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Causas do Atual Ciclo de Alta de Preços de Commodities
Não é novidade que os preços internacionais de commodities estão em
trajetória de alta. Preços de milho, trigo, soja, arroz, petróleo, níquel,
estanho, entre outros, testam novos recordes históricos nos últimos meses. O que
é novidade e o que surpreende é a longevidade deste ciclo de alta. Aumentos dos
preços internacionais vêm ocorrendo desde o início de 2002, ou seja, há mais de
6 anos. Com isso, o atual movimento das cotações destoa-se do padrão histórico
dos ciclos de preços de commodities. Estudos indicam que ciclos de alta
dos preços de commodities tendem a perdurar em média por 29 meses. Ciclos
de baixa de preços de commodities, por sua vez, tendem historicamente a
ser não apenas mais longos, com duração média de 39 meses, como mais intensos
que os de alta. O que também surpreende é que a despeito da acomodação da
atividade econômica mundial, o aumento dos preços internacionais não está se
arrefecendo. Pelo contrário, está se acelerando. Em 2007, estes aumentaram em
11,8%. Nos últimos 12 meses, até abril deste ano, esta elevação foi de 18,8%
conforme o índice do CRB (Commodity Research
Bureau)1.
Quais as causas deste
ciclo? Sabe-se que a demanda dos países emergentes por commodities vem se
expandindo nos últimos anos. Mas isso não significa que esta seja a única
motivação para o aumento de seus preços. Ambas, demanda e oferta ajudam a
explicar ao menos parte das causas do atual ciclo. E quais os efeitos do atual
ciclo para o Brasil? Ciclos de commodities podem impactar a economia
brasileira de diferentes formas.
Pelo menos dois
fatores relacionados à demanda ajudam a explicar o movimento de alta de preços
internacionais. Primeiro, é fato que economias emergentes vêm impulsionando a
demanda por esses ativos, uma tendência que deverá continuar nos próximos
anos. Incrementos anuais no consumo global dos principais grupos de
commodities durante o período de 2001 a 2007 foram superiores aos do
período de 1980 a 1990. Isso resultou do crescimento da renda per capita,
da rápida industrialização e do crescimento populacional nas economias
emergentes. Esses fatores contribuíram para a aceleração do ritmo de crescimento
da demanda nos últimos anos.
Há
exemplos desta crescente demanda de economias emergentes, em especial da
chinesa, em relação a diferentes tipos de commodities. Entre as
commodities metálicas, a economia chinesa sozinha foi responsável por
cerca de 90% do aumento do consumo mundial de cobre entre 2000 e 2006. Em
relação a alimentos, por outro lado, houve mudanças de hábito nada irrelevantes:
desde 1985, o consumo per capita de carne na China passou de 20 para mais
de 50kg de carne ao ano. A China já se tornou o maior importador de soja do
Mundo, absorvendo cerca 40% das exportações mundiais. No caso do petróleo, por
fim, a demanda da China, Índia, e do Oriente Médio corresponderam a mais de 56%
do aumento total do seu consumo no período de 2001 a 2007. Entre outros fatores,
isso reflete o crescimento das vendas de carros de passeio na China, que mais do
que quintuplicaram no período de 2001 a 2007. Não se espera reversão deste
dinamismo nos próximos anos. De acordo com a Agência Internacional de Energia, o
aumento do consumo de petróleo em economias emergentes e em desenvolvimento,
estimado em 3,5% ao ano até 2012, continuará a superar o de economias já
desenvolvidas, esperado em 1% no mesmo período. Dado o novo padrão de
desenvolvimento alcançado pelas economias emergentes, pode-se dizer que a
demanda de commodities tende a ser inelástica à variação de preços. Isso
significa que grandes aumentos de preços de commodities resultam em
pequena queda de sua demanda, em especial no curto prazo.
Ainda
em relação à demanda, um segundo ponto a se considerar está na recente redução
das taxas de juros na economia norte-americana e no aumento da aversão a risco.
Com a expansão dos mercados financeiros voltados a commodities nos
últimos anos, os preços destas passam cada vez mais a refletir choques
econômicos. Apesar de isso já ser verdadeiro há tempos para determinados grãos,
cada vez mais isso passa a ser observado também no caso de outras
commodities. Em tempos de maior aversão a risco, como o atual, o contágio
de outros ativos financeiros nos preços de commodities pode ser
potencializado. Neste caso, investimentos financeiros em ativos derivados de
commodities podem servir de proteção contra o aumento da
incerteza.
Mas o
atual ciclo de commodities não é sustentado apenas por fatores
relacionados à demanda. Há também importantes fatores relacionados à oferta que
devem ser considerados. O primeiro refere-se à depreciação da moeda
norte-americana. Como se sabe, os preços das commodities ainda são
majoritariamente denominados em dólares. Em momentos de perda de seu valor
frente a outras moedas, aqueles produtores de commodities que têm
capacidade de definir preços internacionais (price makers) buscam
aumentar os preços de seus produtos em dólares como forma de manter o seu poder
de compra e assim compensar a depreciação da moeda norte-americana. Este é o
caso dos preços do petróleo. Além disso, os preços do petróleo, bem como de
outras commodities, também refletem o efeito da especulação financeira
sobre ativos reais.
Um
segundo fator relacionado à oferta refere-se às transmissões de preços entre
diferentes commodities. Aumentos de preços de petróleo acabam por
elevar a produção de seus substitutos, como os biocombustíveis. A crescente
produção de biocombustíveis, por sua vez, aumenta os preços de seus insumos,
como o milho, para a produção do etanol e óleos vegetais, como soja, canola,
girassol e palma, para a produção de biodiesel. Há outras formas de transmissão
de preços de petróleo para commodities agrícolas: cabe lembrar que
derivados de petróleo são base para parte de fertilizantes e de defensivos
agrícolas e, portanto, determinantes do custo da produção agrícola. Essa
transmissão de preços entre diferentes commodities ainda é potencializada
pelo fato de que os estoques de diferentes commodities encontram-se em
níveis historicamente baixos. No caso dos grãos, como trigo e milho, os estoques
destes estão no nível mais baixo das últimas duas décadas, o que torna preços
especialmente sensíveis à demanda no curto prazo. Junte-se a isso o fato de que
para determinados produtos, como o petróleo, a capacidade de oferta é
inelástica ao aumento de preços não apenas no curto prazo. Ou seja, grandes
aumentos de preços resultam em pequeno aumento da oferta. Neste caso, o contágio
de preços de diferentes produtos aumenta ainda mais.
Um
terceiro fator que impacta na oferta de commodities refere-se à produção
de biocombustíveis, em especial do etanol produzido a partir do
milho2. Como mencionado anteriormente, a oferta destes foi
impulsionada pelos preços crescentes de petróleo. Em 2005 a produção de etanol
do Brasil foi superada pela dos Estados Unidos. A produção de etanol nos Estados
Unidos entre 2000 e 2007 passou de 6,5 para 26,1 bilhões de litros. Para isso,
27% da produção do milho nos Estados Unidos já é direcionada para o etanol. Como
conseqüência, os preços do milho avançaram 46% em 2007. Ocorre que
biocombustíveis ainda são substitutos marginais do petróleo. Isso resulta em
assimetria de preços. Por um lado, o aumento da oferta de biocombustíveis não
impede aumentos dos preços do petróleo. Por outro, provoca expressivas elevações
nos preços dos alimentos. O resultado final é a continuidade da espiral de
preços liderada pelo petróleo.
Portanto, para finalizar, é necessário enfatizar que o ciclo de alta dos preços
das commodities vem surpreendendo por sua intensidade e longevidade. O
seu diagnóstico aponta para diferentes causas que não se limitam ao aumento da
demanda das economias emergentes. Em verdade, há que se considerar outros
fatores referentes não apenas à demanda, como também à oferta desses
produtos.
Em
relação aos efeitos deste ciclo para a economia brasileira, tampouco se pode
apontar para um único fator. Em relação aos preços do comércio exterior
brasileiro, os efeitos do atual ciclo de commodities são
contra-intuitivos. A primeira vista, era de se esperar que a economia brasileira
fosse beneficiada em seus termos de troca. A tendência que já se antevê,
entretanto, é exatamente a inversa. Simultaneamente à aceleração dos preços
internacionais de commodities, a diferença entre preços de exportações e
de importações, ainda favorável aos primeiros, vem se reduzindo. Uma possível
hipótese é a de que a aceleração da alta dos preços internacionais tende a
impactar mais fortemente os preços das importações do que das
exportações. 1Commodity Research
Bureau. Disponível em: <http://www.crbtrader.com>. Acesso em: 14
abr. 2008.
2Esta questão tem levado ao
argumento falacioso de que a produção de etanol, a partir da cana-de-açúcar no
Brasil, pode ser corresponsabilizada pelo aumento dos preços dos alimentos. Em
verdade, dada à área ainda disponível e o potencial de expansão da fronteira
agrícola brasileira, o plantio de cana-de-açúcar no Brasil utilizado para a
produção de etanol não se dá em detrimento da oferta de alimentos, ao contrário
do milho utilizado no etanol americano.
Palavras-chave: commodities, preços,
biocombustíveis, petróleo.
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Data de Publicação: 24/07/2008
Autor(es):
Luís Afonso Fernandes Lima (luis.lima@telefonica.com.br) Consulte outros textos deste autor
Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor