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Quais os Números da Vulnerabilidade Social no Estado de São Paulo?
No mundo
capitalista pós-pandemia, uma grande parcela da população não tem acesso
permanente à alimentação. Entre as razões que explicam este cenário estão o
aprofundamento das desigualdades sociais e o aumento do desemprego e da pobreza
urbana e rural. Os números globais atuais indicam que um terço da população
mundial vive a condição de insegurança alimentar e nutricional (ISAN) moderada
ou grave. Na América Latina, a fome e/ou as incertezas diárias em obter
alimentos para nutrir o corpo são ainda maiores, atingindo cerca de 38% de sua
população. No Brasil, mais de 70 milhões de pessoas padecem de insegurança
alimentar moderada ou grave1. O
Relatório da Desigualdade S.A da OXFAM revela que, em paralelo à expansão do
poder econômico das grandes empresas, há o aumento da pobreza e das
desigualdades sociais. Se os cinco homens mais ricos do mundo duplicaram suas
fortunas nos últimos quatro anos, em contrapartida, quase cinco bilhões de
pessoas estão mais pobres. A disparidade social é explicitada: “No ritmo atual, serão necessários 230 anos
para acabar com a pobreza, mas poderemos ter o nosso primeiro trilionário em dez
anos”2. Outrossim,
um estudo sobre a concentração de renda no período de 2017 a 2022, publicado no
Portal do Observatório de Política Fiscal da Fundação Getúlio Vargas, mostra como cresceram os
rendimentos dos mais ricos no Brasil. Considerada a inflação, o aumento real da
renda da elite brasileira, ou seja, a parcela de 0,01% da população - o topo da
pirâmide social - cresceu 49% nos últimos cinco anos, enquanto na base da
pirâmide, os mais pobres e a classe média, o crescimento girou em torno de
apenas 1,5%3.
As gritantes contradições sociais são notáveis nas
paisagens urbanas. A cidade de São Paulo, o maior centro financeiro e econômico
do Brasil, expressa a face da miséria, pobreza e violência em consequência da
concentração de poder e renda. Na sede da mais rica metrópole do país, estão
reunidos 11.451.999 de habitantes4. A série histórica do Censo da
População de Rua5 no município de São Paulo indica que, em geral,
entre 2000 e 2021, o crescimento de pessoas em situação de rua tem aumentado
ano após ano. O Relatório6 assinala que entre os anos de 2000 a 2009
houve uma variação anual da ordem de 5,1%; entre 2015 a 2019 a variação ficou
em 11,2%; e de 2019 até 2021, a variação se elevou para 14,4%. No mesmo período
(2000 a 2021), as taxas de crescimento da população em geral permaneceram mais
estáveis, não ultrapassando a 1,6% ao ano, sendo que, em 2019 a 2021,
correspondeu a apenas 0,6%. Em 2000, havia 8.706 pessoas em
situação de rua no município de São Paulo. Em 2011 esses números sobem para
14.478 e, dez anos depois (2021), os “moradores de rua” da capital alcançam a
marca de 31.884 pessoas7. Outras metodologias acenam para números
bem superiores. O Observatório Nacional dos Direitos Humanos, com base nas
informações dos declarantes no Cadastro Único (CadÚnico)8, aponta
54.812 pessoas morando nas ruas da cidade de São Paulo em 2023, o equivalente a
25% do total da população de rua do país. Tal gravidade é perceptível ao
advertir que 50 mil pessoas são o total de habitantes, ou até mesmo número
superior, a muitas pequenas cidades do interior paulista. Diante desta conjuntura, este artigo
tem por objetivo sublinhar alguns números das pessoas e das famílias incluídas
no CadÚnico com o
propósito de colaborar com as reflexões críticas e os trabalhos que tenham por
intuito o enfrentamento da vulnerabilidade social. Em especial, almeja oferecer
um indicativo que possa auxiliar na organização de ações prioritárias
destinadas a atender a parcela da população suscetível de estar em condição de
insegurança alimentar e nutricional no estado de São Paulo. Foram utilizados os dados e informações recentes (janeiro e fevereiro de
2024) do Portal do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família
e Combate à Fome9. Além dos dados gerais para o estado de São Paulo
- o número total de pessoas e o número total de famílias incluídas no CadÚnico
-, também são destacadas as relações com as variáveis: sexo, renda e situação
do domicílio (rural e urbano). Por sua vez, e de acordo com a opção pela análise exploratória dos dados,
foram selecionados os 50 municípios com maior número absoluto de famílias
inscritas no O
CADASTRO ÚNICO (CadÚnico) O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico)
foi instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social em 199310.
Transcorridos 30 anos desde a sua criação, a Lei n. 14.601 de 2023 detalha a norma
anterior ao indicar a finalidade do CadÚnico
“em ser um registro público eletrônico para coletar, processar, sistematizar e
disseminar informações para a identificação e a caracterização socioeconômica
das famílias de baixa renda”. É um instrumento que viabiliza o acesso aos
programas sociais a partir da coleta de
“informações que caracterizem a condição socioeconômica e territorial das
famílias, de forma a reduzir sua invisibilidade social e com vistas a
identificar suas demandas por políticas públicas”11. De maneira
a corrigir possíveis imprecisões no CadÚnico, foi publicada a Portaria MDS nº
864 de 2023, a qual estabelece prazo e os processos para averiguar as
inconsistências, atualizar e regularizar os registros com o intuito de
“promover a melhoria na entrega de serviços, benefícios e programas aos
usuários”12. O portal
do governo federal com os dados abertos e públicos disponíveis à consulta dos
cidadãos são essenciais para identificar o perfil e a localização da população
vulnerável. Tal fato colabora para o avanço das contribuições da pesquisa
científica, os mecanismos de controle social e o aperfeiçoamento na proposição
de políticas públicas. O CadÚnico
se caracteriza como uma fonte de informação pública e fidedigna para
compreender aspectos da dimensão da vulnerabilidade social. A seguir,
apresentam-se, brevemente, alguns indicadores quantitativos para o estado de
São Paulo, e um ranking com os 50
municípios com o maior número de famílias cadastradas13. A
VULNERABILIDADE SOCIAL NO ESTADO DE SÃO PAULO O estado
de São Paulo conta com 645 municípios e uma população de 44.411.238 habitantes14.
Em fevereiro de 2024, havia 14.591.498 de pessoas (32,9% do total geral da
população) e 6.260.194 de famílias cadastradas no CADúnico no estado de São
Paulo. Em relação ao perfil econômico dessas famílias, observa-se que 2.614.023
delas (41,8%) estão em situação de pobreza, enquanto outras 1.289.419 (20,6%)
apresentam baixa renda; por sua vez, 2.356.752 (37,6%) famílias possuem renda
acima de ½ salário mínimo15. Considerando-se
a variável “pessoas”, há 6.135.490 (42,0%) de indivíduos em situação de
pobreza; 3.739.482 (25,6%) de pessoas com baixa renda; e 4.716.526 (32,3%) de
pessoas possuem renda acima de ½ salário mínimo. Em 94,6% dos casos, a situação
do local de domicílio corresponde à área urbana. O sexo feminino é majoritário
com 58,2% do total (8.495.818 de pessoas) das pessoas do CadÚnico em São Paulo16. Em relação
à raça/cor (branca, preta, amarela, parda ou indígena), 51,0% das pessoas
declararam ser brancas e 41,7%, pardas. No quesito faixas de renda (até 1
salário mínimo, entre 1 e 2 salários mínimos, entre 2 e 3 salários mínimos e
acima de 3 salários mínimos), 66,3% das pessoas estão situadas na faixa de até
um salário mínimo17. RANKING
DOS 50 MUNICÍPIOS COM MAIOR NÚMERO DE FAMÍLIAS NO CADÚNICO De modo a se obter um ranking
indicativo das urgências por políticas públicas, foram selecionados os 50
municípios com maior número de famílias cadastradas. Observa-se assim que, em
fevereiro de 2024, do total dos 645 municípios, 67,9%, ou seja, 4.250.658 de
famílias no CadÚnico, estavam concentradas em somente 50 municípios (Figura 1 e
Tabela 1). As demais 2.009.536 famílias (32,1%) estão dispersas em 595
municípios de São Paulo. Os resultados
da organização do recorte geográfico (Tabela 1 e Figura 1) mostram que cada um
desses 50 municípios possui, no mínimo, 20 mil famílias no CadÚnico. Nos demais
595 municípios, os números de cadastros não alcançam a 20 mil famílias. Ressalta-se,
ainda, que em apenas 15 municípios estão reunidos 49,7% das famílias
cadastradas no CadÚnico do estado de São Paulo (Tabela 1). Logo, pode-se
inferir, também, que há uma demanda por projetos, programas e políticas sociais
para geração de emprego e renda em escala regional, com destaque para as
Regiões Metropolitanas de São Paulo, Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e
de Ribeirão Preto. O mapa da figura 118
ilustra a localização dos 50 municípios com maior número absoluto de famílias no CadÚnico. Para distinguir a densidade das ocorrências, os municípios foram
classificados em 5 faixas, agrupados conforme o número absoluto de cadastros.
Em primeiro lugar, e de modo isolado, está o município de São Paulo, com 1,8
milhão de famílias, 29,0% do total estadual. Na segunda faixa, estão os quatro
municípios que possuem acima de 100 mil famílias (Guarulhos, Campinas, São José
dos Campos e Osasco), perfazendo 9,5% do total. Na terceira faixa, com 11,2% do total, estão os dez
municípios que possuem no mínimo 50 mil famílias cadastradas. Na quarta faixa,
estão os trinta e cinco municípios que perfazem juntos 18,3% total do estado de
São Paulo. CONSIDERAÇÕES A
vulnerabilidade social diz respeito à situação de precariedade das condições de
vida. Ao lado de outros bens essenciais, o acesso permanente e regular à
alimentação adequada se configura como uma das necessidades vitais a todos os
cidadãos. Na atualidade, a ausência de igualdade de direitos faz com que uma
parcela da sociedade esteja permanentemente suscetível ao flagelo e à insegurança
alimentar e nutricional. O Cadastro Único (CadÚnico), o portal
brasileiro para as famílias de baixa renda, é um instrumento de coleta e
disseminação de informações que auxiliam na identificação e caracterização
socioeconômica das famílias mais vulneráveis. Tendo em vista o enfrentamento da
pobreza, as pessoas e famílias cadastradas podem ter acesso a programas,
políticas e projetos do governo federal. O CadÚnico, também, se constitui em
indicativo para articulação da sociedade e definição das prioridades nos
territórios. No estado de São Paulo estão 6.260.194 de famílias no CadÚnico,
sendo que 67,9% estão concentradas em 50 municípios. A concentração
significativa da vulnerabilidade social no território paulista constitui-se em
informação basilar a nortear as diversas esferas da gestão pública, municipais
e estaduais, em suas estratégias de elaboração de políticas públicas de
desenvolvimento científico e de promoção e proteção social. Ademais,
as informações do CadÚnico podem ser relacionadas com outras variáveis e bancos
de dados. As informações e estatísticas agropecuárias do Instituto de Economia
Agrícola (IEA), por exemplo, tem o potencial de fornecer aportes essenciais aos
gestores públicos e conselheiros do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e
Nutricional Sustentável (Consea-SP) quando da elaboração de diretrizes visando a superação dos índices de insegurança alimentar e nutricional no
estado de São Paulo. Adverte-se
que, sem a pretensão de se aprofundar ou esgotar a análise, a intenção deste
texto foi ressaltar dados gerais do CadÚnico de modo a provocar reflexões sobre
os números da vulnerabilidade social no estado de São Paulo. A análise
detalhada do perfil do público-alvo e as conexões com a agricultura paulista
será objeto de artigo científico. 1ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. El estado de inseguridad alimentaria y la
nutrición en el mundo 2023. 2023.
Disponível em: https://www.fao.org/documents/card/es/c/cc3017es.
Acesso em: 12 mar. 2024. 2OXFAM. Desigualdade
S.A.: como as grandes empresas dividem o nosso mundo e a necessidade de uma
nova era de ação pública. Tradução Roberto Cataldo. 2024. Disponível em:
https://www.oxfam.org.br/forum-economico-de-davos/desigualdade-s-a/ Acesso em:
11 mar. 2024. 3GOBETTI, S. W. Concentração de renda no topo: novas revelações pelos dados do IRPF
(parte 2). 2024.
Disponível em:
https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/politica-economica/pesquisa-academica/concentracao-de-renda-no-topo-novas-revelacoes-pelos-dados-0.
Acesso em: 16 mar. 2024. 4INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. São Paulo: panorama. Rio de Janeiro:
IBGE, 2023. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/panorama.
Acesso em: 16 mar. 2024. 5PREFEITURA DE SÃO PAULO. População em situação de rua: São Paulo: Censo 2021. São Paulo:
Prefeitura de São Paulo, 2021. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWE4MTE5MGItZjRmMi00ZT 6PREFEITURA DE SÃO PAULO. Pesquisa. São Paulo: Prefeitura de São Paulo, 2024. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/observatorio_socioassistencial/pesquisas/index.php?p=18626. Acesso
em: 14 mar. 2024. 7Op. cit. nota 6. 8BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Observatório Nacional dos Direitos Humanos. Pessoas em situação de rua. Brasília: ObservaDH, 2023. Disponível
em:
https://experience.arcgis.com/experience/6a0303b2817f482ab550dd024019f6f5/page/Pessoas-em-situa%C3%A7%C3%A3o-de-rua/.
Acesso em: 14 mar. 2024. 9BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social,
Família e Combate à Fome. Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e
Cadastro Único. Cadastro Único.
Brasília: SAGICAD,
2024. Disponível em:
https://aplicacoes.cidadania.gov.br/vis/data3/data-explorer.php. Acesso em: 11
mar. 2024. 10BRASIL. Presidência
da República. Casa Civil.Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos. Lei 8.742 de 7 de setembro de 1993. Dispõe sobre a organização da
Assistência Social e dá outras providências. Brasília: Secretaria Especial para Assuntos
Jurídicos, 1993. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm. Acesso em: 15 mar. 2024. 11BRASIL. Presidência
da República. Casa Civil.Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos. Lei 14.601
de 19 de junho de 2023. Institui
o Programa Bolsa Família; altera a Lei n. 8.742 de 7 de setembro de 1993 (Lei
Orgânica da Assistência Social) [...]. Brasília: Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos, 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14601.htm.
Acesso em: 15 mar. 2024. 12BRASIL. Ministério do
Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Portaria
MDS
nº 864, de 2 de março de 2023.
Estabelece os processos de Averiguação Cadastral e de Revisão Cadastral para o
biênio 2023 e 2024. Brasília: Ministério do
Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/portaria/portaria-mds-no-864-de-2-de-marco-de-2023/PORTARIAMDSN864_AVE2023E2024_consolidada.pdf.
Acesso em: 11 mar. 2024. 13BRASIL. Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social,
Família e Combate à Fome. Secretaria
de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único – SAGICAD. Tabulador do Cadastro Único. Brasília: Ministério do Desenvolvimento e
Assistência Social, Família e Combate à Fome, 2024. Disponível em: https://cecad.cidadania.gov.br/tab_cad.php. Acesso em: 18
mar. 2024. 14Op. cit. nota 4. 15BRASIL. CECAD 2.0: Brasil: cadastro único. Brasília:
Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome,
ano de publicação. Disponível em: https://cecad.cidadania.gov.br/painel03.php#.
Acesso em: 20 mar. 2024. 16Op. cit. nota 15. 17Op. cit. nota 13. 18A autora agradece a Leonardo Massao Nakama pela
confecção do mapa esboçado na figura 1. Palavras-chave:
vulnerabilidade social, insegurança alimentar e nutricional, políticas
públicas, informações estratégicas. COMO CITAR ESTE ARTIGO RAMOS,
S. de F. Quais os Números da Vulnerabilidade Social no Estado de São Paulo?. Análises
e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 1-8, abr. 2024.
Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.
CadÚnico. A intenção era averiguar a espacialização e a existência, ou não, da
concentração de famílias em situação de vulnerabilidade social no território
estadual.
cyLTgxOTMtMjc3MDAwMDM0NGI5IiwidCI6ImE0ZTA2MDVjLWUzOTUtNDZlYS1iMmE4LThlNjE1NGM5MGUwNyJ9.
Acesso em: 14 mar. 2024.
Data de Publicação: 11/04/2024
Autor(es): Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor