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De Cursos e Concursos
Quantas pessoas deveriam ser contratadas por ano para manter estável o corpo técnico de uma instituição de pesquisa científica? Consideremos que neste país a maioria de tais instituições são governamentais, parte delas ligadas a alguma universidade e parte não, como é o caso dos Institutos de Pesquisa (IPs) do Estado de São Paulo. Seja N o número médio de pesquisadores que se deseja manter no corpo técnico, n o número de pesquisadores a serem contratados por ano, t o número médio de anos de trabalho até a aposentadoria e f um fator de permanência na instituição (igual à proporção de pesquisadores contratados que trabalham até a aposentadoria, isto é, ). Esse
fator é necessário, porque nem todos os pesquisadores permanecem no IP durante
toda a sua vida profissional: alguns podem ser eliminados pela instituição ao
final do estágio probatório, alguns podem pedir demissão pelos mais variados
motivos (geralmente nos primeiros cinco anos), outros podem se afastar (para
tratamento médico, para exercer cargo em outra instituição, etc.), alguns podem
falecer e assim por diante. Então,
Por exemplo, para manter um IP de pequeno porte, como o Instituto de Economia Agrícola (IEA), cujo corpo técnico tenha em média 70 pesquisadores (N=70) e supondo-se que t=35 anos (esse valor envolve diversas aproximações: o número de anos necessários para a aposentadoria aumentou no Brasil; alguns pesquisadores podem requerer aposentadoria proporcional, com cinco anos a menos de trabalho; mulheres aposentam-se com menor número de anos de trabalho que os homens; o pesquisador pode iniciar seu trabalho no IP sem estar no início da vida profissional, isto é, já tendo trabalhado em outro lugar), temos a seguinte situação para diferentes valores de f:
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Portanto, se todos os pesquisadores permanecessem no IP apenas dois deveriam ser contratados por ano para manter estável um corpo técnico de 70 elementos. Se apenas 60-70% permanecerem, esse valor sobe para 3 por ano. Com 50% sobe para 4 por ano e assim por diante. Percebe-se que o número anual de contratações necessário cresce rapidamente à medida que f
diminui. Por outro lado, percebe-se que, com um nível de contratação
relativamente baixo, porém constante, é possível manter a instituição em
funcionamento com corpo técnico estável.
Nos dias que correm, a manutenção do corpo técnico não pode ser utilizada como
argumento para abertura de concurso público nos IPs. É evidente que não se pode
argumentar com uma necessidade passada para justificar a contratação futura: se
um pesquisador de uma dada especialidade foi necessário há 35 anos atrás, isso
não significa que ele vá continuar sendo necessário nos próximos 35 anos. O
desenvolvimento científico é dinâmico demais para que tal argumento fosse
válido. De fato, é a necessidade das próximas décadas que pode justificar a
contratação, isto é, a especialidade do pesquisador a ser contratado deve ser
definida a priori e não a posteriori. Portanto, a estabilidade do corpo técnico
tem valor apenas relativo, servindo de indicador para o dirigente: se as
contratações forem insuficientes o IP definhará e acabará sendo fechado (o que
somente deverá ser permitido se sua área de atuação deixar de ser relevante); se
forem excessivas criarão despesas desnecessárias para o Estado.
Conseqüentemente, a manutenção do corpo técnico é importante para manter o
equilíbrio entre a necessidade de conhecimento em sua área de atuação e as
correspondentes despesas para o contribuinte.
Como diminuir as necessidades de contratação?
A contratação de pessoal mediante concurso público num IP é trabalhosa, onerosa e precisa de autorização de alto escalão, sempre difícil de obter por envolver questões econômicas e, principalmente, políticas. Uma forma de melhorar o desempenho do IP diminuindo as necessidades de contratação consiste em aumentar o valor de f naquela equação. Para tanto, dois
conjuntos de medidas fazem-se necessárias: a) aumentar a eficácia do concurso,
de tal forma a conseguir profissionais com disposição para permanecer na
instituição; e b) melhorar as condições após o concurso, a fim de motivar a
permanência dos profissionais na instituição.
Para aumentar a eficácia do concurso, sugerem-se as
seguintes medidas:
a) caracterizar muito bem cada
especialidade ou área de atuação necessária, tendo em vista as necessidades de
pesquisa científica das três décadas seguintes. Este exercício de previsão não é
muito fácil de fazer, mas bons dirigentes devem ter visão e bons pesquisadores
do corpo técnico atual devem saber para onde caminham os estudos em suas
especialidades. Faz parte dessa caracterização a existência de projetos de
pesquisa para absorver prontamente os candidatos selecionados (em outras
palavras, a vaga está sendo aberta porque existe um projeto de pesquisa para
absorver o contratado e não o contrário);
b) divulgar
amplamente o concurso de tal forma a obter grande número de candidatos por vaga,
o que poderá facilitar a seleção dos mais aptos;
c)
projetar a avaliação dos candidatos da forma mais objetiva possível, tendo em
vista selecionar os candidatos que:
- realmente tenham vocação para pesquisa científica;
- com a melhor qualificação possível;
- com bom potencial de desenvolvimento (por exemplo, disponibilidade para futuros cursos de pós-graduação e de línguas, gosto pela área em que irá atuar, etc.);
- suficientemente motivados para permanecer no IP durante sua vida profissional;
Para melhorar as condições de trabalho após o concurso, sugerem-se as seguintes medidas de prazo curto:
- a) alocar o pesquisador
contratado na unidade correta, evitando as mudanças de área (o aproveitamento
de aprovados numa área para outra mostrou-se ineficiente em concursos
passados);
- Iniciação científica (histórico e realizações do IP, noções básicas de epistemologia, como funciona a carreira de pesquisador científico, recomendações para a carreira individual, etc.);
- Introdução à matemática e à estatística (recordação das noções básicas necessárias no IP);
- Introdução à microeconomia (noções básicas);
- Introdução à macroeconomia (noções básicas);
- Introdução à informática (Word, Excel, SAS, etc.);
b) absorver imediatamente o candidato selecionado num projeto de pesquisa pré-existente (ou elaborado especialmente para esse fim). Evidentemente, esse projeto de pesquisa deve ser relevante para a sociedade e não servir apenas para cumprir uma formalidade;
c) o projeto de pesquisa que absorver um novo pesquisador deve contar com um coordenador que seja pesquisador sênior (por exemplo, doutor ou no mínimo mestre, dos níveis superiores da carreira de pesquisador científico, com vasta bagagem de pesquisas desenvolvidas, etc.) e que seja capaz de orientar um profissional que está se formando. A inexistência de orientação adequada e segura, já que nem todas as pessoas têm competência para essa tarefa, poderá ser fatal para a permanência do profissional no IP;
d) cercar o novo pesquisador de equipe com pesquisadores e funcionários motivados para o trabalho, de forma a imbuí-lo de possíveis qualidades institucionais, evitando que ele seja contaminado por possíveis vícios institucionais;
e) fazer reunião geral do corpo técnico, para apresentação dos contratados, com breve exposição do que é o IP;
f) incentivar o contratado a participar de cursos de nivelamento, especialmente preparados (essa foi uma prática comum no IEA até os anos sessentas do século p.p.). As finalidades desses cursos são a apresentação do IP e da carreira de pesquisador e o nivelamento de conhecimentos básicos entre profissionais oriundos de diferentes cursos de graduação. São, portanto, cursos básicos e gerais, ainda não específicos, e que possam ser ministrados a todos os contratados, independentemente de sua formação. Sugerem-se, por exemplo, os seguintes cursos:
g) incentivar os contratados a
participar de pelo menos uma reunião científica (por exemplo, SOBER), mesmo que
na primeira vez não apresente trabalhos;
h) incentivar
os contratados a redigir e publicar artigos, inicialmente como co-autor, dentro
do projeto de pesquisa.
O fato de o novo pesquisador fazer alguns cursos logo de início e de publicar
seus primeiros artigos em prazo não muito longo irá lhe dar melhores condições
de concorrer ao acesso na carreira de pesquisador científico, o que certamente o
motivará a permanecer no IP. Estratégias que evitem ociosidade, envolvendo-o em
projeto de pesquisa e em cursos, evitará a contaminação por possíveis vícios
institucionais. A orientação por pesquisador sênior e o envolvimento em equipe
motivada poderá abreviar o tempo necessário à formação de um bom pesquisador.
