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Diagnóstico Preliminar das Ações e Políticas Públicas em Segurança Alimentar e Nutricional em Municípios do Estado de São Paulo
1
- INTRODUÇÃO No mês da
alimentação (outubro), mais do que celebrar é preciso refletir sobre o
significado do direito humano à alimentação adequada na atual fase do
capitalismo. Segundo a Organização das Nações Unidas2, são
735 milhões de pessoas que padecem de fome no mundo. No Brasil, houve o aumento
da vulnerabilidade social no último triênio (2020-2022) de 70 milhões de
brasileiros, ou seja, uma a cada três pessoas está em algum grau de insegurança
alimentar (moderada ou grave), com dificuldades no acesso à alimentação
adequada. Por sua vez, 10% dos brasileiros (21,1
milhões de pessoas) estão em insegurança alimentar grave (fome), sem acesso à
comida por um dia ou mais3. A Rede Brasileira
de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan)4
corrobora que mais da metade da população
brasileira (58,7%) convivia com algum grau de insegurança alimentar em
2022. A fome e a insegurança alimentar atingem desigualmente as regiões e os
estratos populacionais; está presente em mais de 60% dos domicílios das áreas rurais e em 65% dos lares de
pessoas pretas ou pardas. Daí a
urgência de diagnósticos que norteiem os governos no propósito de adotar
medidas preventivas e políticas públicas mitigadoras, visando melhorar os
indicadores de acesso regular e permanente ao alimento seguro e saudável a toda
a população. Neste
artigo publicamos os
resultados parciais e inéditos de projeto institucional fruto da parceria entre
a Coordenadoria de Segurança Alimentar (Cosali) com o Instituto de Economia
Agrícola (IEA), órgãos da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento de São Paulo (SAA)5. A partir de informações coletadas e sistematizadas
pelas equipes, o “Diagnóstico preliminar das ações e políticas públicas em
segurança alimentar e nutricional em municípios do estado de São Paulo” foi apresentado no Circuito Interestadual Dialogando Segurança Alimentar e Nutricional da 28ª Semana Estadual
de Alimentação Saudável, evento promovido
pela SAA e
organizado por Vanuzia Teixeira, coordenadora da Cosali, e Camila Michelin,
Secretária Executiva do Consea-SP6. 2
- CONTEXTO Diante
da premissa do direito
universal ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em
quantidade suficiente e, por outro lado, a constatação da expansão da
insegurança alimentar e nutricional no Brasil, este trabalho investiga a
atuação do Estado em relação a ações, projetos e programas de políticas
públicas de segurança alimentar e nutricional (SAN) em municípios do estado de
São Paulo. Em 2022, a insegurança
alimentar atingiu 6,8 milhões de
pessoas no estado de São Paulo7. O estudo de caráter
exploratório apoia-se em revisão de literatura e coleta de dados e informações
primárias realizada em âmbito municipal nos anos de 2021 e 2023. Na primeira etapa, a equipe da Cosali elaborou os dois questionários com perguntas abertas
para averiguar a existência de programas e/ou políticas públicas locais de SAN. Os conselheiros
do Consea-SP foram consultados antes das enquetes serem enviadas aos gestores
públicos dos 645 municípios do estado de São Paulo, por meio de formulários
disponíveis online em 2021 e em 2023. O levantamento de informações municipais sobre a temática
SAN ocorreu em duas etapas e incluiu indicações básicas a respeito dos
respondentes e das prefeituras. A primeira enquete, feita em 2021 (referente ao
ano base de 2020), apresentou um total de 11 itens a serem respondidos,
enquanto a segunda enquete, realizada em 2023 (referente ano base de 2022), foi
ampliada, totalizando 45 itens. As informações coletadas foram reunidas em um
banco de dados em duas planilhas Excel e disponibilizadas para tabulação e
análise pela equipe do IEA, que selecionou 5 perguntas do ano de 2020 e 27
perguntas de 2022. 3 - RESULTADOS PARCIAIS E DISCUSSÃO Em 2023 ocorreu a maior
a adesão dos gestores locais na devolutiva dos formulários preenchidos. Se em
2021 houve o retorno de 269 respondentes (41,7%), em 2023 um total de 330
municípios responderam à enquete sobre SAN, somando
51,2% do total de municípios. Uma das perguntas iniciais referiu-se à existência de Conselhos Municipais de Segurança Alimentar ativos ou
inativos, e a existência de marco legal que ampara o funcionamento desses
fóruns consultivos. Observa-se que houve um aumento do número de municípios com marco legal, e de
municípios com Consea ativo. Todavia, há em todas as 16 Comissões Regionais de
Segurança Alimentar e Nutricional (CRSANs) um número expressivo de Conseas municipais
inativos (Figura 1), seguramente em razão daquele ambiente político
institucional desfavorável que extinguiu o Consea Nacional em 2019,
desarticulando as organizações sociais em torno dos Conseas estaduais e
municipais. Considerando-se o
total de respondentes em 2021 e 2023, seguem os resultados parciais em
temáticas selecionadas que abrangem um conjunto de questões em SAN. 3.1 - Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional Foi solicitado que os respondentes
listassem algumas das ações de segurança alimentar desenvolvidas no município
em 2020. No segundo levantamento, a pergunta foi: “Quais os equipamentos de segurança alimentar existentes no
Município em 2022?”. Em 2020, ano da pandemia, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), política pública do governo
federal, e a doação de cestas básicas e cestas verdes (o PAA estadual) foram as ações mais citadas (Figura 2).
Em 2022, diversificaram-se as respostas, com menção às cozinhas
comunitárias/piloto e cozinhalimento, as hortas
comunitárias/escolares/educativas, e as feiras livres e/ou feiras do produtor (Figura 3). 3.2 - A Agricultura Familiar e Alimentação Escolar Em
relação às políticas de compras institucionais da agricultura familiar com o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), foi
perguntado, em 2021 e em 2023, se o município havia efetivado (sim ou não) a
compra de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar,
conforme preconiza a legislação do PNAE (Figuras 4 e 5). As figuras 4 e 5 revelam que, em
2020, em razão do período de isolamento social (pandemia do covid-19), somente
55% dos respondentes haviam realizado as aquisições de gêneros da agricultura
familiar para o PNAE. Em contrapartida, esses números em 2022 se elevam e
alcançam 82% dos municípios respondentes. Considerando-se que a Lei Federal n.
11.947/2009 do PNAE orienta para que as compras da agricultura familiar sejam
de no mínimo 30%, foi perguntado aos municípios qual o percentual das compras
realizadas nos anos de 2020 e 2022 (Figuras 6 e 7). Para efeito de análise, os
municípios foram classificados em três faixas de compras: a) 1% a 29%; b) 30% a 59%; e c) 60% a
100%. As figuras 6 e 7 indicam o
crescimento proporcional das compras de gêneros alimentícios da agricultura
familiar para alimentação escolar. Constata-se que em 2020 a maior parte dos
municípios, com 56% dos respondentes, não conseguiu atingir a meta preconizada
pela legislação do PNAE. Em 2022, 66% dos respondentes conseguiram alcançar e
até ultrapassar a meta, posicionando-se na faixa de compras entre 30% a 59%. 3.3 - Alimentos Orgânicos A presença de alimentos orgânicos na
alimentação escolar em 2022 é menos frequente entre os respondentes, uma vez
que 62% deles (204 respondentes) informaram que o abastecimento em gêneros
provinha da agricultura convencional. Em contrapartida, 27% dos informantes mencionaram
produtos orgânicos/agroecológicos na composição do cardápio da merenda. 3.4 - Mapeamento da Produção Local, Organização Social,
Assistência Técnica e Extensão Rural O mapeamento da produção local de itens
alimentícios, especialmente os provenientes da agricultura familiar e de
sistemas de produção orgânicos e agroecológicos, consiste em ação estratégica
para o êxito da política municipal de SAN. Em 2022, houve predominância de
respondentes (58%) que se mobilizaram para conhecer seu território do ponto de
vista da oferta de alimentos, enquanto outros 42% ainda carecem de mapear essa
oferta para estruturar ações comprometidas tanto com a mitigação da insegurança
alimentar quanto com o desenvolvimento rural regional. Por sua vez, a maior
parte dos respondentes (69%) informou existirem ações de apoio ao
cooperativismo de produção agropecuária e ao associativismo. Existe forte
potencial de entrelaçamento entre as estruturas vinculadas ao combate à fome e
à insegurança alimentar, e a assistência técnica e extensão rural públicas, uma
vez em que 59% dos informantes afirmaram que tanto a CATI como o ITESP acompanham
os produtores familiares do município (Tabela 1). 3.5 - Ações em Educação Alimentar e Nutricional (EAN) Observou-se que, em
2022, mais de 70% dos municípios tiveram ações para educação alimentar e
nutricional. Entretanto, as secretarias de educação correspondem a 68% do setor
em que ações são realizadas. Destaca-se a importância do profissional de
nutrição no estudo antropométrico dos estudantes em palestras/aulas voltadas à
alimentação saudável, ou na capacitação de profissionais que atuam na
alimentação escolar (Figura 8). 3.6 - Cursos de Capacitação em SAN Em 2022, dentre os 330 municípios participantes, 69%
ofereceram curso de manipulação de alimentos/boas práticas. Os cursos sobre
alimentação saudável, empreendedorismo e geração de renda e culinária
(panificação, marmitex etc.) foram mencionados em semelhante proporção, com 44%,
44% e 47%, respectivamente (Figura 9). 4 - CONSIDERAÇÕES E ENCAMINHAMENTOS Este texto corresponde a uma primeira versão de
sistematização do projeto Ações e
Políticas Públicas de Segurança Alimentar e Nutricional em Municípios do Estado
de São Paulo, em 2020 e 2022. Apresenta-se no quadro 1 uma proposta
inicial com recomendações que possam orientar as ações dos gestores estaduais e
municipais. Salienta-se
que este trabalho reflete os esforços em otimizar recursos e equipes do setor
público, aliando pesquisadores científicos do IEA e técnicos da Cosali, para um
diagnóstico crítico e propositivo a respeito do atual cenário de ações e políticas
públicas destinadas à
segurança alimentar e nutricional do estado de São Paulo. O intuito é oferecer
subsídios para a elaboração e/ou o aperfeiçoamento da política pública em
âmbito municipal e estadual conectadas com os fóruns de participação das
organizações sociais, para que a segurança alimentar e nutricional seja uma
realidade em nosso país. 1Este texto integra os
resultados parciais do projeto de pesquisa “Proposição de Ações Públicas
Voltadas à Segurança Alimentar e Nutricional: diagnóstico dos municípios do
estado de São Paulo em 2023”, coordenado pelo Instituto de Economia Agrícola
(IEA), da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), em parceria
com a Coordenadoria de Segurança Alimentar (Cosali), da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento de São Paulo (SAA-SP). 2FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. 2023. El
estado de la seguridade alimentaria y la nutrición em el mundo 2023. Urbanización, transformación de los sistemas
agroalimentarios y dietas saludables a lo largo del continuo rural-urbano. Roma,
FAO. Disponível em: https://doi.org/10.4060/cc3017en. Acesso em 20 de ago de
2023. 3Op. cit. nota 2. 4Rede PENSSAN. II Inquérito Nacional sobre Insegurança
Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil: II VIGISAN relatório
final. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar –
PENSSAN. São Paulo, SP. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf.
Acesso em agosto de 2023. 5Op. cit. nota 1. 6SÃO PAULO. Secretaria de Agricultura prepara ações
para comemorar a 28ª. Semana Estadual de Alimentação Saudável. São Paulo:
Assessoria de Comunicação, SAA, 09 de outubro de 2023. Disponível em: https://www.agricultura.sp.gov.br/pt/b/secretaria-de-agricultura-prepara-acoes-para-comemorar-a-28-semana-estadual-de-alimentacao-saudavel.
Acesso em 15 de out. 2023. 7Op. cit. nota 4. Palavras-chave: segurança
alimentar e nutricional, políticas públicas, governos municipais. COMO CITAR ESTE
ARTIGO RAMOS,
S. de F. et al. Diagnóstico Preliminar das Ações
e Políticas Públicas em Segurança Alimentar e Nutricional em Municípios do
Estado de São Paulo. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo,
v. 18, n. 10, out. 2023, p. 1-11. Disponível em: colocar o link do
artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.
Data de Publicação: 31/10/2023
Autor(es):
Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Paulo José Coelho (pjcoelho@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Fabiana Kawassaki Hirashima Consulte outros textos deste autor