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Política antitruste no Brasil: breves considerações
O
Governo dispõe de amplo arsenal de instrumentos de política econômica que afetam
direta e indiretamente todos os agentes econômicos da sociedade. Entre os
instrumentos mais difundidos estão a política monetária e a política fiscal. A
primeira permite ao Governo manipular variáveis monetárias, como por exemplo a
taxa de juros, e conseqüentemente influenciar variáveis pertencentes ao lado
real da economia, tais como nível de investimento, emprego, renda e produto. 1VISCUSI, W. Kip; VERNON, John M.; HARRINGTON JR, Joseph E. Economics of regulation and antitrust.
United States of America: MIT Press. Second edition. 1995. 890p.
Outro importante instrumento utilizado pelo Governo é a política fiscal. Nesse
caso, ele exerce sua influência sobre o lado real da economia alterando impostos
e gastos públicos. No entanto, não se deve esquecer que o Governo também é capaz
de regular o comportamento tanto de firmas quanto de indivíduos.
Mais precisamente, conforme enfatizado por VISCUSI, VERNON, HARRINGTON JR. (1995)1, o Governo também regulamenta a tentativa de empresas de obterem maior poder de monopólio2,
além de fixar tarifas públicas, determinar o controle de poluição relacionado ao
processo de produção das firmas, estabelecer freqüências de emissoras de TVs e
rádios, etc. Por sua vez, em relação aos indivíduos, a sua ação pode ser direta
como no caso da obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, ou então regulando
preços de mercado ou os próprios produtos disponíveis aos consumidores, visando
dessa forma resguardar a segurança destes últimos ao utilizarem tais produtos.
Como se pode perceber, o espectro de atuação do Governo na economia assume
caráter bem amplo.
Sem sombra de dúvida, a década de 90 foi demasiadamente importante para a
economia brasileira em função de diversos fatores, os quais provocaram profundas
transformações em sua estrutura. Entre esses fatos marcantes pode-se enfatizar a
ampliação do grau de abertura econômica iniciada nos primórdios da referida
década, abertura essa que foi amplificada pela implementação do Plano Real em
julho de 1994, pela consolidação do Mercado do Cone Sul (MERCOSUL) no mesmo
período e também pela reformulação do papel do Estado na economia.
Mais precisamente, o antigo modelo econômico embasado na intervenção direta
praticada pelo Estado na economia, onde esse último detinha o controle e também
era o responsável pelos investimentos em vários setores, principalmente ligados
à infra-estrutura, foi substituído por outro, onde o papel do Estado agora se
limita à regulação desses setores, entre os quais podem citar-se energia
elétrica, telecomunicações, etc. Portanto, houve uma redefinição do papel do
Estado na economia brasileira nos anos 90s.
Diante desses fatos, novos termos surgiram no dia a dia do brasileiro, como por
exemplo regulação econômica, política de defesa da concorrência, política
antitruste, agências reguladoras e poder de mercado.
Sendo assim, esse trabalho procura tecer algumas considerações do que seja
política antitruste e quais são seus respectivos objetivos.
A política antitruste no Brasil ainda é um fenômeno relativamente recente, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos onde é implementada desde o final do século XIX. A política antitruste existe no Brasil desde os anos 60s, quando foi instituído o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE), em 1962, com a principal função de intervir em situações relacionadas com condutas anti-competitivas. O CADE, no entanto, só obteve os instrumentos e as funções atuais com a publicação em 1994 da Lei Antitruste (Lei 8.884/94), também conhecida como Lei da Concorrência, a qual o transformou em um organismo moderno de controle de
estruturas e de condutas.
Basicamente, a finalidade da política de defesa da concorrência consiste em
garantir e/ou estimular ambientes econômicos competitivos, visando dessa forma à
maior eficiência econômica seja no âmbito da produção quanto do próprio
consumidor.
Nesse ponto, é necessário definir o que seja um ambiente econômico competitivo e
porque ele conduz a uma situação de eficiência econômica. Num mundo ideal,
prevaleceria o modelo de concorrência perfeita, cujas hipóteses, resumidamente
são: 1) grande número de vendedores e compradores de um produto em todos os
mercados; 2) os produtos são homogêneos (idênticos), pois a tecnologia de
produção é a mesma para todos os produtos; 3) livre entrada e saída em cada
mercado, ou seja, não há custos que tornem difícil para uma empresa ingressar em
(ou abandonar) determinado setor; e 4) não há assimetria de informação, tanto
pelo lado da produção quanto pelo lado da demanda, uma vez que, nesse último
caso, os consumidores conhecem os preços e as qualidades técnicas de todos os
produtos que estão disponíveis no mercado.
Portanto, no modelo de concorrência perfeita as empresas são tomadoras de
preços, dado que suas respectivas curvas de demanda são horizontais. Em função
desse fato, caso as empresas decidam estabelecer um preço acima do preço de
mercado, a quantidade demandada por seus produtos cairá a zero. Se estabelecerem
um preço abaixo, perderão receita, pois seus reduzidos tamanhos não permitirão
que elas consigam abastecer todo mercado.
Pelo lado da demanda, o modelo de concorrência perfeita permite que o consumidor
maximize seu respectivo bem-estar, pois a competição entre as empresas produz o
menor nível de preços entre todos os demais modelos microeconômicos e, como
resultado, o excedente do consumidor também é maximizado.
No entanto, a realidade econômica é bem diferente daquela que prevalece nos livros textos de microeconomia, pois em muitos segmentos há predomínio de um pequeno número de empresas, especialmente no caso de serviços públicos onde há uma única empresa atuando (monopólio)1.
Contrariamente ao modelo de competição perfeita, o monopólio é formador de
preço. Nesse caso, a quantidade produzida é menor do que aquela em concorrência
perfeita e, conseqüentemente, o preço praticado no mercado é mais elevado. Daí a
justificativa para o Governo utilizar a legislação antitruste, no sentido de que
a elevação da concentração em determinado mercado possa ameaçar o caráter
competitivo de determinado mercado e como resultado reduzir o nível de bem-estar
do consumidor.
A Política de Defesa da Concorrência é implementa e defendida pelo Estado
através da denominada Lei Antitruste. No caso brasileiro, a lei que trata da
questão relacionada a esse tema (Lei 8.884/94) permite ao Estado reprimir o
abuso do poder econômico que vise dominar mercados, causando a eliminação da
concorrência, ou então ao aumento arbitrário de lucros.
Três são os pilares de sustentação e aplicação da Política de Defesa da
Concorrência, todos eles na esfera do poder executivo federal. O mais conhecido
deles é o CADE, que é uma autarquia cuja função reside em julgar os casos que
possam prejudicar o ambiente competitivo. Mais precisamente, o CADE tem o poder
para não somente determinar a cessação de uma prática considerada
anticompetitiva, como também aplicar multas e autorizar determinados atos que
conduzam à concentração em determinado mercado.
As investigações e a instituição de processos são de responsabilidade da
Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão esse subordinado ao Ministério da
Justiça. Finalmente, o organismo responsável por pareceres econômicos em relação
aos casos que estão sendo analisados é a Secretaria de Acompanhamento Econômico
(SEAE), a qual é subordinada ao Ministério da Fazenda.
Em linhas gerais, o principal objetivo da Política de Defesa da Concorrência
está em limitar o exercício de poder de mercado das empresas. A elevação do
poder de mercado por parte de uma empresa pode prejudicar o ambiente competitivo
e gerar ineficiências que podem reduzir o bem-estar econômico do consumidor. É
preciso enfatizar que a Lei Antitruste não necessariamente repudia o poder de
mercado, nem torna a concretização de monopólios ilegais. Ela apenas tenta
controlar como essa elevação do poder de mercado é adquirida. Em outras
palavras, a Lei Antitruste tem o objetivo de reprimir o exercício considerado
abusivo do aumento do poder de mercado.
Apesar de alguns(mas) atos de concentração e/ou condutas consideradas restritivas resultarem em efeitos negativos sobre a concorrência, ainda assim eles(as) podem conduzir a ganhos em termos de eficiência que mais que compensem seus respectivos efeitos negativos. Entre os ganhos de eficiência, podem ser citados os seguintes exemplos: 1) reduções de custos proporcionadas pelas economias de escala e/ou de escopo; 2) elevação de produtividade e/ou qualidade; 3) inovações tecnológicas; 4) economias relacionadas aos custos de transação; etc. Nesses casos, há consenso entre os economistas de que esses atos ou condutas não devam ser reprimidos(as), pois a aplicação da lei antitruste induziria a permanência de situações onde predominariam ineficiências nos respectivos mercados, obtendo dessa forma resultados contrários aos interesses sociais, cuja própria lei antitruste procura resguardar.3
Portanto, todo ato de concentração deve ser avaliado em termos relativos e não
absolutos, ou seja, ao analisar um determinado ato que conduza à concentração de
determinado segmento de mercado, esse ato deve ser analisado pela autoridade
antitruste comparando os efeitos líquidos dessa operação (efeitos positivos –
efeitos negativos). Da mesma forma, as condutas não podem ser consideradas
anti-competitivas antes da avaliação de eventuais efeitos benéficos que possam
acarretar.
Para finalizar, é preciso enfatizar que o tema relacionado com política
antitruste e regulação econômica é um campo demasiadamente vasto e seria
praticamente impossível de abordar aqui outros aspectos relacionados a essas
duas áreas da ciência econômica. Sendo assim, esse texto procurou apenas
levantar alguns pontos relacionados à política antitruste, tema esse
relativamente novo no contexto brasileiro. No entanto, diante das mudanças
estruturais ocorridas no Brasil, principalmente a partir da década de 90, devem
ser efetuados esforços no sentido de aprimorar e fortalecer a política
antitruste e de regulação econômica, visando dessa forma evitar que interesses
da esfera privada venham a suplantar os interesses da sociedade.
2O poder de monopólio, também denominado poder de mercado é definido por PINDYCK, RUBINFELD (2001) como a habilidade do vendedor ou do comprador em afetar o preço de um produto. PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomics. United States of America: Prentice Hall.
Fifth edition. 2001. 700p.
3MELLO, Maria T.L. Defesa da concorrência. In: Economia Industrial: fundamentos teóricos e práticas no
Brasil. David Kupfer e Lia Hasenclever. Rio de Janeiro: Campus. 2002. 640p.
Data de Publicação: 15/09/2004
Autor(es): Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor