Café: qual o futuro?

            Entre 1997 e 1998, era fácil prever o que poderia acontecer três anos depois com o mercado de café. Permanece vivo em nossa memória um evento ocorrido em Salvador (BA), quando, na ocasião, alertávamos aos participantes para que procurassem se preparar para um período de cotações extremamente desfavoráveis que estava por vir, já que o preço em vigor na época, de mais de R$350,00 a saca (valor de hoje), não poderia perdurar. Na ocasião, um líder do setor manifestou-se dizendo que, apesar do nosso alerta, esperava que os presentes guardassem o seu produto para que pudesse ser vendido pelo dobro do preço que até então vigorava.
            Obviamente que se tal previsão de alta se confirmasse, isso seria um desastre para toda a cafeicultura, pois redundaria em uma taxa de crescimento anual da produção bem superior aos 3% estimados a partir de 1994. Isso superaria por longa margem o crescimento da demanda, verificado no mesmo período, forçando uma baixa de preços até superior àquela realmente ocorrida.
            Gostaríamos de fazer um parênteses antes de continuar a análise. Em 1985/86, o preço do café chegou a ser vendido a US$ 400/sc (câmbio da época), tendo como pretexto os problemas de seca ocorridos naquele período. Quando os preços começaram a cair para US$ 350-US$300/sc, muitos cafeicultores deixaram de entregar o produto, aconselhados por algumas lideranças, na expectativa de que voltassem para aqueles patamares. Resultado: acabaram vendendo o café a US$40 em 1992! Essa digressão ao passado se faz necessária, apenas para lembrar aos produtores de café sobre a importância de se ter uma visão global do seu negócio, pois aqueles que acompanhavam a evolução do varejo americano sabiam que era impossível que os preços internos permanecessem naqueles níveis elevados.
            Mas voltemos à situação de hoje. Ao lado da discussão/controvérsia quanto aos dados de consumo, produção e estoques mundiais de café (já que os dados não fecham quando se faz a comparação com as informações disponíveis, levando os analistas a suspeitar de que ou os dados de consumo estão subestimados ou que os dados de produção estejam superestimados), o que mais preocupa os produtores no momento é se existe ainda alguma esperança para o setor de café. No auge da crise do ciclo passado (1992/93), foram erradicados mais de 1 milhão de hectares de café, decisão essa apontada como a principal causa do déficit de produção em relação ao consumo até 1997, fato agravado ainda com a geada de 1994.

Perspectivas de curto prazo

            Ao se analisar a situação atual, observa-se que os valores, em dólar, estão bem abaixo dos valores de 1992. Mas em termos de reais a cotação média do café em 2002, pior ano do presente ciclo de baixa, estava 16% acima do valor de 1992, o que pode ser atribuído principalmente à desvalorização da nossa moeda. Graças a isso, e também às medidas de apoio ao setor e a maior profissionalização dos produtores, não houve e não haverá erradicação à semelhança do que ocorrera em 1992. Casos pontuais contudo continuarão a ocorrer.
            Apesar dessa situação mais favorável, em relação ao passado, certamente não vamos ter em 2004 produção maior que a de 2002. A esse respeito, chegamos até a discordar de algumas declarações oficiais, de que o Brasil produziria, em 2004, cerca de 55 milhões de sacas (depois revisadas), volume esse bem superior ao estimado para 2002 pela Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB 1 (48 milhões) e, ainda mais, acima do número das fontes mais otimistas do setor privado (50 milhões). Acreditamos que o eventual aumento de área produtiva não deverá compensar a diminuição da produção em função dos relaxamentos nos tratos culturais (em decorrência dos preços baixos), do seu abandono e do clima desfavorável em algumas regiões.
            Mesmo que um número oficial da próxima safra só possa ser conhecido quando a CONAB divulgar o seu levantamento, isso não impede que se faça algumas especulações sobre o que poderá ser o volume da safra brasileira de 2004. Como foi mencionado, existe controvérsia quanto aos dados estatísticos. Os dados de produção mundial de 2002 têm variado de 118 a 122 milhões de sacas; os de 2003, entre 100 e 105 milhões de sacas, mas aparentemente há consenso de que a produção de 2001 teria sido da ordem de 110 milhões de sacas. Assim, se se considerar as duas estimativas mais divulgadas para 2002 (118 milhões e 122 milhões de sacas), os aumentos de produção em relação a 2001 (110 milhões) seriam de 7,3% e 10,9%, respectivamente.
            Dadas as considerações feitas no decorrer deste artigo relativas a dificuldades no setor, e considerando como defensáveis os números de produção apresentados no parágrafo anterior, não podemos aceitar como resultado a estimativa de produção de 116 milhões de sacas para 2004, obtido pela aplicação da maior taxa de crescimento (10,9%). Da mesma forma, no extremo oposto, não seria possível admitir que se obtenha em 2004 uma produção inferior aos 110 milhões de 2001.
            Tendo em vista essas ponderações, pode-se admitir como aceitável que a produção mundial de 2004 fique na faixa de 110 a 115 milhões de sacas, mais próxima, talvez, do limite inferior. Consideremos que o consumo mundial de café possa ficar entre os limites de 113 milhões e114 milhões de sacas (outras fontes estimam volumes maiores), bem maior do que as estimativas da Organização Internacional do Café (OIC) 2. Se isso ocorrer, iremos nos defrontar com uma situação em que a soma de dois anos seguidos de produção seja insuficiente para atender as necessidades de consumo (2003 e 2004), déficit esse que ainda poderá ser coberto pelos estoques existentes nos países produtores e consumidores.
            A pior fase deste ciclo de baixa, como já mencionamos, ocorreu em 2002. Assim sendo, entendemos que estamos entrando numa fase de recuperação de mercado, comprovada pelo fato de que, mesmo desfavoráveis, os preços atuais estão mais de 50% acima dos preços de setembro de 2002. A tendência dos preços é claramente ascendente, o que não impede entretanto que ocorram períodos de baixa, influenciados por movimentos especulativos, a exemplo do que ocorrera em 1993/94. Os produtores têm que ficar muito atentos, pois uma produção maior, esperada para 2004, poderá servir de pretexto para a ação desses agentes no mercado.
            Mas é possível também que ocorra o contrário. Ou seja, como os negócios com café são também muito influenciados pelas expectativas, a sinalização de que teremos em 2005 uma produção talvez menor do que a de 2003 poderá ter efeitos antecipados e incorporados nas cotações de 2004.

1 CONAB: www.conab.gov.br

2 OIC www.ico.org

Data de Publicação: 11/09/2003

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Sebastião Nogueira Junior (senior@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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