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El Niño 2002-03 E A Anomalia Climática
O El
Niño é um fenômeno climático relacionado ao aquecimento anormal das águas
superficiais do Oceano Pacífico Equatorial, sendo uma das fases do El
Niño-Oscilação Sul (ENOS). No Peru, arquivos de documentos dos primeiros
colonizadores confirmam que seus impactos (inundação, distúrbio na vida marinha,
etc.) eram conhecidos no tempo em que o primeiro conquistador, Pizzaro, colocou
ali os pés em 1525. Segundo os indicadores paleoclimáticos, como evidências
geológicas e anéis de crescimento das árvores, esse evento vem ocorrendo por
milhares de anos e provavelmente tanto quanto ocorreu no século XX (ENFIELD
& ENFIELD, 2002). 1. As temperaturas da
superfície do mar no Oceano Pacífico, na altura do Peru, elevam-se
dramaticamente, alterando a circulação da atmosfera e acarretando a formação de
nuvens causadoras de chuva e a redução da velocidade dos ventos que normalmente
sopram para oeste. Dois indicadores são os mais utilizados para medir a ocorrência e a intensidade do El Niño: Índice de Oscilação Sul (IOS ou SOI) e Anomalia de Temperatura da Superfície do Mar (SSTA). A Oscilação Sul (OS) caracteriza-se por uma 'gangorra barométrica' de grande escala observada sobre a Bacia do Pacífico Tropical. Walker e Bliss (1932, 1937), citado por INFORMAÇÕES (2002), definiram a OS como uma flutuação inversa verificada na pressão ao nível do mar nas estações de Darwin (12.4S - 130.9E) localizada no norte da Austrália e Tahiti (17.5S - 149.6W) situada no Oceano Pacífico Sul. A diferença entre as pressões normalizadas (em desvio padrão) nas estações de Tahiti e Darwin é definida como o Índice de Oscilação Sul (IOS). Este índice é geralmente negativo nos anos de El Niño e positivo nos anos de La Niña, tendo dados disponíveis para mais de um século, KESSLER (2002) (figura 1).
Também foram achadas evidências geológicas de ocorrências em comunidades
peruanas costeiras de pelo menos 13.000 anos atrás. Os Incas, que tinham
conhecimentos sobre o El Niño, construíam suas cidades nos topos de colinas e a
população mantinha estoques de comida nas montanhas; se as construíam na região
costeira, não era perto de rios. Mas apenas há cerca de 25 anos o resto do mundo
começou a prestar atenção nesse fenômeno, após a devastação causada em 1982-83,
intensificando esforços para entender como o processo ocorre globalmente.
O El Niño 1997-98 foi marcado, pela primeira vez na história humana, como a
ocorrência em que os cientistas de clima puderam predizer com antecedência
épocas de inundação anormal e meses de secas, permitindo que populações
ameaçadas se preparassem a tempo (SUPLEE, 2002).
Em condições normais, os ventos alísios sopram para o oeste através do Pacífico
Equatorial. Estes ventos empilham para cima água de superfície morna no Pacífico
ocidental, de forma que a superfície do mar seja aproximadamente meio metro mais
alta na Indonésia do que no Equador. Durante a ocorrência do El Niño, os ventos
relaxam no Pacífico central e ocidental e a temperatura da superfície do mar
fica aproximadamente 8 graus Celsius mais alta na região oeste. Basicamente,
ocorrem três sinais típicos:
2. As correntes de ar no Pacífico Sul
deixam de fluir de leste a oeste e ficam mais estagnadas, ocasionalmente fluindo
de oeste para leste. As nuvens carregadas de chuva seguem a água morna em
direção leste. Como conseqüência, ocorrem inundação no Peru e seca na Indonésia
e Austrália. A mudança na atmosfera em cima do Oceano Pacífico muda padrões de
clima globais, com mudanças dramáticas no mundo inteiro, não só nas áreas perto
do Pacífico tropical.
3. No mar aberto, a água na zona
iluminada pelo sol tem uma temperatura mais alta do que a da água profunda. Em
condições normais, o processo de ressurgência traz água mais fria para o topo,
trazendo junto nutrientes ricos. Nos anos de El Niño, as temperaturas da água
elevam-se no Pacífico, servindo como uma capa que impede a chegada desses
nutrientes ricos para a zona iluminada pelo sol, habitada pela maioria das vidas
marinhas (que morrem), afetando portanto a cadeia alimentar e pescas comerciais
(EL NIÑO, 2002a; EL NIÑO, 2002b; INFORMAÇÕES, 2002).
Figura 1 – Índice de Oscilação Sul (IOS), 1876-1998
Fonte: KESSLER (2002).
A anomalia de temperatura é a diferença de temperatura em relação à média histórica. A mensuração ocorre em regiões denominadas de Niño (ou Nino) no Pacífico Equatorial, quais sejam, Niño 1+2 (0-10S, 90-80W), Niño 3 (5N-5S, 150-90W), Niño 4 (5N-5S, 160E-150W) e Niño 3.4 (5N-5S, 170-120W), esta última abrangendo partes de Niño 3 e 4, conforme figura 2, INFORMAÇÕES (2002). A anomalia de temperatura é uma variável mais fácil de ser compreendida pelos leigos, mas a disponibilidade de dados históricos é bem menor que o de IOS.
Figura 2 – As Regiões de Niño
Fonte: INFORMAÇÕES (2002).
As
predições sobre o El Niño 1997-98 permitiram, pela primeira vez, que as
populações ameaçadas se preparassem a tempo. A Administração Nacional
Norte-americana de Oceano e Atmosfera (NOAA) anunciou primeiro um possível El
Niño já em abril de 1997, seguida por Austrália e Japão. Isso ajudou aos
agricultores e pescadores do Peru a ter um melhor aproveitamento dos efeitos: a
pastagem foi cultivada em terra que é normalmente estéril e os fazendeiros
criaram gado; arroz e feijão puderam ser plantados em áreas normalmente muito
secas para o cultivo; e os pescadores puderam planejar a pesca do camarão em
águas litorais, geralmente muito frias para o molusco, SUPLEE (2002).
Em julho de 2002, a NOAA anunciou oficialmente o retorno do El Niño (GILLIS, 2002). Qual será o seu comportamento e quais serão seus efeitos esperados sobre o clima? Os efeitos já conhecidos, em termos globais, durante o inverno e o verão do Hemisfério Sul podem ser vistos na figura 3:
de junho a agosto, chuvoso no sul do Brasil e mais quente na região Sudeste a
Nordeste; de dezembro a fevereiro, chuvoso na região Sul, quente no Sudeste e
seco no Nordeste. Em ambas as estações, uma grande área cobrindo a Indonésia e o
norte da Austrália é mais seca, enquanto que numa grande área na linha do
Equador chove muito sobre o Oceano Pacífico (CENTRO, 2001). Portanto, nos anos
de El Niño os efeitos típicos são a falta ou o excesso de chuvas em diversas
regiões, temperaturas mais elevadas na maior parte do globo ou temperatura mais
baixa na parte sul dos Estados Unidos.
Figura 3 – Efeitos Conhecidos do Fenômeno El Niño
Fonte: CENTRO, 2001.
O Climate Prediction Center, que acompanha e analisa permanentemente o El Niño-Oscilação Sul, divulga mensalmente o diagnóstico e a previsão da evolução do ENOS através de seu site. O último boletim, de novembro, mostra uma grande área no Pacífico Equatorial com temperaturas superficiais entre 29 e 30 graus C e anomalias de até 2 a 3 graus, conforme a figura 4 (CLIMATE, 2002a). Está prevista a continuidade de SSTA positivo, principalmente nas regiões de Nino 4, Nino 3.4 e Nino 3 e de SOI negativo em 2003, sinais que estão dentro do padrão de evolução do El Niño, de acordo com a figura 5 (CLIMATE, 2002b).
Figura 4 – Temperatura e Anomalia de Temperatura da
Superfície do Mar, Out./2002
Fonte: CLIMATE, 2002a.
Figura 5 – Previsão da Evolução dos Índices de Anomalia de
Temperatura
Superficial e de
Oscilação Sul, 2003-2004
Fonte: CLIMATE, 2002b.
De agosto a outubro de 2002, a anomalia de precipitação ocorrida no território brasileiro foi de excesso de chuvas entre 75 a 150 mm no Sul e falta de chuvas entre 75 a 150 mm na pequena mancha da Bahia e parte da região Norte. Em termos globais, destaca-se a anomalia de chuvas de até 400 mm a menos sobre a Indonésia e América Central, excesso de precipitação de até 600 mm a mais sobre o Pacífico ao lado direito da Indonésia, na figura 6 (CLIMATE, 2002c)
Figura 6 – Anomalia de Precipitação Pluviométrica, Agosto a
Outubro de 2002
Fonte: CLIMATE, 2002c.
No
último boletim de diagnóstico, o Climate Prediction Center fornece os seguintes
impactos globais: 1) seca acima da média histórica na Indonésia e no leste da
Austrália continuando nos próximos meses; 2) chuvas acima da média histórica no
sudeste da América do Sul (Uruguai, nordeste da Argentina, e sul do Brasil) no
decorrer do final de 2002; 3) seca acima da média histórica no sudeste da África
durante dezembro de 2002 a fevereiro de 2003; 4) seca acima da média histórica
no Nordeste do Brasil e norte da América do Sul durante dezembro de 2002 a abril
de 2003; e 5) chuvas acima da média histórica na costa do Equador e norte do
Peru durante dezembro de 2002 a abril de 2003, (CLIMATE, 2002d). E prevê que,
baseado nas condições oceânicas e atmosféricas observadas e as previsões de
temperatura da superfície do mar, o El Niño deve continuar na primavera (do
Hemisfério Norte) de 2003, (CLIMATE, 2002e).
Os usos potenciais de informação antecipada do fenômeno climático são quase
ilimitados. Por exemplo, os produtores de café do Quênia recebem maior demanda
pelos seus produtos quando as secas afetam colheitas de café no Brasil e na
Indonésia. A produção de óleo de palma nas Filipinas declina normalmente durante
o El Niño, assim como a captura de lula na costa da Califórnia. Países que se
antecipam à evolução do evento podem beneficiar-se desse conhecimento, ou ao
menos salvar vidas construindo drenos ou armazenando suprimentos de emergência,
como ocorreu no Peru em 1997-98 (SUPLEE, 2002).
Em relação ao mercado de feijão, o setor pode enfrentar problemas de excesso de
chuvas nos meses de dezembro a janeiro no sul do país, principalmente no Estado
do Rio Grande do Sul, e em menor grau no Estado de São Paulo, durante colheita
da primeira safra (feijão das águas). Na região nordeste, o desenvolvimento da
primeira safra de feijão pode ser comprometido pela estiagem, em menor grau, mas
acima de tudo pode afetar seriamente o plantio da segunda safra, dada a previsão
da Climate Prediction Center da possibilidade de ocorrência da severa estiagem
na região, de dezembro de 2002 a abril de 2003. Assim, o acompanhamento em tempo
real da evolução do El Niño 2002-2003 é fundamental para que todo o potencial
proveniente do conhecimento seja otimizado, tanto para minimizar prejuízos como
para maximizar os lucros nas atividades econômicas e sociais.
Literatura Citada
CENTRO DE PREVISÃO DE TEMPO E ESTUDOS CLIMÁTICOS (CPTEC). INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE). Efeitos conhecidos do El Niño. Disponível em: http://cptec.inpe.br/products/elninho/efeitos.gif. Acesso em: 10 abr. 2001.
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Data de Publicação: 01/12/2002
Autor(es): Ikuyo Kiyuna Consulte outros textos deste autor