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Inserção das Mulheres no Crédito Rural do Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF): análise do ano-safra 2022/23
Dados do Censo
Agropecuário de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
mostraram que, no Brasil, existiam 5.073.324 estabelecimentos agropecuários.
Desses, 3.897.408 se enquadravam nos critérios instituídos pelo Programa
Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF), correspondendo a 76,8% de todas as
unidades que se dedicam à agricultura, pecuária e outras atividades1.
Em 769.672
estabelecimentos agropecuários (19,8% do total), as mulheres eram as principais
responsáveis nas diferentes condições de produtoras em relação à terra
(proprietárias, arrendatárias, parceiras e outras categorias)2. A variável “sexo do produtor” no Censo
Agropecuário, além de permitir a quantificação das mulheres no agronegócio
contribui para um melhor planejamento de ações em prol da inserção das mulheres
no desenvolvimento socioeconômico no setor agropecuário, com vistas a promoção
de menor desigualdade de gênero, melhor distribuição de renda e maior acesso
aos programas de desenvolvimento social. Uma
das ações públicas que possibilita dar visibilidade à inclusão das mulheres no
agronegócio, equiparando-as aos homens no acesso aos recursos creditícios para
custeio agropecuário e/ou investimento em infraestrutura para expansão dos
negócios dos estabelecimentos agropecuários, é o Programa Nacional da Agricultura
Familiar (PRONAF). Este artigo analisa de
que maneira as mulheres foram incorporadas na política brasileira de crédito
rural, no ano safra 2022/2023, especificamente por meio do PRONAF. Num primeiro momento quantifica-se a
distribuição dos recursos por gênero nas diferentes finalidades de
financiamento do PRONAF, em seguida analisa-se em quais subprogramas as
mulheres procuraram maior acesso ao crédito rural. Para cumprir esses objetivos foi utilizada a Matriz de Dados de Crédito
Rural elaborada pelo Banco Central do Brasil (BACEN)3, para o ano safra 2022/23, correspondente ao período de 01
de julho de 2022 a 30 de junho de 2023. RESULTADOS No ano safra 2022/23 os recursos disponibilizados para o PRONAF
totalizaram R$53,6 bilhões e com base nos dados do BACEN constatou-se que o
montante efetivamente utilizado para o crédito rural foi de R$53,2 bilhões. Do
total contratado, R$50,7 bilhões foram destinados a pessoas físicas e R$2,5
bilhões a pessoas jurídicas (cooperativas de produção agropecuária e outros).
Num panorama geral sobre a alocação dos recursos para pessoas físicas, as
mulheres contrataram R$9,9 bilhões que representaram 9,6% do total, enquanto os
homens, R$40,7 bilhões (90,4%) (Tabela 1). O montante financeiro destinado ao
crédito rural foi distribuído em três finalidades: custeio, investimento e
industrialização que serão explorados a seguir. INDUSTRIALIZAÇÃO Quando comparada às demais finalidades de crédito rural, os dados do
BACEN registraram baixíssima expressividade para a modalidade industrialização
para ambos os gêneros e no total de recursos destinados a pessoas físicas
(Tabela 1). Isso ocorre que essa linha de crédito do PRONAF é disponibilizada
principalmente para pessoas jurídicas que alocaram efetivamente R$ 1,4 bilhão.
O montante efetivamente utilizado para as pessoas físicas foi aproximadamente
de R$1,6 milhão e alocados principalmente, pelo sexo masculino. A modalidade industrialização sinaliza o nível de gestão dos
empreendimentos agropecuários tendo como objetivo a organização das bases
produtivas, estimulando os agropecuaristas a implantarem gestões associativas
e/ou cooperativistas, ampliando a geração de empregos em atividades rurais não
agrícolas e o desenvolvimento rural regional. A importância dos estágios
evolutivos de gestão do empreendimento agrícola decorre do fato de que,
enquanto cooperativas, estas já podem legalmente instalar maquinários para
beneficiamento e, até mesmo, os equipamentos que permitem o processamento dos
produtos gerados. Ou seja, a etapa do cooperativismo, no setor agrícola,
possibilita que os agricultores familiares obtenham o direito de propriedade
sobre produtos e subprodutos gerados no processamento, o que permite aos
agricultores familiares melhorar a rentabilidade e a qualidade de vida. CUSTEIO O crédito de custeio4 pode se
destinar ao atendimento das despesas do ciclo produtivo de lavouras periódicas,
da entressafra de lavouras permanentes ou da extração de produtos vegetais
espontâneos ou cultivados. Ele inclui a aquisição de insumos e de animais para
recria e engorda e despesas de soca e ressoca de cana-de-açúcar e perpassa
pelos os tratos culturais, a colheita e replantios parciais; bem como a
aquisição de silos e de insumos para restauração e recuperação das áreas de
reserva legal e das áreas de preservação permanente, inclusive controle de
pragas e espécies invasoras, manutenção e condução de regeneração natural de
espécies nativas e prevenção de incêndios. O crédito de custeio pode, também,
ser requerido para aquisição de bioinsumos, inclusive de inoculantes para a
fixação biológica de nitrogênio, despesas para manutenção de infraestrutura de
rede, de plataformas e de soluções digitais de gestão de dados e conectividade,
quando relacionadas à atividade financiada. A finalidade custeio,
com cerca de R$32,8 bilhões, foi a principal utilização dos recursos
disponibilizados para o crédito rural, absorvendo 70,1% do total requerido
(R$50,7 bilhões), tendo sido a principal reivindicação para ambos os sexos
(Tabela 1). Do total de crédito concedido a elas, 58,1% é destinado ao custeio.
Para os homens, esta finalidade correspondeu a 66,3% (R$26,9 bilhões de reais),
duas vezes superior à finalidade de investimentos. Apesar do crédito de custeio
ser o mais procurado por ambos os sexos, foi requerida em sua maioria pelos
homens. Do total de recursos contratados para a finalidade de custeio, as
mulheres, em relação aos homens, utilizaram 17,6% do total de recursos em seus
empreendimentos. Para o custeio na safra
2022/23, o PRONAF contava com quatro subprogramas (ou linhas) para pessoas
físicas, sendo que o denominado “Custeio” correspondeu a 99,2% do total de
crédito para esta finalidade na safra 2022/23 (Tabela 2). As mulheres nessa
linha corresponderam a 17,4% do total alocado. Os
outros três subprogramas, Microcrédito Produtivo Rural – Grupo B (agricultores
familiares com renda anual de até R$20 mil), Pronaf Industrialização e
Beneficiários pela Reforma Agrária, totalizaram 0,8% dos recursos para Custeio
do PRONAF. Nota-se que nos subprogramas de Microcrédito (Grupo B) e Beneficiários
da Reforma Agrária, as mulheres foram as principais na contratação de crédito
rural, com 51,6% e 55,6% respectivamente (Tabela 2). INVESTIMENTO Na safra 2022/23, o
crédito rural para investimentos agropecuários totalizou R$17,9 bilhões (35,3% do total).
Novamente, nessa modalidade de financiamento, os homens são a maioria dos
beneficiados, obtendo R$13,7 bilhões do total de recursos PRONAF, enquanto as
mulheres contrataram R$4,2 bilhões, o que representou 23,3% do total, quando
comparadas aos homens (Tabela 1). Dentro das três finalidades do PRONAF
e para as mulheres, os recursos financeiros para investimentos representaram
41,9% do total de créditos, enquanto os homens, 33,7%. Segundo o Manual de
Crédito Rural5,
o financiamento para investimentos agropecuários pode ser requerido para as
seguintes atividades: agropecuárias: construção, reforma ou ampliação de
benfeitorias e instalações permanentes; aquisição de veículos, embarcações,
aeronaves, máquinas e equipamentos obras de irrigação, açudagem, drenagem;
florestamento, reflorestamento, desmatamento e destoca; formação de lavouras
permanentes e de recuperação de pastagens; eletrificação, implantação de
sistemas para geração e distribuição de energia produzida a partir de fontes
renováveis, telefonia rural, e
equipamentos e demais itens relacionados a sistemas de conectividade no campo;
adoção de práticas conservacionistas de uso, manejo e proteção do sistema
solo-água-planta, incluindo correção de acidez e fertilidade do solo6. Nas operações de
investimento, o Pronaf oferece treze subprogramas destinados a pessoas físicas.
O principal subprograma em termos de valores financeiros é o PRONAF Mais
Alimentos, que representa 75,6% do total de crédito destinado a investimentos
agropecuários para pessoas físicas e a mais buscada por ambos os sexos, porém
os homens predominaram na aquisição de recursos, enquanto as mulheres
representaram 17,3% do total alocado (Tabela 3). O PRONAF Mais Alimentos
tem como objetivo aumentar a produção e a produtividade, modernizando o sistema
produtivo através do crédito rural para a compra de máquinas, equipamentos e
implementos agrícolas. Além disso, permite que os produtores rurais invistam na
infraestrutura de suas propriedades, como na construção de benfeitorias para
armazenamento. O segundo subprograma
mais importante é o Microcrédito Rural Produtivo Rural (Grupo B) que além de
disponibilizar recursos para custeio, conforme visto anteriormente, também
financia investimentos. Dentro da finalidade de investimentos, este subprograma
corresponde a 15,7% dos recursos. Ressalta-se que as mulheres foram maioria
nesta linha, com 50,8% do total de recursos alocados (Tabela 3). A linha especial de investimentos PRONAF Mulher merece
atenção, pois é um subprograma exclusivo do Governo Federal destinado às
produtoras rurais, podendo ser utilizado tanto para atividades agrícolas quanto
não agrícolas (artesanato e turismo rural, por exemplo). Instituída no plano
safra 2003/04, seu objetivo foi a inclusão feminina no desenvolvimento
agropecuário por meio do fomento ao acesso do crédito rural, independentemente
de sua condição civil. No entanto, na safra 2022/23, o PRONAF Mulher não foi uma
das principais opções de crédito procuradas pelas mulheres. Foram contratados
apenas R$ 91,8 milhões, correspondendo a 2,2% do total de investimentos do
PRONAF para o público feminino. Desse montante, 59,8 milhões de reais se
destinaram para a compra de animais na produção pecuária e 16,1 milhões de
reais (17,6%) para infraestrutura dos estabelecimentos agropecuários (Tabela
4). O total de investimentos no PRONAF Mulher foi destinado a 5.235 contratos a
valor médio de R$17.546,2. Possíveis
explicações para essa baixa adesão no PRONAF Mulher podem decorrer das condições restritas para
obtenção de financiamento que se destina às seguintes classes de agricultoras
familiares neste ano safra 2022/23: § - Grupo A e A/C, agricultoras
pertencentes a assentamentos rurais; § - Grupo B, agricultoras com renda
familiar anual de até R$23 mil e; § - Grupo V, agricultoras com renda
anual bruta familiar variável até R$100 mil Por
exemplo, para os grupos A, A/C e B, na safra 2022/23, o limite de crédito foi
de até R$ 6,0 mil com taxas de juros de 0,5% ao ano7, o que
pode ser insuficiente para investimentos significativos no estabelecimento
agropecuário (Quadro 1). Esses grupos são tratados sob as condições do PRONAF
Grupo B/Plano Safra Semi-árido. Já para o grupo V, cuja renda familiar seja
superior à renda do Grupo B, mas inferior a R$100 mil reais, as condições de
financiamento são idênticas às do subprograma "Mais Alimentos",
inclusive, as mesmas condições tanto para homens quanto para mulheres. Por não
haver diferenças ou condições especiais para o público feminino, as mulheres
podem ter sido direcionadas para o subprograma "Mais Alimentos" ou
para quaisquer outras linhas para investimento, já que cada agricultor (pessoa
física) na tipologia familiar pode requerer o crédito em mais de um subprograma
do PRONAF. Outro fator que merece investigação é se as agricultoras familiares
estão em um patamar de renda bruta familiar acima do limite estipulado no
PRONAF-Mulher (R$100 mil) o que as impediria de acessar esse subprograma. CONCLUSÕES Esta análise sobre a distribuição dos recursos financeiros para crédito rural do PRONAF entre gêneros na safra 2022/23, pode transmitir a impressão de que a inserção das mulheres ainda é baixa (19,6%), frete a uma almejada distribuição igualitária dos recursos. No entanto, ao considerarmos que o Censo Agropecuário do IBGE de 2017 revelou que 19,8% dos estabelecimentos com agricultura familiar estão sob responsabilidade feminina, os dados do Banco Central apresentam um cenário promissor para a inclusão das mulheres nas políticas monetárias voltadas ao desenvolvimento da agricultura familiar. Para a safra 2022/23, notadamente se percebeu que, para
ambos os sexos, a principal finalidade dos recursos do PRONAF se destinou a
cobrir o custeio da produção agropecuária. Do total de recursos do PRONAF,
35,3% foi utilizado para investimentos, os quais subsidiaram a agricultura
familiar na modernização tecnológica. Observou-se que para os homens, a maior parte dos recursos
financeiros foi destinado para os custos de produção - duas vezes superior ao
total de crédito para investimentos, enquanto para as mulheres houve um
equilíbrio na alocação desses recursos entre as duas finalidades analisadas. O ponto mais preocupante revelado por esta análise é que,
embora exista uma política específica para mulheres, o PRONAF Mulher, apenas
2,2% do total de investimento foi acessado por elas na safra 2022/23. Conforme
pode ser observado sobre as condições de crédito para esta linha, como por
exemplo, renda familiar, mereça uma revisão por parte do governo federal,
aumentando o limite de renda bruta anual, permitindo maior acesso pelo público
feminino. Conforme observado acima, especificamente para o
PRONAF-Mulher, as condições de financiamento para mulheres com renda acima de
R$23 mil eram idênticas ao do subprograma “Mais Alimentos”, na safra 2022/23.
Tal situação inviabilizava a intenção de permitir maior inclusão feminina às
políticas monetária e promover menor desigualdade de gênero. Na safra 2024/25,
o atual governo federal tem adotado medidas para corrigir essa distorção,
aumentando o limite de renda bruta anual, e práticas de juros diferenciadas
para o público feminino com renda até R$100 mil. Recomenda-se maior clareza do Conselho Monetário Nacional e
do Ministério de Desenvolvimento Agrário sobre os limites de renda de cada
grupo que compõe a agricultor familiar, incluindo pré-requisitos com maior
compreensibilidade sobre as limitações das condições de financiamento em cada
tipologia de agricultor familiar (A, A/C, B, V) do PRONAF. Aconselha-se, também, ampliar a divulgação do PRONAF-Mulher
junto ao público feminino, especialmente as de baixa renda de modo a
influenciar o aumento de adesão nesta linha, principalmente frente às alterações
que ocorreram na safra 2024/25. Palavras-chave:
crédito rural, agricultura familiar, PRONAF, mulheres, plano safra 2022/23. 1INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS. SIDRA: Censo Agropecuário. Rio
de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/6878.
Acesso em: 12 jun. 2024 2Op.
cit. nota 1. 3BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Matriz de Dados do Crédito Rural: crédito concedido.
Brasília: BC, 2024. Disponível em:
https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/micrrural. Acesso em: 1
jun. 2024. 4BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Manual do Crédito Rural: créditos de custeio.
Brasília: BC, 2024. Disponível em:
https://www3.bcb.gov.br/mcr/manual/09021771806f488d.htm. Acesso em: 1 ago.
2024. 5BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Manual do Crédito Rural: créditos de investimento.
Brasília: BC, 2024. Disponível em:
https://www3.bcb.gov.br/mcr/manual/09021771806f488e.pdf. Acesso em: 1 ago. 2024. 6Op.
cit. nota 5. 7Por
até três operações quando aplicada a metodologia do Programa Nacional de Microcrédito
Produtivo Orientado (PNMPO) ou limite de R$3.000,00 quando na ausência do
referido Programa. COMO
CITAR ESTE ARTIGO
FREDO, C. E.;
FREITAS, S. M. de. Inserção das Mulheres no Crédito Rural
do Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF): análise do ano-safra 2022/23.
Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 8, ago. 2024,
p. 1-10. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.
Data de Publicação: 21/08/2024
Autor(es):
Carlos Eduardo Fredo (cfredo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Silene Maria de Freitas (silene.freitas@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor