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Notas sobre o 56º Congresso Brasileiro de Olericultura: agroindústria, comercialização, ensino, pesquisa e extensão rural, e as múltiplas trilhas para a horticultura
Na
semana de 1 a 5 de agosto de 2022 foi realizado em Bento Gonçalves, Rio Grande
do Sul, o 56º Congresso Brasileiro de Olericultura (56º CBO)2. A
partir de anotações da participação no evento, este texto tem por objetivo
compartilhar a agenda de trabalho e a investigação apresentada por especialistas
dos vários segmentos da horticultura que trataram o tema por múltiplas
abordagens teóricas e práticas. O evento foi promovido
pela Associação Brasileira de Horticultura (ABH) e realizado pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tendo como presidente o professor André
S. Strassburger, e como Presidente do Comitê Científico a professora Tatiana
Duarte, além do apoio de diversas instituições (Figura 1). Desde a década de 1960,
com a criação da Associação Brasileira de Horticultura (ABH) em 1961, o
Congresso Brasileiro de Olericultura (CBO) é um clássico encontro
técnico-científico que reúne agentes sociais dos segmentos das agroindústrias e
comercialização, de ensino, pesquisa e extensão rural no âmbito da
horticultura. Até 2012 os congressos promovidos pela ABH eram realizados
anualmente e, desde então, passaram a ser bianuais3. Todavia, diante
do isolamento social provocado pela pandemia da covid-19, o evento que
aconteceria em 2020 foi postergado por dois anos. A 56ª edição do CBO4,
celebrada com satisfação pelos participantes, recebeu um total de 1.040
inscrições, com a presença de congressistas de todo o país (Figura 2). O tema
escolhido para nortear os diálogos desta 56º edição do CBO foi Tecnologias
sustentáveis e cadeias curtas na produção de hortaliças, com três eixos centrais: novas tecnologias,
sustentabilidade da produção e organização das cadeias produtivas. Durante os
cinco dias do evento, os 80 palestrantes convidados discorreram
sobre os temas propostos, distribuídos em duas salas técnico-científicas (Figura
3). Das
apresentações do Eixo Técnico-Científico I, destaca-se a palestra de Thiago
Leandro Factor, do Instituto Agronômico (IAC), que abordou a “Produção de
minitubérculos de batata-semente em sistema de aeroponia”. Destaque dentre as
novas tecnologias apresentadas no evento, a produção de batata-semente por este
sistema de produção já auxilia o Brasil a reduzir a dependência das
batatas-semente importadas. Na mesa
Urban Farming, destaca-se a palestra didática e bem ilustrada com o cultivo indoor e as fazendas urbanas no Brasil,
proferida pelo pesquisador científico Luis Felipe Villani Purquerio, do IAC. A
inovação, apresentada pela primeira vez num CBO, visa a sustentabilidade da
produção de hortaliças em ambiente fechado nas cidades, com a redução no
consumo de água. O cultivo indoor
também está relacionado com as cadeias curtas na produção e comercialização de
hortaliças, pois permite que o alimento seja cultivado no restaurante,
supermercado ou muito próximo dos consumidores. A inovação tecnológica nesse
sistema produtivo permite reduzir os custos com a logística de distribuição e
as perdas pós-colheita dos nossos alimentos. Outras
palestras do Eixo I abordaram interessantes avanços científicos e tecnológicos
no cultivo do morangueiro, das hortaliças biofortificadas, do tomateiro, da
batatinha inglesa e das culturas de cebola e alho. As boas práticas agrícolas,
a rastreabilidade na produção e o sistema de plantio direto de hortaliças
também foram abordados. Registra--se a apresentação dos casos de plantio direto
em Santa Catarina. Os extensionistas e os agricultores apresentaram suas
experiências com a cultura de chuchu e cebola em sistema de plantio direto,
permitindo aos congressistas vivenciar os dois lados (do técnico e do
agricultor) na implantação do sistema. Cabe
destacar a fala da agricultora Solange Back, que ouviu de turistas em festa
comunitária de seu bairro que determinado agricultor deveria ser muito relaxado,
porque havia plantas espontâneas (mato) crescendo nas parreiras de chuchu. Não
sabiam que a propriedade era da família Back, justamente, de quem estavam
comprando uma merenda na festa. Segundo a agricultora, Solange, naquele
momento, ouvir aquilo doeu muito no coração de quem estava começando no sistema
de plantio direto. Por sua vez, o extensionista da EPAGRI, o agrônomo Marcelo
Zanella, compartilhou o difícil relacionamento que tinha com a mãe do
agricultor Edson Germano Back, que não gostava de ver a cultura no “sujo”.
Contudo, pouco antes da matriarca da família Back falecer, ela agradeceu ao
extensionista por “tirar o filho dela do veneno”. Nas mesas
do Eixo técnico-científico II, constaram temas emergentes sob a ótica da
produção orgânica e agroecologia, dos pequenos negócios e cadeias curtas.
Tratou-se das novas relações com os consumidores (feiras), das inovações nos
sistemas de produção (fertirrigação, hidroponia, sementes orgânicas), agregação
de valor, as redes e os circuitos curtos de comercialização, e os mercados
justos e institucionais. Um espaço
significativo na programação do evento foi destinado aos trabalhos acerca do
potencial de uso das plantas medicinais, com Filipe Bonfim da UNESP e Daniel
Oliveira da Natura, bem como da atualidade das áreas de pesquisa, ensino e
extensão com as plantas alimentícias não convencionais (PANCs). O cultivo,
processamento, comercialização e consumo de PANC foram apresentadas ao público
com os depoimentos de Francile Ballé, da família da Agroindústria Bellé, Irany
Arteche, nutricionista não-convencional, e com as diversas possibilidades
gastronômicas abordadas pelas palestrantes Vanessa Knopp, Daniela Berquo e
Jaqueline Durigon. Mariane
Carvalho Vidal, da Embrapa Hortaliças, que coordenou o Programa Nacional de
Bioinsumos iniciado com o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
(PLANAPO), trouxe uma perspectiva abrangente aos bioinsumos enquanto conceito
amplo que inclui práticas, processos e produtos, e não como sinônimo de
bioproduto. Um dos desafios para a agricultura orgânica são os insumos para a
produção e, neste sentido, a pesquisadora ressaltou o potencial dos bioinsumos
diante da infinidade da diversidade vegetal e microbiológica. Salientou que é
preciso avançar em processos (garantia, eficiência e protocolos), na
legislação, pesquisa e desenvolvimento nos territórios, na formação
profissional e em investimentos públicos. Na mesa “A
nova relação entre o consumidor e os alimentos”, Roger Klafke, do Sebrae-RS,
expôs tendências do consumo alimentar associado a praticidade e conveniência e a
preocupações com a origem, sustentabilidade e saudabilidade na produção, com
produtos que ajudem na imunidade (orgânicos), além da maior demanda por
proteínas alternativas (vegetais) em substituição às proteínas de origem
animal. Frisou a necessidade de melhorar a comunicação com os consumidores para
valorizar os produtos da horticultura em sua safra. Ao citar pesquisa sobre a
cadeia de suprimentos, realçou que 45% dos consumidores não admitem produto
artificial na comida5. O ativista
do slow food, Rodrigo Bellora, afirmou que “comer é um ato político'' e “um bom
prato nasce no campo”. Para o chef, que
trabalha a “cozinha de natureza” apoiada no sistema de produção agroecológico,
é preciso entender as relações homem-
-natureza e produtor-consumidor para escolhas que assegurem a soberania
alimentar, desde a produção de nossa própria semente até o consumo dos
alimentos. A dimensão da educação alimentar e nutricional e a conscientização
de consumidores apareceu com o relato emocionante de Viviane Pretz, do Plantar,
Colher e Cozinhar. O
representante da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL), Ruy
Silveira, salientou a relação entre economia e consumo, indicando a queda no
consumo das famílias desde 2016, acentuada com a pandemia covid-19. Se a
elevação dos preços dos alimentos corresponde à queda no consumo alimentar, por
outro lado, o aumento do número de
empregos
sugere a elevação do consumo, ainda que haja diferenças no padrão alimentar por
grupos de alimentos, segundo a classe de renda. Portanto,
são fundamentais os equipamentos públicos para acesso aos alimentos para
populações de baixa renda, como observou Ailton Machado, presidente da Ceasa-RS.
E, também, a organização das feiras de produtores, destacada por Alberto
Bracagioli Neto (UFRGS), as parcerias com startups para as ferramentas virtuais
de comercialização evidenciada por Márcia Ruff (EMATER-RS), e o mérito da
assistência técnica rural pública, da organização social dos agricultores em cooperativas
para acessar os mercados institucionais, apresentada por Micheli Bresolin
(Coomafitt). As
comunidades que apoiam a agricultura, “Comunidade que Sustenta a Agricultura” (CSA),
em que o alimento deixa de ser mercadoria para garantir a soberania alimentar,
foi outra temática do evento. Oscar José Rover, da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), explanou sobre as demandas dos consumidores (preços e
qualidade) e a diversidade de tipos de CSA. O professor Rover apontou o
compromisso dos movimentos sociais em resgatar a centralidade dos alimentos
para a vida e sociedade. No contexto agroalimentar contemporâneo, a
agrobiodiversidade, as CSA e os circuitos curtos de comercialização têm nos
alimentos orgânicos e agroecológicos seus motivadores. Sugere, então, a criação
de cinturões verdes agroecológicos e as células de abastecimento alimentar nos
territórios. Alexandre Baptista (Ali), da Associação
Comunitária Recanto da Folha, trouxe a experiência de Porto Alegre e Vale do
Taquari, no Rio Grande do Sul, na organização de CSA inspirada na agricultura
biodinâmica de Rudolf Steiner. Para Ali, a CSA é agricultura solidária e
tecnologia social, alternativa para apoiar o cultivo local de alimentos
orgânicos, promovendo a interação produtor-consumidor para sair da “cultura do
preço” para a “cultura do apreço”, em uma relação fraterna e de confiança com
os coagricultores. A
perspectiva social e a multifuncionalidade da agricultura urbana e periurbana
foi apresentada pela professora Tatiana Duarte (UFRGS). Os resultados exitosos
de projetos de aproveitamento de espaços ociosos para hortas educativas e
combate à fome, em especial, o trabalho de extensão com a horticultura
comunitária em penitenciária têm favorecido a segurança alimentar, geração de
renda e a integração social dos detentos. O vereador
Marquito enfatizou também enfatizou as multifunções da agricultura urbana e
periurbana, dentre as quais a importância da formação de corredores ecológicos,
a dimensão terapêutica e cidadã, e o trabalho com as hortas enquanto espaço de
transformação e ressocialização envolvendo pessoas em condição de rua. As
soluções verdes para as cidades do futuro ainda carecem de políticas públicas
de assistência técnica e de acesso à terra. Daí destaca-se a articulação da
sociedade, que resultou na aprovação da Política Municipal de Agroecologia e
Produção Urbana em Florianópolis. A
programação técnico-científica contou, também, com cinco minicursos, uma sessão
de apresentação de trabalhos oral e nove sessões de pôsteres que ocorreram em três
momentos do dia ao longo do evento. Foram aprovados para apresentação
eletrônica um total de 350 pôsteres, agrupados em 16 grandes temas (Figura 4). Salienta-se
que, entre os seis pôsteres aprovados da área de Economia e Comercialização,
dois foram desenvolvidos no âmbito dos institutos de pesquisa da Agência Paulista
de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento de São Paulo (SAA-SP). O pôster “Perfil
de agricultores e consumidores da Feira Agroecológica de São Roque, SP”,
coordenado pelo pesquisador científico Sebastião Wilson Tivelli, da Unidade
Regional de Pesquisa e Desenvolvimento (UPD) São Roque, foi elaborado com as
pesquisadoras da UPD de Ubatuba e pesquisadores do Instituto de Economia
Agrícola (IEA). No contexto das diretrizes e incentivos de políticas públicas, como
a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PEAPO) do Estado de
São Paulo e do Protocolo de Transição Agroecológica, destaca-se a inserção da
agricultura familiar no mercado de produtos agroecológicos e orgânicos por meio
dos circuitos curtos de comercialização com a Feira Agroecológica de São Roque,
São Paulo6. O pôster “Inovação
no levantamento dos preços recebidos pelos produtores de olerícolas no estado
de São Paulo – SP”, coordenado pelo pesquisador científico Danton Bini, teve a
participação de pesquisadores do IEA em parceria com técnicos da Coordenadoria
de Assistência Técnica Integral (CATI) e da Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB)7. Apresenta a modernização na rotina de levantamento dos
preços médios mensais recebidos pelos produtores agropecuários de São Paulo. Em
2022, ampliou-se o rol de olerícolas selecionadas tendo em vista ser referência
a políticas públicas como o Programa Paulista de Agricultura de Interesse
Social (PPAIS) e a Política de Garantia de Preços Mínimos de produtos da
biodiversidade (PGPM-Bio). No maior
evento da ABH é realizada a Assembleia Geral Ordinária (AGO) da Associação. Na
ocasião, os associados aprovaram a criação de grupo de trabalho para revisar o estatuto
social. Na cerimônia de encerramento, houve uma apresentação cultural de um
grupo gaúcho de música e dança. Após o fechamento, os congressistas voltaram
para suas cidades encantados com a calorosa receptividade gaúcha e com novas
ideias de trabalho e parcerias de pesquisa, ensino e extensão. 1Os autores agradecem a Elaine
Abramides e Lucas Simões, da INFOBIBOS, por informações do 56° CBO. 256º Congresso Brasileiro de
Olericultura. Bento Gonçalves. 2022. Disponível em: http://
http://www.56cbo.com.br/index.html. Acesso em: ago. 2022. 3Associação Brasileira de
Horticultura, Recife. 2022. Disponível
em: http://www.abhorticultura.com.br/cbo.html. Acesso em: ago. 2022. 4A 56° edição do CBO contou com o
apoio da EMATER-RS, EMBRAPA, SEBRAE, Instituto Federal do Rio Grande do Sul,
Universidade de Caxias do Sul-RS e Universidade Federal de Pelotas-RS. 5Zebra Technologies Corporation. Como fechar a lacuna de confiança: a
tecnologia e a cadeia de suprimentos alimentícia. Lincolnshire . 2022.
Disponível em: https://www.zebra.com/content/dam/zebra_new_ia/en-us/solutions-verticals/vertical-solutions/vision-study/food-safety-vision-study-2020-pt-br.pdf?tactic_type=PRP&tactic_detail=HP_Food+Safety+VS+es+Press+Release_DC_LATAM_None .
Acesso em: ago. 2022. 6TIVELLI, S. W.et al. Perfil de agricultores e consumidores da
Feira Agroecológica de São Roque, SP. Anais do 56° Congresso Brasileiro de
Olericultura. Bento Gonçalves-RS, ago. 2022. 7BINI, D. L. de C. et al. Inovação no levantamento dos preços
recebidos pelos produtores de olerícolas no estado de São Paulo – SP. Anais
do 56° Congresso Brasileiro de Olericultura. Bento Gonçalves-RS, ago. 2022. Palavras-chave: horticultura, cadeias curtas, tecnologias sustentáveis. COMO CITAR ESTE ARTIGO RAMOS,
S. F.; TIVELLI, S. W. Notas sobre o 56º Congresso Brasileiro de Olericultura: agroindústria,
comercialização, ensino, pesquisa e extensão rural, e as múltiplas trilhas para
a horticultura. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 17,
n. 9, p. 1-9, 2022. Disponível em: colocar o link do artigo.
Acesso em: dd mmm. aaaa.
Data de Publicação: 02/09/2022
Autor(es):
Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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