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Plano Safra 2022/23 - o plano possível
O Plano Safra 2022/23
foi anunciado dois dias antes do início de sua vigência, 1º de julho,
demonstrando a dificuldade enfrentada para a construção de um plano que
trouxesse os recursos e condições necessárias para um novo ano de produção no
país. Diante de fatores
adversos, como restrições orçamentárias, inflação interna e externa, alta de
juros, forte elevação dos custos de produção, adversidades climáticas recentes
que prejudicaram a produção e a produtividade, e guerra no leste europeu, o
governo anunciou um conjunto de medidas que buscam atender o produtor neste
cenário complexo, garantindo a ampliação da oferta de recursos, especialmente
do crédito rural, que depende de recursos para a equalização, taxas de juros
competitivas, sem o prejuízo de ações de política voltadas ao seguro rural, à sustentabilidade
da produção e à inovação. Representando 27,4% do
Produto Interno Bruto (PIB) nacional em 20211, o agronegócio mereceu
a atenção do governo, bem como das instituições financeiras privadas. Nos
últimos meses, quando das especulações sobre o que seria possível para o
governo oferecer aos produtores, as maiores instituições financeiras privadas
declararam que não haveria falta de recursos e que estavam preparadas para
atender a demanda do setor. Seguindo a tendência de
ampliar a participação das instituições privadas no financiamento do
agronegócio, a prioridade governamental manteve-se associada aos agricultores
familiares e aos médios produtores, beneficiários do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Programa Nacional de Apoio
ao Médio Produtor Rural (Pronamp), seja em termos do montante de recursos
destinados, como da taxa de juros subsidiadas ou equalizadas. RECURSOS O montante dos recursos
programados, para atender aos produtores no ano-safra 2022/23, é de R$340,88
bilhões, 35,7% superior em relação à safra anterior. Para o custeio e
comercialização serão destinados R$246,28 bilhões, 38,5% acima do ano passado.
Para a finalidade investimento foram programados R$94,60 bilhões, 28,8% maior que
em 2021/22 (Tabela 1). Os agricultores
familiares, beneficiários do Pronaf, deverão contar com R$53,61 bilhões, um
aumento de 36,3%, enquanto os médios produtores, atendidos pelo Pronamp,
receberão R$43,75 bilhões, volume 28,4% superior ao ciclo anterior. Para os
demais produtores e cooperativas serão destinados R$243,40 bilhões, 36,9% mais
que em 2021/22 (Tabela 2). Em termos relativos,
observa-se pouca mudança na programação da distribuição dos recursos, tanto com
relação à finalidade - cerca de 71% são destinados ao custeio, comercialização
e industrialização e 28% para o investimento -, quanto com relação ao tipo de
beneficiário – Pronaf, 15%; Pronamp, 13%; e demais produtores e cooperativas,
71%. Conforme anunciado pelo
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), os recursos com
juros controlados somam R$195,70 bilhões, representando uma alta 18,5% sobre os
R$165,17 bilhões ofertados em 2021/22, enquanto aqueles com juros livres são de
R$145,18 bilhões, na comparação com R$86,06 bilhões do mesmo período, com
elevação de 68,7%. Ou seja, recaiu principalmente sobre o volume de recursos a
juros livres a ampliação do montante de recursos do Plano Agrícola e Pecuário
(PAP) 2022/23. Em termos de participação no total anunciado, observa-se que os
recursos a juros livres passaram a representar 42,6% frente aos 34,3% do ciclo
anterior. Por outro lado, a
participação dos recursos controlados caiu de 65,7% para 57,4% do volume total.
Apesar da diminuição relativa, houve deslocamento desses recursos para atender
aos produtores familiares e médios. Estes passaram a ter uma fatia maior dos
recursos controlados – o Pronaf passou de 23,8% para 27,4%, e o Pronamp, de
20,6% para 22,4%. Um dos destaques do
Plano Safra anunciado foi a definição das taxas de juros abaixo da taxa Selic para
todos as linhas e beneficiários, hoje no patamar de 13,25% ao ano e com
tendência de alta. Considerando-se uma inflação em torno de 12,0% ao ano, a
maioria das taxas de juros torna-se negativa e altamente subsidiada,
especialmente no âmbito dos programas Pronaf e Pronamp, cujos recursos
disponibilizados são integralmente a taxas de juros controladas (Tabela 3). Cabe salientar que,
segundo estudos da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o custo das
equalizações e subsídios, impactados pela diferença entre a SELIC e a taxa de
juros dos financiamentos que pode chegar a R$22 bilhões, bem acima dos R$13
bilhões do ciclo anterior, geram ganhos ao país, visto que o valor aplicado
resulta sempre em retornos positivos para toda a sociedade, inclusive no curto
prazo. Segundo o modelo utilizado, “o aumento de R$ 1 bilhão na equalização das
taxas de juros pode gerar elevação de R$1,87 bilhão no PIB Nacional, de R$1,51
bilhão nas exportações, de R$1,02 bilhão no consumo das famílias e de R$ 1,02
bilhão na produção agropecuária”2. As variações nas taxas
de juros chegaram a 67,7%, caso da linha de custeio Pronaf, para produção de
alimentos e produtos da sociobiodiversidade, passando de 3,0% para 5,0% ao ano,
elevando o custo de produção para esses agricultores. Essa variação ficou acima
da aplicada aos demais produtores. Já as taxas estabelecidas para o Pronamp foram
mais favorecidas, tendo variado 45,0%. No caso dos programas
de investimentos, as menores variações ocorreram nas linhas do Programa para
Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura (Programa ABC),
Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), Pronamp e Programa de
Financiamento à Agricultura Irrigada e ao Cultivo Protegido (Proirriga),
confirmando o fortalecimento dos sistemas de produção ambientalmente
sustentáveis, o apoio ao aumento da capacidade de armazenamento e ao
investimento dos médios produtores. Para o Programa ABC
foram destinados R$6,19 bilhões, R$1,00 bilhão acima do ano passado e serão
aplicados à taxa de 7% a.a. para ações de recomposição de reserva legal e áreas
de proteção permanente e de 8,5% para as demais, como integração
lavoura-pecuária-floresta e recuperação de áreas degradas. Haverá também a
possibilidade de investimento em fontes renováveis de energia (Tabela 4). Os financiamentos
através do PAC foram priorizados quanto a definição das taxas de juros, uma das
menores entre os programas, e pela ampliação do limite de financiamento quando
destinado a armazenagem de grãos. Neste caso, o limite passa a ser de R$50
milhões, permanecendo o limite de R$25 milhões para os demais itens. Os
recursos disponíveis serão de R$5,13 bilhões com taxas de 7,0 % ao ano, para
armazenagem até 6 mil toneladas, e de 8,5 % ao ano para os demais. A preocupação com a
necessidade de irrigação levou o governo a elevar o volume de recursos
destinado ao Proirriga, que oferece financiamento para sistemas de irrigação,
incluindo infraestrutura elétrica, reserva de água e equipamento para
monitoramento da umidade no solo. O programa receberá recursos de R$1,95
bilhão, com taxa de juros de 10,0%. No ciclo anterior o volume disponível foi
de R$1,3 bilhão com taxa de juros de 7,5%. A ampliação na oferta de recursos
foi de 44,0%, enquanto a taxa de juros subiu 33,3%. O reembolso permanece com
prazo de dez anos, incluído três de carência. O Programa de Inovação
Tecnológica na Produção Agropecuária (Inovagro), destinado a financiar a
incorporação de inovações tecnológicas nas propriedades rurais, visando ao
aumento da produtividade e melhoria de gestão, terá R$3,51 bilhões em recursos,
com juros de 10,5% ao ano. Podem ser financiados sistemas de conectividade no
campo, softwares e licenças para
gestão, monitoramento ou automação das atividades produtivas, além de sistemas
para geração e distribuição de energia produzida a partir de fontes renováveis. Os programas de
investimento com maiores aumentos percentuais de recursos foram: o Proirriga,
44,44%; o Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias – Giro
(Procap Agro-Giro), 35,33%; o Inovagro, 35,00%; o Programa de Modernização da
Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras
(Moderfrota), 34,93%; e o Programa de Desenvolvimento Cooperativo para
Agregação de Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop), 34,55%. De acordo com a
apresentação do Plano Safra, a pesca e a aquicultura terão maior apoio
governamental no que se refere ao crédito rural. Foram destacados o apoio à
comercialização dos seus produtos e o acesso a financiamentos de investimento
nas áreas de inovação e modernização das atividades pesqueiras. Maiores detalhes
ainda precisam ser apresentados, mas o limite de crédito por beneficiário é de
R$65,0 milhões, e haverá a manutenção do Financiamento para a Garantia de
Preços ao Produtor (FGPP) e o financiamento para a comercialização dos produtos
da pesca comercial por captura ou da aquicultura. SEGURO RURAL O montante de recursos
destinado para subvenção ao prêmio do seguro rural foi de R$2,0 bilhões, acima
do destinado em 2021, que foi de R$1,18 bilhão. No entanto, parte desses
recursos depende de aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) no Ministério da
Economia e no Congresso Nacional, e é sujeito a contingenciamentos. Conforme
informado, a expectativa é atingir um montante de R$2 bilhões em 2023, pois até
o momento os recursos disponíveis são de R$990,0 milhões3. Foi anunciado também
que, a partir do próximo ano, o valor de subvenção nas regiões Norte e Nordeste
será de 30% no caso de plantio da soja e de 45% para as demais culturas. No
caso de produtores que aderirem ao Programa ABC, os valores serão de 25% para
soja e 45% para as demais4. Outra novidade é que a
partir deste ano, todas as apólices passaram a ser georreferenciadas e que
serão feitos aprimoramentos metodológicos no Zoneamento Agrícola de Risco Climático
(Zarc), bem como a certificação dos profissionais de seguro rural com a
publicação dos requisitos mínimos de capacitação para cada público. ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES O Plano Safra 2022/23
surpreendeu positivamente os diversos setores do agronegócio. Diante das
dificuldades enfrentadas, no conjunto, o plano foi considerado bem construído,
atendendo as expectativas quanto ao volume de recursos, nível das taxas de
juros, recursos para subvenção ao prêmio do seguro rural, bem como com relação
ao seu direcionamento, priorizando os produtores familiares e médios e medidas
de apoio à sustentabilidade, especialmente. Analisando-se os
números apresentados quanto ao volume, o valor de R$340,88 bilhões é superior
aos recursos efetivamente aplicados na safra 2021/22, que atingiu R$291,51
bilhões, 16% acima do programado, segundo dados do Banco Central5. Observa-se que a
elevação dos recursos foi maior entre os não controlados, ou seja, com taxas de
juros livres, direcionamento previsto em função da capacidade de pagamento e
gestão por parte dos grandes produtores e do bom resultado de captação que vem
sendo obtida com a utilização de instrumentos financeiros no agronegócio, num
processo de contínua modernização. A forte elevação dos
custos – insumos em especial, comparada à oferta de crédito e ao limite de
financiamento por produtor que não sofreu alteração - trouxe preocupação quanto
à falta de recursos para o plantio da mesma área de produção. No entanto, por
um lado, o alto valor das commodities
mais que supera a elevação dos custos, em especial no caso da soja, do milho e
do algodão, tornando-se um colchão para a pressão dos custos. Por outro, há
recursos livres disponíveis, seja da tesouraria dos bancos, seja pelas Letras
de Crédito do Agronegócio (LCA), operações de barter, entre outras, com custo estimado pouco acima da Selic, e
que não impediram negócios realizados no primeiro semestre de 20226,
o que poderá atender parte dos produtores com expectativa de renda compatível. Já os produtores
beneficiários do Pronaf e do Pronamp receberam recursos acima do ano anterior,
visto que na safra 2022/23 os valores efetivamente aplicados ficaram dentro do
programado, respectivamente, R$40,01 bilhões e R$33,35 bilhões. No entanto,
também nestes casos os enquadramentos e limites de financiamento não foram
revistos. Por um lado, em função da elevação dos preços dos produtos, a renda
bruta anual pode passar do limite estabelecido, podendo causar dificuldades
para acesso ao crédito. Por outro, em função da elevação dos custos, pode haver
dificuldade na manutenção produção equivalente à safra anterior. As taxas de juros, no
caso dos programas de investimento, podem levar ao adiamento de contratação,
dada sua incidência no médio e longo prazo, independentemente da possível
alteração para baixo nos planos seguintes. No campo do apoio aos
sistemas de produção ambientalmente sustentáveis, as ações têm o mérito de
manter o ordenamento necessário, por meio: do alinhamento do Programa ABC e do
Pronaf ao Plano ABC+; do incentivo à utilização de energia de fontes
renováveis; da possibilidade de investimentos em sistemas de exploração
extrativista não madeireira, de produtos da sociobiodiversidade e
ecologicamente sustentáveis; e do financiamento de remineralizadores de solo
(pó de rocha), que têm o potencial de reduzir a dependência dos fertilizantes
importados. No entanto, quando se relativiza o volume de recursos destinados a
essas práticas com o volume total programado, verifica-se que são ainda muito
insuficientes. Por outro lado, o término do Cadastramento Ambiental Rural (CAR)
e sua validação permitirão a expansão do pagamento por serviços ambientais,
elevando a renda do produtor, e ampliarão o interesse nas práticas sustentáveis
e recuperação e preservação de áreas de interesse ambiental. Alguns pontos não podem
deixar de ser reforçados: tornar os planos plurianuais, permitindo o melhor
planejamento do setor; fortalecer os instrumentos de política agrícola para
comercialização e garantia de renda ao produtor, especialmente os pequenos e os
médios, contribuindo para a saúde financeira desses beneficiários e a sua
permanência na atividade; modernizar e massificar a utilização do seguro rural;
e ampliar o alcance das políticas para a sustentabilidade ambiental da produção. 1UNIVERSIDADE
DE SÃO PAULO (USP) -ESALQ-CEPEA. PIB do agronegócio brasileiro, Piracicaba, 21/06/2022. Disponível
em: https://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx. Acesso em: 30 jun. 2022. 2CONFEDERAÇÃO
DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA). Propostas
do sistema CNA para o Plano Agrícola e Pecuário 2022/2023; Brasília; 65 p.
Disponível em: https://www.cnabrasil.org.br/ 4MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E
ABASTECIMENTO (MAPA) - Comitê Gestor Interministerial do
Seguro Rural. Resolução nº 94, de 28 de
junho de 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-94-de-28-de-junho-de-2022-411382873.
Acesso em: 4 jul. 2022. 5BANCO
CENTRAL DO BRASIL. Quantidade e Valor
dos Contratos por Programa, Subprograma e IF. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/reportmicrrural/?path=conteudo%2FMDCR%2FReports%2 6AGROLINK. A Voz do Mercado #5 - Plano Safra 2022/23: avaliação e desafios da implementação. 30 de jun. de 2022. Conforme declarado na mídia pelo diretor de agronegócios do Bradesco, Roberto França. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CSPhnVTPgzU&ab_channel=PortalAgrolink. Acesso em: 29 jul. 2022. Palavras-chave: Plano
de safra 2022/23; Política agrícola; crédito rural; financiamento. COMO
CITAR ESTE ARTIGO FRANCA, T. J. F. Plano Safra 2022/23 – o plano
possível. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 17, n. 7,
jul. 2022, p. 1-9. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.
assets/images/PAP_2022_2023_WEB.pdf. Acesso em:
30 jun. 2022.3“R$ 500 milhões serão para as culturas de inverno (milho 2ª
safra, trigo e demais grãos de inverno), R$ 324 milhões para os grãos de verão,
R$ 72 milhões para as frutas, R$ 12 milhões para a modalidade pecuário, R$ 2
milhões para a modalidade de florestas e R$ 80 milhões para as demais culturas.”
AGRICULTURA vai liberar R$ 990 milhões para subsidiar seguro rural. Dinheiro
Rural, São Paulo, 17 maio 2022.
Disponível em: https://www.dinheirorural.com.br/agricultura-vai-liberar-r-990-milhoes-para-subsidiar-seguro-rural/.
Acesso em: 30 jun.2022.
FqvcProgSubProgIF.rdl. Acesso em: 4 jul. 2022.
Data de Publicação: 14/07/2022
Autor(es): Terezinha Joyce Fernandes Franca (terezinha.franca@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor