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O Comércio De Produtos Agrícolas Após A Desvalorização Do Real
Logo após a implantação do Plano Real, em julho de 1994, teve início um processo de apreciação da moeda brasileira que induziu o aumento do déficit em transações correntes, agravando a situação
de vulnerabilidade externa do País.
Não faltaram alertas quanto à perda de competitividade, que afetaria a economia brasileira, mas o receio de ver retornar o processo inflacionário fez o governo retardar ao máximo o ajuste cambial, mesmo após o surgimento de crescentes déficits comerciais. Essa estratégia pôde ser seguida porque os ingressos maciços de capitais autônomos superavam os déficits em transações correntes e o País acumulava
reservas.
A desvalorização, anunciada por analistas econômicos, só veio a ser efetivada em
janeiro de 1999, após doloroso processo especulativo contra a moeda nacional que
sucedeu à crise da Ásia, de julho de 1997. A taxa de câmbio, que no começo de
janeiro estava em torno de R$1,21/US$, fechou o mês em R$1,98/US$ mas,
contrariamente às previsões pessimistas, as especulações amainaram resultando em
redução da taxa no começo do mês seguinte. Mesmo assim, a mudança cambial
provocou grandes alterações nos preços relativos; em termos médios, entre 1998 e
1999, o preço do dólar teve acréscimo superior a 50% que, descontada a variação
da inflação, em torno de 10%, resulta, grosso modo, em variação real do câmbio
de cerca de 40%.
Com esse percentual elevado de desvalorização esperava-se forte reversão no
fluxo de comércio brasileiro, com crescimento das exportações e declínio das
importações. A lógica dessa expectativa era que, na moeda nacional, os
exportadores passariam a receber mais e os importadores a pagar mais. O que
ocorreu, na realidade, é que as importações declinaram em 14,8% entre 1998 e
1999, passando de US$57.733 milhões para US$49.218 milhões. E de modo
inesperado, também as exportações declinaram, embora em percentual mais reduzido
(6,1%), passando de US$51.140 milhões para US$48.011 milhões (Tabela 1).
Normalmente é de se esperar que ocorra certa defasagem de tempo entre mudanças
cambiais e seus impactos sobre as transações econômicas. No entanto, o declínio
do valor das exportações, mesmo após uma desvalorização tão acentuada da moeda,
denotou certa fragilidade da economia brasileira. Como o resultado líquido da
desvalorização sobre o comércio depende das elasticidades da demanda e oferta
por exportações e importações, os números obtidos indicam, no agregado, baixa
elasticidade das exportações brasileiras.
Ressalte-se que, em termos relativos, a agricultura brasileira deu resposta mais rápida à desvalorização cambial. A maior competitividade desse setor, aliás, é histórica, o que ficou evidente durante o período no qual a moeda brasileira esteve valorizada. Durante toda essa etapa pôde-se observar saldos comerciais agrícolas superiores a US$12 bilhões, chegando a US$15,2 bilhões em 1997, ano em que o déficit comercial total atingiu o ponto máximo
de US$ 8,5 bilhões (Tabela 1).
Após a desvalorização o setor voltou a manifestar seu maior dinamismo: enquanto
as importações agrícolas se reduziram em cerca de 30%, o declínio nos demais
produtos foi de cerca de 13%. Essa comparação entre os anos de 1998 e 1999
referente às exportações também foi mais favorável para a agricultura. Embora o
setor também tenha registrado declínio nas exportações, da ordem de 5,8%, os
produtos não-agrícolas mostraram redução de 6,3%.
O desempenho da agricultura poderia ter sido ainda melhor, não fosse a elevada
concentração das exportações em poucas mercadorias. Em 1999, por exemplo, apenas
10 produtos perfizeram 70% do valor das exportações agrícolas. Embora 7 deles
tenham apresentado aumento da quantidade exportada, 7 também tiveram queda nos
preços. Como o efeito da redução dos preços médios foi superior ao aumento do
volume exportado, dentre os 10 principais produtos mencionados, apenas 4
apresentaram aumento do valor das exportações (Tabela 2).
Uma evidência do efeito provocado pelo elevado grau de concentração do comércio
agrícola foi o desempenho do café cru em grão. Em 1999 somente essa mercadoria
representou cerca de 12% do valor das exportações e, embora registrasse expansão
em torno de 28% no volume exportado, teve queda de 25% no preço. Com isso sua
contribuição em termos de divisas caiu 4,4% em relação ao ano anterior.
Soja em grão e farelo de soja colocaram-se como segunda e terceira mercadorias
por ordem de importância nas exportações agrícolas de 1999, com participação de
8,4% e 7,9%, respectivamente. Nesses casos a redução dos preços (23,8% e 13,9%)
foi acompanhada por redução do volume exportado, resultando em receita de
exportação muito menor do que em 1998. Soja em grão apresentou redução de 26,9%
e o farelo de soja, de 14,1%.
Em quarto e quinto lugares no valor das exportações agrícolas situaram-se
madeira manufaturada e pasta de madeira. Ambas apresentaram, em 1999, expressivo
aumento do volume exportado e do preço, resultando em acréscimo do valor
exportado de 23,4% e 18,5%, respectivamente.
O açúcar cristal merece destaque porque, dentre os 10 produtos mais importantes
da pauta agrícola, foi a que apresentou maior expansão do volume exportado
(63,3%). Em contrapartida, o preço médio declinou 35,1%, resultando em expansão
de apenas 6% no valor exportado em 1999.
Em resumo, o conjunto dos 10 principais produtos da pauta agrícola brasileira
apresentou aumento de 12,2% na quantidade exportada. No entanto, seus preços
caíram 13,3%, resultando em contração das receitas com exportação da ordem de
2,7%. O comércio de produtos agrícolas após a desvalorização do real teria
obtido resultados mais positivos em termos de aumento das receitas com
exportação, mesmo nos casos em que houve queda nos preços, se a pauta de
exportação fosse mais diversificada e, em particular, se predominassem produtos
de maior valor adicionado, que apresentassem maior elasticidade-preço.
Tabela 1 - Balança Comercial, Brasil 1996-1999
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Ano | | | |||
Exportação | Importação | Saldo | Exportação | Importação | |
1996 | 19.518.117 | 6.785.589 | 12.732.528 | - | - |
1997 | 21.793.647 | 6.534.490 | 15.259.157 | 11,66 | -3,70 |
1998 | 20.116.896 | 6.356.484 | 13.760.412 | -7,69 | -2,72 |
1999 | 18.942.362 | 4.491.650 | 14.450.712 | -5,84 | -29,34 |
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Ano | | | |||
Exportação | Importação | Saldo | Exportação | Importação | |
1996 | 28.228.611 | 46.515.434 | -18.286.823 | - | - |
1997 | 31.196.468 | 54.910.452 | -23.713.984 | 10,51 | 18,05 |
1998 | 31.022.966 | 51.376.214 | -20.353.248 | -0,56 | -6,44 |
1999 | 29.069.082 | 44.726.214 | -15.657.132 | -6,30 | -12,94 |
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Ano | | | |||
Exportação | Importação | Saldo | Exportação | Importação | |
1996 | 47.746.728 | 53.301.023 | -5.554.295 | - | - |
1997 | 52.990.115 | 61.444.942 | -8.454.827 | 10,98 | 15,28 |
1998 | 51.139.862 | 57.732.698 | -6.592.836 | -3,49 | -6,04 |
1999 | 48.011.444 | 49.217.864 | -1.206.420 | -6,12 | -14,75 |
Fonte: CONAB. Indicadores Econômicos, Brasília (vários números).
Tabela 2 - Exportação dos Principais Produtos Agrícolas, Brasil, 1998 e 1999
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Quant. | Valor | Preço | Quant. | Valor | Preço | | |||
Produto | (mil t) | (US$ milhão) | (US$/kg) | (mil t) | (US$ milhão) | (US$/kg) | Quant. | Valor | Preço |
Café cru em grão | 995,7 | 2.332,1 | 2,34 | 1.271,4 | 2.230,1 | 1,75 | 27,7 | -4,4 | -25,1 |
Soja em grão | 9.287,7 | 2.178,5 | 0,23 | 8.917,2 | 1.593,3 | 0,18 | -4,0 | -26,9 | -23,8 |
Farelo de soja | 10.448,0 | 1.750,1 | 0,17 | 10.430,9 | 1.503,6 | 0,14 | -0,2 | -14,1 | -13,9 |
Madeira manufaturada | 3.514,9 | 1.127,0 | 0,32 | 3.728,5 | 1.391,1 | 0,37 | 6,1 | 23,4 | 16,4 |
Pasta de madeira | 2.802,9 | 1.048,8 | 0,37 | 3.108,5 | 1.243,1 | 0,40 | 10,9 | 18,5 | 6,9 |
Suco de laranja | 1.236,2 | 1.266,4 | 1,02 | 1.176,8 | 1.239,0 | 1,05 | -4,8 | -2,2 | 2,8 |
Açúcar cristal em bruto | 4.792,2 | 1.096,1 | 0,23 | 7.827,0 | 1.162,3 | 0,15 | 63,3 | 6,0 | -35,1 |
Calçado de couro | 66,9 | 1.172,4 | 17,52 | 73,8 | 1.129,9 | 15,30 | 10,3 | -3,6 | -12,7 |
Papel | 1.217,0 | 930,0 | 0,76 | 1.329,7 | 900,8 | 0,68 | 9,3 | -3,1 | -11,3 |
Frango congelado | 612,5 | 738,9 | 1,21 | 770,6 | 875,4 | 1,14 | 25,8 | 18,5 | -5,8 |
Outros | - | 6.476,5 | - | - | 5.673,8 | - | - | -12,4 | - |
Total agrícola | - | 20.116,9 | - | - | 18.942,4 | - | - | -5,8 | - |
Fonte: CONAB. Indicadores Econômicos, Brasília (vários números).
Data de Publicação: 01/05/2000
Autor(es):
José Roberto Vicente (jrvicente@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Maria Auxiliadora de Carvalho (macarvalho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor