Café: Intensifica-se A Tendência De Mudança Das Cotações No Mercado

1 – Mercado

            Os diferentes mercados de futuro para o café, como Nova Iorque, Londres e BM&F, indicam expressiva mudança da tendência nas cotações do produto (gráfico 1). Essas mudanças estão sinalizando, para o ano safra 2003/04, a expectativa de que haja forte redução na oferta mundial dos diferentes tipos de café, fazendo com que o consumo volte a superar a oferta, neutralizando assim os efeitos dos estoques atualmente existentes no âmbito dos países importadores (consumidores) e dos exportadores (produtores). As cotações para março de 2003 dos cafés arábicas na BM&F indicam alta de 22,48%, nos últimos 12 meses, e no mercado de Nova Iorque (contrato C ) de 27,14%. Para o robusta no mercado de Londres, a alta foi de cerca de 75% em relação ao último trimestre de 2001. A redução de oferta de café robusta do Vietnã e de países da África já vem se manifestando a pelo menos seis meses, o que está refletindo na forte alta do produto.

Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros,
janeiro de 2001 a outubro de 2002.

Out.* até 11/09/2002.
Fonte: Gazeta Mercantil.

            As mudanças ocorridas nos mercados internacionais refletem-se nos preços recebidos pelos produtores, acrescidos dos efeitos da desvalorização do real, de tal forma que os preços, que vinham caindo desde meados de 1999, voltaram a subir em agosto, ficando a partir de outubro acima do preço do mesmo mês de 2001 (gráfico 2). Ademais, deve-se considerar que, além de se esperar uma safra menor para o ano agrícola 2002/03, os efeitos do El ninho, com os veranicos no período de florada da cultura, poderão reduzir ainda mais a safra do próximo ano, com reflexos diretos nos mercados local e internacional.

Gráfico 2 - Preços recebidos pelos produtores de café no Estado de São Paulo, 2000 a 2002

Out2002 = preço médio até 11 de outubro
Fonte: Instituto de Economia Agrícola

            A instabilidade do câmbio brasileiro tem levado a um aumento do diferencial das cotações no mercado futuro na BM&F em relação ao de Nova Iorque. Esta diferença, que chegou a US$ -9,71 por saca em dezembro de 2001, cresceu ao longo dos meses a US$ -22,26/saca em setembro de 2002, o que acaba por refletir nos preços para os produtores brasileiros. Tudo indica que os importadores, nessa fase de elevação das cotações, estão se apropriando de parte dos ganhos derivados da desvalorização do real e limitando o ganho dos cafeicultores brasileiros.

2 – As posições das organizações internacionais e o fantasma dos elevados estoques

            O diretor executivo da OIC anunciou, ao final de setembro de 2002, de forma surpreendente que o mercado global de café permanecia sobreofertado em cerca de 20 milhões de sacas do produto. Transcorridos alguns dias, outro relatório, preparado por técnicos do FMI, apontou oferta superior à demanda em 10 milhões de sacas. Logo após tais declarações, como era de se esperar, o mercado reagiu com baixa nas cotações. Do nosso ponto de vista, essas informações parecem claramente equivocadas. Para comprovar essa opinião, baseamos no conhecimento da realidade da produção cafeeira no Brasil e nos demais países competidores, assim como na análise da evolução recente das cotações nas principais praças mercantis do café.
            O longo período caracterizado pelo ciclo de baixa das cotações introduziu uma rotina de manejo para os cafeicultores até então pouco usual. As podas de diversos tipos (recepas, decotes, esqueletamentos) tornaram-se um procedimento comum, com o objetivo de diminuir o custo de lavouras antieconômicas (diante dos atuais patamares de preços recebidos), concentrando esforços naquelas em que existem expectativas de lucro (talhões novos com materiais geneticamente superiores e de maior densidade de cultivo). Essa prática agronômica impõe 'zeragem' da produção das safras subseqüentes para os talhões submetidos a podas. Ademais, não há como negar que muitos novos cafeicultores, entrantes na atividade pós-1995/96, não resistiram a esse ciclo de baixa, optando pelo abandono ou erradicação. Conjugados todos esses fenômenos, é pouco provável que a próxima safra brasileira de café supere 30 milhões de sacas, volume reconhecidamente pequeno face às necessidades de consumo interno e de exportação.
            Nos demais países concorrentes, a crise no segmento é ainda mais dramática. O reconhecimento disso motivou entidades, como a ONG Oxfam e o Congresso Estadunidense, a analisar estratégias com vistas à melhoria da remuneração dos cafeicultores, notadamente os pequenos. A administração vietnamita, por sua vez, convenceu-se de que uma estratégia pautada na exportação de grandes volumes de produto de qualidade inferior está fadada ao fracasso, enquanto política de melhoria do bem-estar sócio-econômico de seus agricultores. A perspectiva de guerra civil na Costa do Marfim e o recrudescimento do conflito na Colômbia formam um quadro de crescente estrangulamento da oferta de café desses países no curto prazo. Na Centro-América, o quadro é desolador, com o abandono generalizado de lavouras e famílias de cafeicultores e de trabalhadores rurais colocadas sob a mais dura penúria. Frente a essas condicionantes, espera-se profundo ajustamento para baixo na oferta e na disponibilidade de grãos já para o próximo ano.
            Se é certo que o mercado mundial possui amplos estoques do produto, é igualmente correto afirmar que tal fenômeno também foi realidade em momentos de pressão ascendente nas cotações do produto. A existência de estoques é um elemento permanente nesse mercado e sua capacidade em pressionar negativamente as cotações não é permanente, dependendo da expectativa do mercado quanto à safra futura. Agrega-se a essa afirmativa a possibilidade de ataque estadunidense ao Iraque, o que elimina definitivamente a implementação de estratégias tipo just-in-time ou de estoques mínimos pelas traders.
            Finalmente, há que se considerar como as cotações reagiram de modo tão espetacular frente a essas 'sobras' de produto no mercado. Nos últimos 12 meses, as cotações para o robusta na Bolsa de Londres tiveram aumento superior a 75%. Na Bolsa de Nova Iorque, o fenômeno se repete no caso do arábica, com elevação de 27,14% nas cotações nos últimos 12 meses. Qual então seria a explicação plausível para essa sustentada pressão nas cotações, que não a construção por parte dos especuladores de cenário de escassez do produto para o médio prazo? Que interesses teriam, tanto a diretoria executiva da OIC quanto os técnicos do FMI, em divulgar informações que não encontram aderência na esfera da produção e tampouco na esfera do mercado? Parece que a intenção dessas manifestações é a de prejudicar o cafeicultor brasileiro, pois, como é sabido pelo operadores do mercado, entre setembro e novembro o Brasil atua praticamente sozinho no mercado mundial do produto. Foi para esse tipo de postura que nossos representantes na OIC concederam apoio para que o colombiano Nestor Osório assumisse o cargo de diretor executivo? Essas são algumas reflexões necessárias e, no nosso ponto de vista, sumamente oportunas de serem analisadas com maturidade pelo setor.

3 – A carência de política governamental quanto às novas possibilidades de investimentos produtivos no segmento

            Chegam informações de que grandes traders, visando agregar valor na origem do produto, se preparam para montar unidades agroindustriais em países selecionados da África e da Ásia (unidades de rebenefício, polimento e até de vaporização de robusta). É de conhecimento generalizado que a técnica da vaporização do café robusta permite a ampliação do uso dessa variedade nas ligas de café preparadas nas principais torrefadoras transnacionais. Essa nova possibilidade fez elevar para cerca de 50% a utilização de grãos de robusta nos blends preparados na Alemanha, implicando em enxugamento da demanda por arábica, mas que, enfim, é uma nova realidade para o mercado.
            Sobre esse aspecto, surge uma indagação: sendo o Brasil líder mundial também na produção de robusta (linhagem conillon), era de se esperar que o anúncio de investimentos agroindustriais, como esse da vaporização, fosse ao menos cogitado no país. Embora reconheçamos o esforço do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior em apoiar a agregação de valor ao café (o que aliás tem surtido algum efeito), deve-se igualmente reconhecer que muito há por fazer. A atração de novos investimentos no Brasil depende de uma política ativa, dinâmica e aberta às demandas dos investidores. A vaporização do café robusta é apenas um exemplo de novo ramo agroindustrial, mas existem outros cuja atração também deveria merecer todo o empenho tanto da burocracia ministerial como dos fabricantes de máquinas de preparo tipo expresso, dentre outros tipos de equipamentos voltados à torrefação, à moagem e ao empacotamento do café.

4 – Desempenho do comércio exterior

            Recentes informações, divulgadas pela Cecafé, indicam pequeno declínio nas exportações de café, totalizando em setembro 2,77 milhões de sacas embarcadas (em agosto esse volume atingiu 2,87 milhões). Em decorrência do incremento nas cotações observada em setembro, o resultado cambial alcançado manteve-se com arrecadação de US$ 135 milhões.
            O desempenho parcial das exportações brasileiras de café, no período de janeiro a setembro de 2002, indica melhora substancial nos volumes exportados (acréscimo de 16%), enquanto o valor recebido pelos transações declinou 14%. Esse fenômeno reflete o forte aviltamento das cotações do produto, com impacto substancial sobre a receita auferida pelo País.

TABELA 1 – Volume e valor das exportações brasileiras de café (todos os tipos),
janeiro a setembro de 2001 e 2002
(volume em milhões de sacas de 60 kg - valor em milhão de dólares)

Item
Jan./set. 2001
Jan./set. 2002
Variação %
Volume
Valor
Volume
Valor
Volume
Valor
Café total
16,5
1.050
19,1
921
+ 16
- 14
Fonte: http://www.coffeebusiness.com.br,12/10/2002

            Prevê-se para 2002 o alcance do recorde de exportações de café, com volume comercializado ao redor das 27 milhões de sacas. O Brasil, graças à ampliação da competitividade apoiada na depreciação da moeda local, foi um dos poucos países a incrementar suas remessas de café para o exterior, recuperando parcela de mercado perdida à época do frustrado programa de retenção. Assim, o país deve alcançar, ao término do ano, a expressiva participação de 29% no mercado global de café.

 

Data de Publicação: 17/10/2002

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor