O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)¹ é um dos principais instrumentos de políticas públicas voltados a impulsionar o desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil, proporcionando aos trabalhadores dessa área acesso à capacitação, profissionalização, assistência técnica e financiamento para as atividades agropecuárias, foco deste artigo. O PRONAF contribui para gerar ocupação e renda no setor agropecuário e promover a modernização do agronegócio propiciando, sobretudo, recursos financeiros para operações de investimento, custeio e industrialização a cada safra.

A valorização do produtor familiar, por meio do PRONAF, consiste no fato de serem agentes econômicos fundamentais para fomentar o agronegócio e contribuir para segurança alimentar do Brasil. Além disso, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 78,8% do total de estabelecimentos agropecuários do Brasil enquadravam-se na tipologia “familiar”², ou seja, em todas as regiões geográficas do Brasil o número de estabelecimentos gerenciados por produtores familiares se sobrepõe aos da agricultura patronal (Tabela 1). No entanto, os mesmos estabelecimentos ocupavam apenas 23,0% do total da área agricultável do país (Tabela 2).

Com relação à concentração regional dos agricultores familiares, sabe-se que o Nordeste se destacou com a maior presença dessa categoria de trabalhadores, totalizando 1.838.846 estabelecimentos, representando 47,2% do total dos empreendimentos familiares do Brasil e 32,1% do total da área agropecuária neste recorte (Tabelas 1 e 2).

No Centro-Oeste, por exemplo, a agricultura familiar detinha apenas 5,7% dos estabelecimentos do território nacional, mas sob o ponto de vista regional, 64,3% destes pertenciam a eles, dispersos numa área muito menor (12,3%) do que a ocupada pelos agricultores patronais (Tabela 2).

A região Norte tem a quarta posição em número de estabelecimentos agropecuários, dos quais 82,8% estão em mãos da agricultura familiar, cabendo o restante à agricultura patronal. No entanto, enquanto a agricultura familiar ocupa 24,4% da área total dos estabelecimentos (cerca de 19,7 milhões de ha), a patronal se distribui em 45,4 milhões de hectares (Tabela 2).

 As regiões Sul e Sudeste sediam quase o mesmo no número de estabelecimentos agropecuários gerenciados pela agricultura familiar e abrigam, cada uma, cerca de 17,0% dessa categoria de produtor do país. No entanto, a importância da agricultura familiar no Sul (78,0%) é pouco superior ao Sudeste (71,1%).

Esses números evidenciam a importância da agricultura familiar em todas as regiões brasileiras. Ao se considerar que uma das diretrizes do PRONAF é a distribuição de recursos financeiros na forma de crédito rural para produtores familiares no território nacional, este artigo tem como objetivo analisar a distribuição regional do volume financeiro na safra 2023/24 comparado à safra anterior.

 Os dados foram coletados para o período de julho a junho para cada safra correspondente por meio da matriz de crédito do Banco Central do Brasil (BACEN)^{3, 4} e consolidados por grandes regiões nas finalidades de custeio, investimento e industrialização.

PANORAMA DO PRONAF, CRÉDITO RURAL, SAFRA 2023/24

Na safra 2023/24, o governo federal disponibilizou para o PRONAF R$71,6 bilhões⁵, montante superior em quase R$10,0 bilhões ao da safra 2022/23 para atender as finalidades de custeio, investimento e industrialização dos agricultores familiares. Os recursos financeiros efetivamente contratados contabilizaram R$61,9 bilhões, superior em 16,3% à safra passada (Tabela 3).

Essas finalidades foram atendidas por meio de 14 subprogramas do PRONAF (ou linhas de crédito), que incluem o PRONAF Mais Alimentos e PRONAF Mulher, ambos voltados para financiamento nos estabelecimentos agropecuários (sendo o segundo exclusivo para mulheres), e o PRONAF Custeio, para cobrir os custos de produção da safra agrícola, dentre outros subprogramas⁶. Cada um deles com suas especificidades para o agricultor familiar, envolvendo taxas de juros, carências e limites de crédito.

A principal finalidade contratada continuou sendo o custeio agropecuário, com cerca de R$33,1 bilhões (53,5% do total concedido), montante que se manteve praticamente igual ao da safra 2022/23, apresentando pouquíssima alteração (0,2%). Paradoxalmente, a demanda para os recursos utilizados nas finalidades investimento e industrialização, as quais se voltam para modernização dos estabelecimentos, teve aumentos consideráveis.

Os principais produtos agropecuários para onde esses recursos financeiros se destinaram nas safras 2022/23 e 2023/24 podem ser vistos na figura 1.

Os recursos alocados para investimentos (compra de maquinários, matrizes animais, implementos agrícolas e construção de benfeitorias) totalizaram R$27,0 bilhões (43,6% do total) na safra 2023/24, apresentando variação de 44,0% em relação à safra anterior. Os recursos voltados para fomentar a agroindústria familiar quase atingiram a cifra de R$1,8 bilhão, com variação de 27,1% em relação à safa 2022/23, ou seja, cerca de R$400 milhões a mais. Isso indica avanço considerável para o desenvolvimento tecnológico do agronegócio brasileiro para os agricultores familiares.

A distribuição dos recursos disponibilizados entre as regiões geográficas do território nacional será abordada a seguir.

ANÁLISE DO CRÉDITO RURAL PRONAF POR GRANDES REGIÕES, SAFRA 2023/24

·    Região Centro-Oeste - O total de recursos concedidos pelo PRONAF para crédito rural foi de R$3,5 bilhões, na região Centro-Oeste, quinta colocada no ranking de recursos absorvidos, equivalente a 5,7% do montante para a safra 2023/24 (Tabela 4). Na safra 2023/24, a distribuição desses recursos foi quase igualitária entre as finalidades de custeio (R$1,8 bilhão) e investimentos (R$1,7 bilhão) nas propriedades familiares. Em comparação à safra anterior, a soma desses recursos foi 6,5% superior, apresentando crescimento na finalidade de investimentos de quase R$371 milhões. Em contrapartida, o custeio apresentou declínio de cerca de R$160 milhões. Ao se compararem as participações da região Centro-    -Oeste no montante de distribuição de recursos e no total de estabelecimentos da agricultura familiar, verificou-se que ambos se deram exatamente na mesma proporção em 5,7%.

·    Região Norte - Nesta região, os recursos do crédito rural foram de R$4,9 bilhões na safra 2023/24, sendo assim, a quarta região no total concedido em recursos (Tabela 4). Similar à região Centro-oeste, os recursos se distribuíram quase que igualitariamente entre finalidades de custeio (R$2,5 bilhões) e investimentos (R$2,3 bilhões). Nota-   -se um aumento de pouco mais de R$850 milhões em relação à safra anterior, resultado do crescimento expressivo para a finalidade de investimentos, com mais de R$674 milhões em relação a 2022/23, além dos aumentos nas demais finalidades para esta região. Com 7,9% do total de recursos contratados, esse percentual fica abaixo do percentual de participação de número de estabelecimentos com agricultura familiar no Brasil (12,3%).

·    Região Sudeste - Na safra 2023/24, o total de crédito rural contratado nesta região foi de R$9,6 bilhões, terceira região do país na alocação de recursos (Tabela 4). Diferente das duas regiões anteriores que apresentaram distribuição próxima entre custeio e investimentos, no Sudeste, a finalidade de custeio agropecuário foi a principal, alocando R$5,0 bilhões, ou seja, mais da metade dos recursos financeiros (52,3%) aplicados na região. O total de recursos contratados foi superior em R$2 bilhões em relação à safra 2022/23, e em todas as finalidades houve aumento da utilização dos recursos financeiros. Numa comparação entre o percentual contratado em crédito rural e número de estabelecimentos com agricultura familiar nessa região, notou-se maior equivalência, pois os recursos do PRONAF aplicados corresponderam a 15,6%, enquanto o percentual de propriedades notificado pelo IBGE foi de 17,7%.

·    Região Nordeste - Nesta região, os recursos do PRONAF aplicados foram de R$11,4 bilhões, o equivalente a 18,4% do total de crédito rural. Dessa forma, o Nordeste foi a segunda região na alocação de recursos concedidos (Tabela 4). A maior parte do crédito se destinou para investimentos nos estabelecimentos com agricultura familiar, R$7,6 bilhões (66,5% do total nesta região), sinalizando cenário positivo na incorporação tecnológica aos sistemas produtivos para esses produtores, incluindo melhorias em benfeitorias nas propriedades rurais. Ao se comparar com a safra anterior, a região Nordeste apresentou um salto de 77,5% na contratação de recursos, cerca de R$5 bilhões, direcionados principalmente na finalidade de investimentos que apresentou variação positiva de 97,2%. Ainda que todos esses indicadores demonstrem um excelente desempenho do Nordeste na alocação de recursos, sua participação de 18,4% está aquém à participação de estabelecimentos com agricultura familiar no total brasileiro de 47,2%.

·    Região Sul - O total de recursos em crédito para a região Sul foi de R$32,4 bilhões, suplantando o valor utilizado em todas as outras (52,4% do total) (Tabela 4). Diferente das demais regiões, a principal finalidade do crédito rural foi para o custeio da safra agrícola, R$20 bilhões, equivalente a 61,8% do total nesta região, enquanto a finalidade de investimentos, com aplicação de R$10,9 bilhões, correspondeu a 33,6% do crédito rural concedido. Ainda assim, o volume empregado na finalidade de investimentos é superior a qualquer outra região brasileira. Em relação à safra anterior, houve pouca variação na alocação de recursos (1,5%). Há de se notar também que a região Sul é a principal no fortalecimento das agroindústrias familiares que chegou a quase 1,5 bilhões de reais. A região Sul possui 17,1% do total de estabelecimentos com agricultura familiar e concentra a maior parte do crédito rural do PRONAF, distorcendo o equilíbrio na alocação de recursos entre as regiões.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações do BACEN mostraram que na safra 2023/24 o total de crédito rural disponibilizado pelo PRONAF superou em quase R$10 bilhões a safra anterior. No entanto, a alocação pelos produtores da agricultura familiar foi de cerca de 86,5%⁷. Mesmo assim, houve um aumento considerável em números absolutos na alocação, R$8,7 bilhões acima da safra anterior.

Tais indicadores levam para dois pontos importantes: o primeiro diz respeito ao papel do PRONAF como fomentador do desenvolvimento da agricultura familiar disponibilizando a cada safra volume maior em recursos para cobrir os dispêndios financeiros com custos agropecuários na safra corrente, incorporação tecnológica nos sistemas produtivos e formação das agroindústrias familiares. E o segundo ponto denota o crescente interesse dos produtores agropecuários que veem no crédito agrícola a alternativa de alavancarem recursos financeiros imediatos que estimulam seus empreendimentos e assim, serem inseridos no agronegócio brasileiro.

Os dados também revelaram heterogeneidade na alocação dos recursos sob o ponto de vista das finalidades do crédito. Algumas regiões, como a Centro-oeste e a Norte, dividem os recursos de forma quase igualitária entre o custeio e o investimento, enquanto outras, como o Nordeste, caminha expressivamente para melhorarem a infraestrutura em seus sistemas produtivos. A Sul utiliza os recursos majoritariamente no custeio agropecuário, mas também tem alocado parte desses para o fortalecimento da agroindústria familiar.

Ao se compararem os indicadores de distribuição do crédito rural e dos estabelecimentos familiares nas regiões brasileiras (Censo Agropecuário), notou-se que em apenas algumas regiões há certa equivalência, sendo que o Sul é a região onde se concentra a maior parte dos recursos do crédito rural, ainda que esta não seja a que agrupe o maior número de estabelecimentos familiares.

Por fim, deve-se ter em mente que, a cada safra, o governo federal faz a revisão sobre cada uma das linhas de financiamento do PRONAF no intuito de facilitar a obtenção de crédito por parte dos produtores rurais e, assim, aumentar a cada safra o contingente que possa se beneficiar desses recursos e contribuir para o desenvolvimento do setor agropecuário brasileiro.

¹BRASIL. Dispõe sobre a Unidade Familiar de Produção Agrária, institui o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar e regulamenta a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e empreendimentos familiares rurais.  Disponível em Legislação Federal - Senado Federal. Acesso em 7 nov. 2024.

²INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS. SIDRA: Censo Agropecuário. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/6878. Acesso em: 12 jun. 2024.

³BANCO CENTRAL DO BRASIL. MCR – Manual de Crédito Rural. Disponível em https://www3.bcb.gov.br/mcr. Acesso em 25 out 2024.

⁴BANCO CENTRAL DO BRASIL. Matriz de Dados do Crédito Rural: crédito concedido. Brasília: BC, 2024. Disponível em:  https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/micrrural. Acesso em: 1 jun. 2024.

⁵MINISTÉRIO DE AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Plano Safra da Agricultura Familiar Mais Valor para quem Alimenta o Brasil. Disponível em https://www.gov.br/mda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas-projetos-acoes-obras-e-atividades/plano-safra-da-agricultura-familiar/confira-a-cartilha-do-plano-safra-da-agricultura-familiar-2023-2024/cartilha_-plano-safra.pdf. Acesso em 25 out 2024.

⁶FREDO, C. E.; FREITAS, S. M. de. Inserção das Mulheres no Crédito Rural do Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF): análise do ano-safra 2022/23. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 8, ago. 2024, p. 1-10. Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-23-2024.pdf. Acesso em: 11 out. 2024.

⁷No ano safra 2022/23, a relação entre recursos alocados e disponibilizados foi de 99,3%. Ver nota 6.

Palavras-chave: crédito rural, agricultura familiar, PRONAF, regiões geográficas, plano safra 2023/24. 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

FREDO, C. E.; FREITAS, S. M. de. Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF): análise regional da distribuição dos recursos de crédito nas Safras 2022/23 e 2023/24. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 19, n. 11, nov. 2024, p. 1-8. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.