Com o propósito de aumentar a competitividade, promover a sustentabilidade, subsidiar a agricultura 4.0 e o uso das tecnologias sociais de maneira ampla e melhorar a infraestrutura acessível ao produtor rural do Estado de São Paulo, observou-se que o endereçamento das propriedades na zona rural é um dos grandes entraves para a agricultura.

No estado de São Paulo, de acordo com o LUPA 2016/17¹, existem na zona rural aproximadamente 340 mil propriedades, e estima-se que 2 milhões de residentes não possuem endereço. Levando-se em consideração os dados e mapas geográficos, supõe-se ainda que 60 mil quilômetros de vias rurais não estão mapeados.

Considera-se de grande importância que pesquisas e trabalhos possam ser desenvolvidos com o intuito de dirimir essa lacuna. Sendo assim, alguns levantamentos realizados pelo IEA levavam à ilação de se ter o endereçamento das propriedades rurais como ferramenta facilitadora para a inserção principalmente do pequeno produtor residente da zona rural, no mercado agrícola e no acesso a produtos e serviços públicos e privados.

A falta de endereçamento causa problemas na logística de distribuição da produção agrícola, assim como na aquisição de insumos, o que consequentemente interfere diretamente nos custos das cadeias produtivas, além de dificultar o acesso dos residentes e trabalhadores da zona rural a serviços públicos básicos como segurança, saúde e educação dentre outros relevantes.

A iniciativa do trabalho partiu de uma ampla revisão bibliográfica verificando as propostas existentes quanto ao endereçamento das propriedades rurais no estado de São Paulo, no Brasil e no mundo. Essa revisão mostrou a carência de estudos sobre o tema, mas foram observadas iniciativas municipais desenvolvidas para solucionar localmente o problema de localização dos empreendimentos rurais. Neste sentido, o trabalho realizado no município de Botucatu merece destaque pelo sucesso obtido em endereçar e rotear as vias municipais, sendo agraciado, inclusive, com o Prêmio Mário Covas em 2013².

As iniciativas isoladas dos municípios sanaram o problema local, mas os sistemas construídos com a base de dados do endereçamento da zona rural não seriam convergentes, ou seja, não conversavam entre si, o que causaria problemas de interoperabilidade e, consequentemente, problemas para utilização do endereçamento por parte das secretarias de governo na disponibilização dos serviços públicos.

Alguns municípios paulistas adotaram iniciativas de endereçamento popularmente chamados de “GPS Caipira”³ ou “CEP Rural”⁴, que operam a partir de contratos com empresas privadas que realizam a geolocalização das propriedades rurais em aparelhos de GPS.

A equipe do projeto elencou e observou pontos a serem contemplados em uma plataforma que pudesse atender às necessidades da zona rural, e as diferenças entre essas iniciativas e o Programa Rotas Rurais podem ser visualizadas no quadro 1.

As outras ações de endereçamento realizadas nos municípios significam um corte no tempo, ou seja, as informações do momento do levantamento de dados não são atualizadas frequentemente, pois dependem de atualização manual in situ. Como essas atualizações se utilizam de GPS, é necessário que sejam feitas no campo, dificultando a integração dos dados em tempo real na zona rural. Essa metodologia de levantamento tem um alto custo, pois significa ter que refazer o levantamento de campo de tempos em tempos.

No caso do Rotas Rurais, as atualizações são feitas pelo sistema de geolocalização em uma plataforma integrada que facilita a inserção das alterações do cenário rural, pois o campo é vivo e as mudanças na paisagem rural acontecem com bastante frequência.

Vale ressaltar a importância de alguns indicadores apresentados no quadro 1: o estado de São Paulo é o único que possui um censo agropecuário (o LUPA) e, sendo assim, a interligação do georreferenciamento com esse censo especificamente é de grande importância como ferramenta para a construção de um repositório de informações pelos órgãos estaduais que poderão auxiliar o desenvolvimento local.

O Programa Rotas Rurais, preliminarmente parte do Programa "Cidadania no Campo", no âmbito da Secretaria de Agricultura e Abastecimento⁵, tem o objetivo de realizar o endereçamento de 100% das propriedades rurais do estado de São Paulo, assim como rotear as suas vias rurais, proporcionando integração, transparência e coordenação da localização, das rotas e das localidades rurais, o que irá facilitar a atuação dos órgãos governamentais das regiões onde ele é implementado.

 Diferente dos outros projetos de endereçamento, ele disponibiliza uma plataforma integrada de dados que é uma ferramenta de gestão pública.

Os estudos e trabalhos realizados por uma solução mais efetiva com o intuito de mitigar o problema do endereçamento rural do cidadão do campo permitiram a implantação do Programa Rotas Rurais no dia 30 de abril de 2019⁶.

As diretrizes da política pública integram diversos serviços públicos e privados que precisam de especial atenção para levar cidadania ao campo como mobilidade, conectividade, segurança, educação, saúde entre outros.

Nesse sentido, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo e o Google oficializaram⁷ em dezembro de 2019 parceria⁸, projeto inédito na América Latina que contribuirá para todo ecossistema no campo.

A partir dessas iniciativas, verificou-se a necessidade de se desenvolver uma linguagem única para que o sistema de endereçamento contemplasse de maneira uniformizada todos os municípios paulistas.

Para isso, após a realização de estudos, a equipe técnica do programa determinou a utilização de um código alfanumérico para cada propriedade e estabelecimento rural paulista, o Plus Code⁹.

O Plus Code é um endereço digital, open-source, desenvolvido pelo Google, baseado em latitude e longitude para compor um código alfanumérico único, menor e mais fácil de ser utilizado do que as coordenadas geográficas, e que pode ser utilizado sem custo¹⁰, conforme os termos do licenciamento Apache 2.0.

Esse código de endereçamento localiza com precisão a entrada de cada propriedade e estabelecimento rural e, além disso, é complementado pelo trabalho de roteamento da malha viária rural, que identifica como é o traçado das vias rurais que chegam até cada localização.

As prefeituras recebem um mapa com todos os Códigos de Endereçamento Rural Digital (ERD) da sua área rural, ou seja, o Plus Code de cada propriedade e o roteamento das vias rurais. Com essa informação, podem estabelecer nomes de vias rurais e numerar as propriedades, definindo um endereço convencional se assim preferirem.

Prestadores de serviços públicos e privados, organizações governamentais e de assistência técnica rural, sindicatos rurais e outros atores podem utilizar o Plus Code, que é compatível com serviços de navegação digital, para:

·  Mobilidade: chegar aos locais com mais facilidade;

·  Logística: compra e venda de produtos e de insumos com economia de tempo e recursos;

·  Circuitos curtos de comercialização: maior interação entre produtores e compradores a partir do conhecimento da localização das produções agropecuárias no município;

·  Compreensão do território: elaboração e implementação de políticas públicas assertivas a partir do melhor conhecimento geográfico da área rural do município; e

·  Serviços públicos: maior racionalidade e eficiência nos deslocamentos na prestação de serviços públicos de extensão rural, saúde, segurança, assistência social, entre outros.

Durante o ano de 2020, foi desenvolvido o sistema de inteligência geográfica (SIG) utilizado pelo programa. O sistema desenvolvido possibilita o georreferenciamento das propriedades rurais e gerar o Plus Code para cada uma delas. Ainda no mesmo ano foi determinada as amostragens a ser realizada para o levantamento de campo para validação.

O ano de 2021 foi determinante para estabelecer a política de endereçamento utilizado no programa. Durante aquele ano, foram realizadas reuniões semanais entre a equipe do Programa Rotas Rurais e a equipe internacional de Plus Code do Google, a fim de definir qual seria a melhor estratégia para o endereçamento.

No decorrer dos trabalhos no ano de 2021, também foi desenvolvido uma aplicação que pudesse receber as informações existentes nas prefeituras do estado, que pudessem integrar o sistema e colaborar com o trabalho, além de um aplicativo¹¹ nas plataformas iOS e Android para autodeclaração dos residentes e proprietários de estabelecimentos da zona rural, assim como uma plataforma de roteamento das vias com localização e identificação das propriedades rurais.

Consulta ao portal Reclame Aqui¹², realizada em março de 2022, apontou que os registros de reclamações dos consumidores envolvendo a área rural dividem-se entre empresas dos segmentos de fornecimento de energia elétrica, comunicação (telefonia móvel e serviços de internet), e logística e varejo. Em relação ao total de reclamações, aquelas referentes à logística e ao varejo representavam uma quantidade significativa (8,4% do total de ocorrências na área rural). Esse resultado indica que a falta de endereçamento e navegabilidade até as propriedades rurais afeta o acesso dos moradores a uma gama de serviços, desde correios a varejo online.

Com a evolução do trabalho no início de 2021, foram lançados os pilotos do programa nos municípios de Itu e Pardinho, que foram os primeiros receber o ERD.

A partir de então, com o sistema desenvolvido e metodologia estabelecida e premiada¹³, o trabalho foi ampliado para os demais municípios do estado.

Em setembro de 2022, 86% do estado de São Paulo já estava geolocalizado e com 53,8 mil km de estradas rurais mapeadas.

A divulgação dos trabalhos que estavam sendo realizados permitiu que municípios de outros estados manifestassem interesse em conhecer o programa. Em 2021, os técnicos do programa atenderam diversos municípios de outros estados da Federação para auxiliar na implantação do projeto. Exemplo disso foi Pato Branco no estado do Paraná, que conseguiu implantar um similar ao programa paulista em 2022, graças à reunião com a equipe técnica do Programa Rotas Rurais¹⁴.

Mas o campo é vivo e esse deve ser um trabalho contínuo para inserir o homem do campo no mapa e as atividades desenvolvidas regionalmente, como o turismo. A base de informações deve contemplar as diversas áreas de conhecimento e ações de políticas públicas que possam ser direcionadas de forma a atender a real necessidade da zona rural. 

¹SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO – IEA/CATI. Projeto LUPA 2016/2017: Censo Agropecuário do Estado de São Paulo. Informações Econômicas. 2020, v.50; eie 09/2019. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/ie/2020/IE-19-2019.pdf. Acesso em: jun. 2022. Também disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/bilupa.php. Acesso em: jun. 2022.

²D’AURIA, G. Botucatu conclui última etapa do Projeto CEP Rural. CATI: Cecor, Campinas, 7 jul. 2016. Disponível em: https://www.cati.sp.gov.br/portal/imprensa/noticia/botucatu-conclui-ultima-etapa-do-projeto-cep-rural. Acesso em: 5 ago. 2022.

³ PORTAL G1 BAURU E MARÍLIA. Agricultores de Assis criam 'GPS caipira' para localizar áreas rurais. Bauru, 6 nov. 2014. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2014/11/agricultores-de-assis-criam-gps-caipira-para-localizar-areas-rurais.html. Acesso em: 8 ago. 2022.

⁴PREFEITURA MUNICIPAL DE LENÇÓIS PAULISTA. Prefeitura inicia neste sábado cadastro de propriedades no programa CEP Rural. Lençóis Paulista, 10 maio 2019. Disponível em: http://www2.lencoispaulista.sp.gov.br/v2/noticia/5231/prefeitura-inicia-neste-sabado-cadastro-de-propriedades-no-programa-cep-rural.html. Acesso em: 9 ago. 2022.

⁵SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 63.764, de 22/10/2018. Institui o Programa "Cidadania no Campo", no âmbito da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 128, n. 199, p. 1, 23 out. 2018. Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/RotasRurais/legislacao.php. Acesso em: ago. 2022.

⁵SÃO PAULO (Estado). Decreto n. 64.212, de 30 de abril de 2019. Altera e acrescenta dispositivos ao Decreto nº 63.764, de 22 de outubro de 2018. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 129, n. 812, p. 1, 1° maio 2019.Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/RotasRurais/legislacao.php. Acesso em: ago. 2022.

⁷SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios. Instituto de Economia Agrícola. Processo SAA 9.900/2019. Termo de Convênio que entre si celebram o Estado de São Paulo, por intermédio da Secretaria de Agricultura e Abastecimento e Google LLC. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 129, n. 236, p. 42, 13 dez. 2019.Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_urbanismo_e_meio_ambiente/legislacao/leg_estadual/leg_est_resolucoes/Resol-SAA-49-2019_12dez19_Gestao_SICAR-SP_(revoga_ResolSAA-17-19).pdf. Acesso em: ago. 2022.

⁸GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Coletiva de Imprensa: Parceria do GOOGLE com Agricultura e Segurança. São Paulo:, 11 dez. 2019. 1 vídeo (55 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gWTsj6tb7ek. Acesso em: 5 ago. 2022.

⁹GOOGLE. Plus Codes. Mountain view: [2022]. Disponível em: https://maps.google.com/pluscodes/. Acesso em: 9 ago. 2022.

¹⁰SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Conexidades. Rodrigues, Wilson. Plus Codes. São Paulo, 30 jun. 2022. 1 vídeo (5 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V0xcXloUyvw. Acesso em: 12 ago. 2022.

¹¹GOVERNO DO ESTADO DE SÃO Paulo - PRODESP. Rotas Rurais. Aplicativo para smartphone. Versão 1.3.1+15. São Paulo: Prodesp, 28 jun. 2022. Disponível em: https://play.google.com/store/apps/developer?id=PRODESP+-+Cia+de+Proc.+de+Dados+do+Estado+de+SP. Acesso em: 12 ago. 2022.

¹²RECLAME AQUI. Sobre o Reclame Aqui, São Paulo, [2021]. Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/institucional/. Acesso em: 9 ago. 2022.

¹³PORTAL GRUPO AGRO BRASIL. Rotas Rurais é premiado no Eu Esri 2022, Ribeirão Preto, 19 set. 2022. Disponível em: https://www.grupoagrobrasil.com.br/conteudo/rotas-rurais-e-premiado-no-eu-esri-2022.html. Acesso em: 30 set. 2022.

¹⁴PREFEITURA MUNICIPAL DE PATO BRANCO. Pato Rotas no Campo: Prefeitura lança projeto de cadastro de endereçamento rural. Pato Branco, 22 mar. 2022. Disponível em: https://patobranco.pr.gov.br/pato-rotas-no-campo-prefeitura-lanca-projeto-de-cadastro-de-enderecamento-rural/. Acesso em: 8 ago. 2022. 

Palavras-chave: Rotas Rurais, desenvolvimento territorial, endereçamento rural.

COMO CITAR ESTE ARTIGO

FAGUNDES, P. R. S. et al. Programa Cidadania no Campo Rotas Rurais: breve histórico. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 17, n. 10, p. 1-7, out. 2022. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.