A Produtividade Sem Educação

            Em artigo recente publicado no jornal 'O Estado de S. Paulo' (EUA: recuperação sustentável?), o professor José Pastore (FEA-USP) comenta a rápida recuperação da economia americana. Afirma que esta, ao contrário de ser insustentável no tempo, teria raízes profundas, cultivadas ao longo de décadas e décadas, já com impacto forte nos anos 1990, quando a produtividade teria crescido 2,2% ao ano (0,5% maior do que a média dos anos 1980). Neste contexto, os grandes beneficiados foram os trabalhadores, com o aumento do seu salário médio real em 2,1% todos os anos do período.
            Destaque-se que a análise de Pastore é feita para a economia americana como um todo, numa situação em que o aumento da produtividade teve como resultado um impressionante adicional de US$1,9 trilhão, cifra quase toda - 99% - destinada aos trabalhadores. O próprio autor sinaliza que em condições especiais os ganhos de produtividade são apropriados pelos trabalhadores, e as empresas continuam lucrando, ou não aconteceria este milagre. Estas condições se dão em uma operação de grande complexidade, em que, primeiramente, o aumento da produtividade é garantido em grande parte pelo expressivo salto na educação (51% da força de trabalho americana têm curso superior, contra 33% na década de 1980). E o que é também muito importante: o fluxo de capitais que entrou no país foi superior ao que saiu, contribuindo, desta forma, para a baixa dos juros. E como se não bastasse, os capitais externos tiveram como destino setores que criaram um número elevado de empregos de alta qualidade.
            Para fazer uma analogia em terras brasileiras, mais especificamente para o setor agrícola, destacamos alguns resultados de VICENTE, et al (2001)1. A produtividade total de fatores cresceu 95% entre 1970 e 1995 em função dos crescimentos positivos das produtividades da terra, trabalho e fertilizantes. O Estado de São Paulo está entre os que apresentaram os maiores índices de produtividade no final deste período. Os autores acrescentam que a produtividade da terra cresceu mais de 78% no Brasil, com destaque para as regiões sudeste e sul; a taxa média anual de crescimento foi da ordem de 2,3%; a produtividade do trabalho cresceu em nível nacional a taxas médias de 3,9%, sendo que os Estados de Paraná, São Paulo e Minas Gerais apresentaram crescimento superior à média nacional, e, surpreendentemente, o centro-oeste, apesar da recente expansão da agricultura na região, apresentou os maiores índices de aumento. A produtividade total de fatores (terra, trabalho, fertilizantes, mecanização e defensivos) teve taxas médias anuais de crescimento de 2,8%, sendo que São Paulo, Espírito Santo, Goiás, Mato Sul, Distrito Federal, Mato Grosso e Minas Gerais foram os Estados com os maiores índices de produtividade no final do período analisado.
            Se o que vale para os EUA valesse para o Brasil, fundamentalmente quanto às condições especiais referentes a educação e taxa de juros, não seria nenhum disparate comemorar a apropriação pelos trabalhadores rurais dos ganhos adicionais advindos do aumento da produtividade. No entanto, artigo de Gonçalves (1996)2, que estuda o mesmo período do outro artigo citado - e cuja 'contemporaneidade' tem a ver essencialmente com a insistência do modelo vigente - mostra que a característica da década de 1990 é a convivência entre a quebra sucessiva de recordes das colheitas agrícolas, em função dos aumentos da produtividade, e uma realidade de emprego e salários em baixa. Esta realidade é pior ainda para os trabalhadores volantes (bóias-frias), uma vez que, além da acirrada concorrência pelo emprego, sofrem com a redução dos dias trabalhados e com a renda anual inferior a outras décadas.
            Só mesmo uma situação paradoxal como esta - em que a produtividade tem impactos sociais negativos - para reforçar a idéia de que na agricultura, assim como na economia do país, é preciso realizar muito investimento em educação e, ao mesmo tempo, praticar políticas desenvolvimentistas para se ter, no futuro, juros e impostos baixos. Assim, um dia talvez seja possível se referir ao aumento da produtividade agrícola para, ao invés de salientar a preocupação com o desemprego, falar da sua apropriação pelos trabalhadores rurais.
 

1 VICENTE, J.R. et al. Produtividade Agrícola no Brasil, 1970-1995. Agric. São Paulo, SP, 48 (2): 33-55, 2001.
2 GONÇALVES, J.S. Salário, Emprego, Modernização e Sazonalidade na Agropecuária: As contradições do processo excludente  do desenvolvimento brasileiro. Informações Econômicas, SP, v.26, n.1, jan. 1996.

Data de Publicação: 03/09/2002

Autor(es): José Eduardo Rodrigues Veiga (zeveiga@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor