espaço geográfico da região de Araçatuba na década de 1980, foram as culturas do 
café (1900-1930), algodão (1930-1950) e a pecuária bovina de corte (1950-1980) 
as atividades agropecuárias que hegemonizaram quase sozinhas, em seus períodos, 
a ocupação das áreas agrícolas regionais. 
             
Data-se, já sob vigência do II PND (1975-1979), com os surgimentos do Programa 
Nacional do Álcool (Proálcool - 1975), e seus congêneres estadual (Pró-Oeste – 
1980) e regional (Plano Regional de Produção do Álcool - 1979), o momento em que 
as políticas públicas caracterizadoras do processo de modernização do campo 
brasileiro vão ao encontro dos anseios de parte dos pecuaristas proprietários da 
maior extensão das terras da região. 
             Na 
primeira fase do Proálcool (1975-1979), motivada principalmente pelo primeiro 
choque do petróleo em 1973, incentivou o aumento da produção do etanol – álcool 
anidro derivado do melaço do açúcar - para utilizá-lo como combustível misturado 
à gasolina: destilarias anexas às usinas de açúcar e destilarias autônomas foram 
implementadas principalmente em áreas tradicionais da cultura no Estado de São 
Paulo, como as regiões de Ribeirão Preto, Campinas e Bauru. Com o aumento da 
demanda de etanol e a escassez de áreas nas regiões tradicionais, vislumbra-se o 
oeste paulista como alvo da investida necessária à expansão dos canaviais: nas 
regiões de Araçatuba, Presidente Prudente e São José do Rio Preto se inicia o 
planejamento para anexação de novos objetos-técnicos constituintes do circuito 
espacial de produção canavieiro. Enquanto parte desse espaço geográfico 
requisitado pelo aumento da demanda do produto no mercado de combustíveis, na 1ª 
fase do Próalcool, quatro projetos enviados pelos fazendeiros da região de 
Araçatuba foram aprovados, o que resultou na construção das destilarias Aralco, 
Alcomira, Univalem e Campestre (anexa), nos respectivos municípios de Araçatuba, 
Mirandópolis, Valparaíso e Penápolis1. 
             As 
obras tiveram financiamento de 100% via Sistema Nacional de Crédito Rural 
(SNCR), com juros reais negativos advindos dos subsídios governamentais. A 
montante da agroindústria, além do crédito de custeio para a compra dos modernos 
insumos e máquinas, a elite regional conquistou, via governo federal, a 
instalação de uma Estação Experimental do Planalsucar2 em 
Valparaíso3. 
             A 
segunda fase do Proálcool se iniciou em 1979. Devido a outro choque no mercado 
do petróleo, a partir desse momento o governo federal decide investir, junto com 
as indústrias automobilísticas, na construção de uma frota de veículos movida a 
álcool hidratado. Para efetivar esse planejamento, novas áreas foram 
requisitadas e o oeste paulista se torna uma das principais regiões a receber os 
investimentos para a expansão do setor. 
             Na 
busca de convencer os pecuaristas, donos da maioria das terras, a aderirem à 
cultura canavieira, os técnicos paulistas apresentaram as possibilidades de 
intensificação do manejo do gado de corte, concentrando-os em pequenos espaços e 
utilizando o bagaço da cana hidrolisado como ração. Assim, o discurso do 
Pró-Oeste é dirigido aos pecuaristas, "que além das vantagens com a produção 
de cana, teriam apoio para o desenvolvimento da própria pecuária" 
4. 
             A 
elite regional se convence do bom negócio5 e, em 1981, com a 
aprovação de novos projetos, instalam-se na região as usinas Benalcool (Bento de 
Abreu), Unialcool (Guararapes), Generalcool (General Salgado), Destivale, 
Alcoolazul e Cruzalcool (Araçatuba). Com isso, de 1980 a 1982, a área regional 
plantada com cana passa dos 15 mil ha para 48 mil ha6. Em 1983, 
atinge 83.290ha, e na safra 1985/1986, 111.370ha7. Representando a 6ª 
maior região em extensão no plantio de cana-de-açúcar - entre as 10 do estado no 
momento –, na região de Araçatuba, devido à associação da atividade canavieira 
com a materialidade hegemônica pretérita constituída pelos sistemas de objetos e 
ações do circuito pecuário, concretiza-se o que ficou conhecido como sistema ou 
consórcio cana-boi. Valorizam-se as terras no campo e nas cidades da 
hinterlândia (redondezas) do município de Araçatuba, onde ao findar da década de 
1980 se centraliza politicamente o setor na região noroeste do Estado de São 
Paulo. 
             
Reflexo principalmente da expansão das áreas destinadas à lavoura canavieira - 
que requeria alta quantidade de mão-de-obra principalmente no período da 
colheita - na região de Araçatuba, dos 37 municípios existentes, 25 deles 
tiveram aumento em sua população total - através do recebimento de migrantes 
principalmente do Nordeste e de Minas Gerais -, e 36 tiveram aumento de sua 
população urbana entre 1980 e 19908, o que registra crescimento no 
índice de urbanização regional. 
 2 - A Expansão da Lavoura Canavieira na 
Região de Araçatuba nos Anos 2000 
             Em 
1989, o preço do barril do petróleo cai e a cotação do açúcar sobe no mercado 
internacional: é a crise de abastecimento do álcool. Os consumidores voltam a 
preferir os carros a gasolina, pois estes começam a apresentar preços relativos 
melhores: os usineiros direcionam seus investimentos para a produção do 
açúcar9. 
             Com 
essa queda da demanda do etanol, em meados da década de 1990, destilarias 
autônomas interromperam ou diminuíram muito suas produções e com a 
desregulamentação do setor (com o fim dos subsídios) uma reestruturação 
produtiva é iniciada. Aumentaram-se as escalas de produção das unidades 
agroindustriais, tendendo a permanência somente dos grupos mais 
capitalizados10. 
             No 
início dos anos 2000, com a subida do preço do petróleo gerada com os conflitos 
bélicos intensificados no Oriente Médio e o surgimento do carro flex fuel se 
retoma a competitividade do álcool combustível como alternativa energética para 
os transportes automotivos no Brasil e no mundo. Sendo assim, projetos de usinas 
e anexação de canaviais para a produção de álcool combustível começam a se 
tornar atrativos como na década de 1980 à elite econômica regional. Adicionado 
ao declínio do preço da arroba vigorante nessa primeira metade da década, 
inicia-se um processo mais intenso de deslocamento da boiada para pastagens do 
Centro-Oeste e Norte do país. Dessa forma, a Região Administrativa de Araçatuba, 
como uma das ofertantes de parte da cana processada pelas usinas do oeste 
paulista, segundo as informações obtidas no Banco de Dados do Instituto de 
Economia Agrícola (IEA), aumentou sua área de produção de 204.554 hectares em 
2001 para 397.160 hectares em 200611. Para processar esse montante de 
cana, no oeste paulista, nessa década, até 2007, foram construídas 29 usinas de 
açúcar e álcool. 
             Nesse 
intervalo (2001-2007), de acentuado aumento do número de áreas transferidas para 
a cultura canavieira, o corte foi feito prioritariamente de forma 
manual12. Sendo assim, não existindo na região de Araçatuba 
mão-de-obra disponível para a colheita dos canaviais, migrantes de várias 
regiões do país – principalmente dos estados do Nordeste – se disponibilizaram 
aos "agenciadores de mão-de-obra"13, para a realização do corte 
manual da cana-de-açúcar. 
             Todo 
esse processo contribuiu para um aumento populacional mais vigoroso na região 
entre 2000 e 2007. Crescendo 1,41% ao ano – taxa maior que a do Estado de São 
Paulo como um todo (que cresceu 1,10% ao ano) -, a população da Região 
Administrativa de Araçatuba aumenta sua representação na população paulista no 
decorrer desses setes anos analisados: passa de um percentual de 1,71% para 
1,77% da população total do Estado de São Paulo, estancando o ciclo de 
esvaziamento populacional que se apresentou de 1950 a 200014, 
ocasionado pela majoritária ocupação tradicional da área agrícola regional pela 
atividade pecuária bovina de corte, que é demandante de poucos braços em seu 
processo produtivo. 
 ______________________ 
 2Já em 1971, no governo militar, 
foi criado o PLANALSUCAR (Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar). 
O objetivo principal do PLANALSUCAR era o de melhorar a qualidade da cana, dados 
os baixos índices de rendimento agrícola e industrial obtidos com a matéria 
prima nacional, quando confrontados com os outros países produtores. As 
atividades desenvolvidas pelo órgão se direcionavam no sentido de criar 
tecnologias modernas para o setor. Com laboratórios localizados em várias 
regiões canavieiras do país, durante sua existência até 1990, o PLANALSUCAR 
desenvolveu muitíssimas variedades de cana melhoradas, sendo muitas delas, até 
hoje, matrizes das pesquisas desenvolvidas. 
 3BERTERO, J. F. Estado, 
agricultura e agroindústria: estudo da base paulista da economia canavieira do 
Brasil entre 1948-1990. 1991. Tese (Doutorado em Sociologia 
Política)-Faculdade de Filosofia letras e Ciências Humanas, Universidade de São 
Paulo, São Paulo, 1991. 
 4REGO, M. T. R. Proálcool na 
região de Araçatuba: o doce fel do binômio cana-boi. 1990. 200 p. Tese 
(Doutorado em Geografia Humana)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências 
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990. 
 5Segundo Rego (1990), trocando o 
certo pelo absolutamente certo. Op cit. nota 4. 
 6Op. Cit. nota 
4. 
 7VEIGA FILHO, A. A.; MATSUNAGA, 
M.; YOSHII, R. J. Proposta de redirecionamento do Proálcool: uma pauta para 
discussão. Informações Econômicas, São Paulo, v. 17, n. 12, p. 21-32, 
dez. 1987. 
 8Instituto Brasileiro de 
Geografia e Estatística – IBGE. Censo demográfico: 1980 e 1990. Rio de 
Janeiro: IBGE, 1980 e 1990. 
 9VEIGA FILHO, A. Fatores 
explicativos da mecanização do corte na lavoura canavieira paulista. 
Informações Econômicas, São Paulo, v. 28, n. 11, p. 7-33, nov. 
1998. 
 10THOMAZ JUNIOR, A. Por trás 
dos canaviais: os (nós) da cana; a relação capital x trabalho e do movimento 
sindical dos trabalhadores na agroindústria canavieira paulista. 1996. Tese 
(Doutorado em Geografia Humana)-Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências 
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. 
 11INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA 
- IEA. Banco de dados IEA. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov. 
br/>. Acesso em: 13 fev. 2009. 
 12Em meados de 2007, o Escritório 
de Desenvolvimento Rural (EDR) de Araçatuba apresentava um índice de mecanização 
na colheita da cana-de-açúcar de 10,4% (FREDO et al., 2008), demonstrativo do 
número elevado de trabalhadores requeridos para a colheita nesse período de 
grande expansão territorial da atividade. Para uma análise pormenorizada das 
exigências normativas ao setor canavieiro referentes às queimadas ocorrentes 
durante as safras e seus reflexos na acentuação da mecanização nas colheitas 
consultar o belíssimo trabalho: FREDO, C. E. et al. Índice de mecanização na 
colheita da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo e nas regiões produtoras 
paulistas, junho de 2007. Análises e Indicadores do Agronegócio, São 
Paulo, v. 3, n. 3, mar. 2008. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso: 
2009. 
 13Nome moderno dos tradicionais 
"gatos". 
 14 BINI, D. L. C. Algumas 
mudanças na pecuária bovina de corte na região de Araçatuba (SP). In: Encontro 
Internacional Geografia: tradições e perspectivas. 2008, São Paulo (SP). 
Anais... São Paulo: FFLCH/USP, 2008. 
 Palavras-chave: cana-de-açúcar, expansão territorial, região de 
Araçatuba (SP). 
1ESPÍRITO SANTO, C. R. 
Dinâmica do desenvolvimento rural na região de Araçatuba (SP). 2005. 307 
p. Tese (Doutorado em Geografia Humana)-Faculdade de Ciência e Tecnologia, 
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente (SP), 
2005. 
Data de Publicação: 16/06/2009
Autor(es): Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor

                    
                        