Para melhorar as condições de trabalho após o concurso, sugerem-se as seguintes medidas de prazo médio e longo:
a) incentivar, se possível com
parte do pagamento, o pesquisador a fazer cursos de línguas estrangeiras;
b) incentivar o pesquisador a participar de eventos com
apresentação de trabalhos, inclusive fora do país;
c)
incentivar o pesquisador a fazer cursos de pós-graduação;
d) incentivar o pesquisador a fazer (e a ministrar, se
tiver vocação) cursos de extensão e de aperfeiçoamento;
e) incentivar o pesquisador a fazer cursos de administração
de pesquisa;
f) incentivar o pesquisador a produzir e
publicar resultados;
g) incentivar o pesquisador a
participar de equipes, inclusive fora do IP;
h)
incentivar os pesquisadores com títulos de pós-graduação a obter financiamento
externo para projetos;
i) viabilizar o recebimento de
bolsas e similares pela participação em projetos de pesquisa (lembrar que a
principal causa alegada de não permanência nos IPs é o baixo salário).
Quando contratar pesquisadores?
O
ideal seria a contratação anual, como visto no início deste artigo. A principal
vantagem seria a continuidade das gerações de pesquisadores. Como se gastam
vários anos na formação de um bom pesquisador, é recomendável que exista diálogo
entre os mais experientes e os novos e isso acontece mais facilmente entre
pessoas de faixas etárias semelhantes. Por isso, quando existe um longo período
sem contratações (no IEA o último ocorreu há uma década), ocorre uma defasagem
entre gerações, que dificulta o diálogo e o trabalho em equipe.
Há que reconhecer, entretanto, que a dificuldade para a aprovação de concursos e
a pouca simpatia que dirigentes mostram pelo planejamento de longo prazo levam a
grande concentração de contratações e é dentro dessa realidade que se deve
trabalhar: poucos concursos contratando muita gente, ao invés de muitos
concursos contratando pouca gente.
Por isso, especificamente para o próximo concurso no IEA, o primeiro deste
século (se e quando houver), apresentam-se algumas sugestões. Em relação à área
de informações do agronegócio é preciso notar que o levantamento de dados no IEA
equivale à experimentação em outros IPs, enquanto que o computador equivale ao
laboratório. Por isso, o levantamento de dados estatísticos é essencial à
pesquisa científica nesse instituto, além de atender a demandas da sociedade e,
em particular, do agronegócio. Para atender às necessidades das próximas décadas
propõe-se um projeto especialmente delineado, bem como a contratação de: a) dois
pesquisadores na área de matemática e estatística; b) dois pesquisadores na área
de sensoriamento remoto; e c) um assistente técnico e um técnico de apoio à
pesquisa para coordenar e apoiar o levantamento de dados, alocados em cada pólo
regional. Outros profissionais poderão se mostrar necessários, mas esses serão
imprescindíveis em projeto dessa natureza1.
Nas áreas de apoio sugere-se a contratação de um assistente técnico para atuar na área de marketing institucional. No concurso
anterior foi contratado um jornalista, que já dinamizou a divulgação
institucional, trabalho este que poderia ser complementado pelo profissional ora
sugerido. Sugere-se, também, a completa reformulação da Biblioteca do IEA,
adequando-a aos novos tempos. Essa Biblioteca sempre foi procurada por
profissionais de outras instituições à procura de publicações antigas que
somente aqui podem ser encontradas. Propõe-se a contratação de profissional
qualificado para trabalhar com as publicações antigas, bem como a adequação
ambiental para guarda do acervo e, tanto quanto possível, sua disponibilização
via Internet. Quanto a novas publicações, convém notar que na última década a
Biblioteca deixou de adquirir publicações científicas de primeira linha,
substituindo-as por revistas que se encontram em qualquer banca de jornais, o
que isolou academicamente os pesquisadores do IEA. Propõe-se a contratação de
profissional qualificado para trabalhar com as novas publicações, de tal forma a
levantar o que existe no mercado, selecionar o que é relevante e, então sim,
voltar a assinar títulos, principalmente via Internet.
Espera-se, com estas considerações, ter dado contribuição positiva no sentido de
viabilizar o trabalho científico numa instituição como o IEA.
1Ver detalhes técnicos para a elaboração desse
tipo de projeto em: PINO, F.A. Estatísticas agrícolas para o século XXI. Agricultura em São Paulo, SP, v.46, t.2, p.71-105, 1999. LUIZ, A.J.B. et al. Auxílio das imagens de satélite aos levantamentos amostrais agrícolas. Agricultura em São Paulo, SP, v.49, n.1, p.41-54, 2002. |
Data de Publicação: 18/09/2002
Autor(es): Francisco Alberto Pino (drfapino@gmail.com ) Consulte outros textos deste autor