Artigos
Mudança de Status dos Lácteos Brasileiros no Mercado Internacional
O Brasil, a partir de 2004, tornou-se exportador de lácteos e desde então vem aumentando sua participação no mercado externo. O país tem grande potencial, não só no volume produzido, mas também na possibilidade de expansão das fronteiras para produção. A questão central está na necessidade de aumento da produtividade e na melhora da qualidade do leite produzido o que lhe poderá garantir maior competitividade no mercado. Por muitos anos o país foi dependente da importação de lácteos. Isso porque havia uma política federal para garantir o abastecimento da população e manter os preços tabelados do produto. No entanto, esta se mostrou desfavorável ao desenvolvimento da pecuária leiteira e teve responsabilidade pelo baixo investimento na produção, resultado do desestímulo sentido pelo setor. Para levantar informações sobre o tema, utilizaram-se estudos publicados em livros, textos sobre importação e exportação e em sites específicos. Em cima destes foi feita uma triagem que detectou pontos que mostram aspectos importantes que influenciaram a balança comercial brasileira ao longo do tempo. A preocupação com o abastecimento fez com que o governo, muitas vezes, recorresse a importações de produtos com preços inferiores ao do mercado nacional, o que se mostrou predatório ao segmento leiteiro, pois se caracterizava como uma evasão de divisas. A primeira intervenção do Estado nos preços do leite ocorreu em 1945, com o tabelamento de preços na capital do país (Rio de Janeiro) e objetivava amparar a produção do leite destinado ao consumo do Distrito Federal1 e ainda garantir o abastecimento e o acesso conforme o orçamento familiar2. Desde então foram 45 anos de tabelamento, que se encerrou no início da década de 1990. Em todo esse período os preços recebidos pelos produtores se mostravam desestimulantes para cobrir os gastos com a produção o que levava a baixos investimentos, apesar de, na década de 1970, ter ocorrido uma modernização da pecuária leiteira e haver boas condições para seu desenvolvimento, como acesso à tecnologia, informação, extensão rural e outros fatores de produção. No início dos anos 1980 outros produtos lácteos foram tabelados e em 1986, com o Plano Cruzado, o tabelamento continuou. Nesse ano, por conta da melhora da renda da população, houve um crescimento do consumo que foi atendido com o aumento das importações de leite e derivados, pois a produção interna, desestimulada com o tabelamento, não atendia o mercado interno3. O tabelamento não possibilitava a melhora da produção e levava ao crescimento das importações. Mostrava seu caráter predatório penalizando e desestimulando ainda mais o produtor nacional. Com o fim do tabelamento, na década de 1990, iniciou-se a segunda fase das importações. Mudanças importantes ocorreram no mercado, com a promoção da abertura do mercado pelo governo brasileiro e a criação do MERCOSUL, que adotou a Tarifa Externa Comum (TEC) para as importações entre os quatro países do bloco com o objetivo de incentivar a competitividade e fazer com que seus níveis tarifários contribuíssem para evitar a formação de oligopólios ou de reserva de mercado4. Ainda nesta década, com a adoção do Plano Real e melhora de renda, o consumo de lácteos cresceu e a produção de leite também, mas a produção, apesar de apresentar crescimento, não acompanhou o crescimento do consumo, criando um déficit que levou ao aumento das importações de leite em pó e queijos, passando, a partir de então, a superar novamente as compras externas de 200 mil toneladas/ano de lácteos5. Em 1995, abriu-se espaço para a importação de produtos argentinos e uruguaios e o grande volume de importações de leite em pó interferiu nos preços internos e afetou a competitividade do setor, com queda de preços. No cenário internacional, o Brasil, em 1996, apesar de ser um dos principais produtores mundiais de leite, era o terceiro maior importador de leite do mundo6. A superoferta de leite no mercado interno penalizou os produtores nacionais que passaram a receber pelo seu produto preços extremamente baixos devido ao grande volume importado da Argentina, que entrou no Brasil com preços inferiores aos praticados no país de origem, competindo de forma desleal com o produto nacional. A desconfiança de que a Argentina estaria fazendo 'triangulação' de produtos, em janeiro de 1999, levou os produtores a pedirem ao governo uma investigação de dumping que resultou no acatamento das denúncias pela Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), em 2001, e a implantação de alíquotas compensatórias nos produtos lácteos estrangeiros. Esta política de defesa comercial brasileira teve importância para o ganho de competitividade dos produtos lácteos brasileiros. Ela influenciou, ainda, o mercado com o avanço das transações externas de produtos com maior valor agregado e a conquista de novos mercados7. No entanto, nos anos seguintes, cresceu o volume de importação de lácteos, com destaque para o soro de leite, um produto que pode ser usado para fraudar o leite. A virada na balança comercial ocorreu em 2004, quando o Brasil teve pela primeira vez um saldo positivo, mas sua performance como exportador já apresentava melhora desde 2001. Ainda neste ano o movimento de queda na importação, que já vinha ocorrendo desde 1998, mostrou-se mais acentuado8. As mudanças estruturais que ocorreram no segmento, com investimentos em pesquisa, alimentação do rebanho, genética, informática e qualidade da matéria-prima, e na divulgação das informações, que possibilitaram o aumento da produção e praticamente o fim da entressafra, foram fundamentais para esta virada. Para chegar a esse ponto houve dinamismo de toda cadeia. A atividade primária respondeu às condições do mercado, o setor industrial percebeu as possibilidades de venda, e as vantagens comparativas do país frente aos tradicionais exportadores, reativou unidades produtivas, expandiu as áreas de fabricação e investiu na procura de negócios9. Assim, em 2004 se iniciou uma trajetória diferente da história e o país obteve um crescimento das exportações com a abertura de novos mercados, passando então a ser um país exportador de leite, com um superávit de US$33,7 bilhões, um saldo 35,8% superior ao de 200310. Apesar de a expectativa ser positiva, para o desempenho do setor, o grande protecionismo internacional do mercado de lácteos é uma realidade a ser enfrentada. Há perspectiva de reversão de ações de subsídios à exportação o que contribuiria para que o Brasil aumente suas oportunidades, mas é necessário ainda impor uma produção de leite de qualidade, assim como estratégias de marketing interno e externo11. Alguns fatores favoráveis auxiliaram o país, em 2007. Os preços do leite dispararam no mercado internacional. O mercado foi influenciado pela seca da Austrália assim como com a redução dos subsídios europeus para exportações de leite em pó e a queda de seus estoques públicos. Tudo isso restringiu a oferta mundial de leite e fez com que o aumento dos preços internacionais estimulasse o aumento das exportações brasileiras de lácteos, aproveitando a carência do produto no mercado internacional. Outro fator importante foi o aumento da demanda mundial de leite, devido ao incremento de renda em vários países como Rússia e China. A suspensão temporária das exportações de leite em pó pela Índia e imposição de tarifas na exportação da Argentina também contribuíram. A perspectiva no mercado internacional, para os produtos lácteos brasileiros, é positiva. Há possibilidade de aumento da produção para 32 bilhões de litros de leite, em 2015, para um consumo interno de 27 bilhões de litros, resultando em um saldo de cerca de 5 bilhões de litros que poderão ser exportados12 . No entanto, deve-se ressaltar que o desempenho brasileiro no mercado internacional de lácteos teve relação direta com as políticas públicas tanto internas como externas, principalmente as de práticas protecionistas. O processo, que se iniciou na década de 1990 com a desregulamentação do setor e abertura comercial, levou à necessidade de maior eficiência nos diferentes elos da cadeia produtiva. A necessidade de melhora da qualidade do produto; as mudanças do mercado, com as concentrações de laticínios; e no varejo, com o fortalecimento do papel dos supermercados, influenciaram no crescimento da oferta que levou a um excedente exportável. Aspectos como preços favoráveis, conquista de novos mercados, câmbio, investimento em qualidade e fim ou diminuição do protecionismo internacional são os itens que terão influência direta no mercado e possibilitarão a expansão das exportações brasileiras, daqui para frente. ______________________ 2MARTINS P. C.; FARIA, V. P. Histórico do leite no Brasil. In: ESTRATÉGIAS para o leite no Brasil. São Paulo: Atlas/ PENSA, 2006, p. 48-65. 3SOUZA, O.T. O setor leiteiro: políticas, competitividade e impactos da liberalização comercial nos anos 90. 1999. Tese (Mestrado Economia Rural) - Universidade Federal Rural do Rio Gande do Sul, Porto Alegre. 4MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR - MDIC. Tarifa Externa Comum – TEC. Disponível em: <www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna,php?area=5&menu=337>. Acesso em: 9 abr. 2008. 5 Op. cit. nota n. 3. 6 Idem nota 3. 7SILVA, V.; FURLANETO, F. P. B. Balança comercial de produtos lácteos: performance e implicações. Informações Econômicas, São Paulo, v. 35, n. 8, p. 62–66, ago. 2005. 8 ; SILVA, R. O. P.; GHOBRIL, C. N. Desempenho do setor lácteo brasileiro no comércio internacional. Revista de Economia Agrícola, São Paulo, v. 54, n. 1, p. 123-134, jan./jun. 2007. 9CAMPOS, J. M. N. Enfim, no time dos exportadores! Anuário DBO 2005, n. 292, p. 50-51, mar. 2005. 10 Op. cit. nota n. 7. 11 Idem nota 7. 12 PEREZ, L. H.; SILVA, R. O. P. Exportações de produtos lácteos: um negócio de futuro. Análise e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 2, n. 11, nov. 2007. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?cod Texto=9105>. Acesso em: 8 abr. 2008. Palavras-chave: lácteos, importação, exportação, mercado internacional.
1MEIRELES, A. J. A desrazão laticinista: a indústria de laticínios no último quartel do século XX. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1996. 268 p.
Data de Publicação: 16/06/2008
Autor(es):
Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Pedro Staudt (nelson@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor