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Comportamento da Cesta de Mercado na Pandemia – março de 2020 a fevereiro de 2022
Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia
de Covid-19,
doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2)1. Em fevereiro
de 2022, completaram-se dois anos de estado pandêmico e, nesse período, mais de
6 milhões de pessoas morreram no mundo em decorrência da doença. Somente no
Brasil, o número já supera 660 mil óbitos. Além do trágico número de mortos,
diversos problemas econômicos, como estagnação econômica, inflação e desemprego,
foram desencadeados pela pandemia, afetando diretamente a população, em
especial, as camadas economicamente mais vulneráveis tanto de países
desenvolvidos como aqueles em vias de desenvolvimento. A inflação na
maioria dos países foi ascendente no período. Entretanto, no Brasil, além do
efeito da pandemia, a escalada de preços também foi motivada por outros
fatores. Em termos climáticos, o ano de 2021 foi marcado pelos impactos
causados pelo fenômeno La Ninã2 (esfriamento da água
na superfície da parte oriental do Oceano Pacífico – costa peruana), com
períodos mais prolongados de seca e geadas registradas em diversos municípios
entre os meses de junho e agosto3. Do ponto de vista econômico e
político, houve instabilidades e conflitos tanto no âmbito nacional como no
internacional, influenciando diretamente os preços de alimentos, minerais e
combustíveis. A figura 1 mostra a evolução dos indicadores
de variação do custo da cesta de mercado no município de São Paulo calculados
pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA)4: a)
IPCMT - índice de preços da cesta de
mercado total, que considera todos os 101 itens coletados e contabilizados pelo
IEA mensalmente; b)
IPCMA - variação dos produtos de origem
animal; e c)
IPCMV – variação dos produtos de origem
vegetal. A evolução dos
indicadores mostra que, em grande parte do período, o índice de preços de
origem animal (IPCMA) se manteve acima do índice de produtos vegetais (IPCMV), com
exceção de dois períodos: no início da pandemia, entre os meses de abril a
junho de 2020, devido a aumentos expressivos de dois produtos de primeira necessidade
da cesta de mercado (óleo de soja e o arroz); e entre janeiro a fevereiro de
2022, em virtude da
desaceleração dos preços da maioria dos itens que compõem a cesta animal
associado a reajustes significativos em diversas hortaliças.
Em todo o período
em estudo, o Índice de Preços da Cesta de Mercado Total (IPCMT) foi negativo em
um único mês (em novembro de 2021, contabilizou-se -0,99%), resultado
influenciado pela redução de preços dos itens de origem animal. Entre março de
2020 e fevereiro de 2022, a variação da cesta de mercado das famílias
paulistanas foi de 41,54%, valor quase 150% superior à inflação brasileira
medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas que, entre março
de 2020 e fevereiro de 2022, registrou 16,82%. A composição de produtos apenas
com itens de origem animal aumentou ainda mais (43,26%), e o IPCMV variou
39,57%, tirando um pouco a pressão sobre o índice total (Tabela 1). No comparativo com a inflação oficial do Brasil, medida pelo IBGE para o
período em estudo com a variação de preços de todos os 101 produtos da pesquisa
do IEA, verifica--se que apenas 3 itens sofreram variação de preços superior a
100% (óleos de soja, milho e girassol), e outros 13 ficaram com variação entre
50 e 100%; a maioria dos itens (67) foi reajustada entre 20% e 49,9%; e 15 tiveram
aumentos de até 19,9%. Do total de 101 mercadorias, apenas 3 tiveram redução de
preços (uva fina, manga e molho de tomate). No total, 88 itens tiveram
reajustes superiores à inflação (IPCA) medida no período, e apenas 13 ficaram
abaixo (Figura 2). Ao se dividir o período em quatro semestres (Tabela 2), pode-se observar
o comportamento pontual de variação. Como o estudo objetivou mostrar o
comportamento dos 24 meses da pandemia, a divisão em semestre foi a seguinte: ·
1º semestre: março de 2020 a agosto de 2020; ·
2º semestre: setembro de 2020 a fevereiro de 2021; ·
3º semestre: março de 2021 a agosto de 2021; e ·
4º semestre: setembro de 2021 a fevereiro de 2022. Em cada um dos quatro períodos, foi calculada a variação acumulada dos
indicadores IPCMA, IPCMV e IPCMT, além dos respectivos grupos: carnes e
derivados, produtos lácteos, ovos, frutas, hortaliças e produtos básicos. No primeiro semestre, a variação total da cesta de mercado apontado pelo
IPCMT foi de 7,17%, sendo que os produtos de origem animal, com 10,27%, foi o
impulsionador do acumulado do período. Os produtos de origem vegetal, na média,
foram reajustados em 4,03%, valor bem inferior aos itens de origem animal;
contudo, o conjunto de frutas acumulou alta de 11,14%. Entre março e agosto de
2020, os produtos leites longa vida e queijos, integrantes do grupo de produtos
lácteos, sofreram reajustes médios de 23%; o período mais seco que o normal
nessa época associado ao aumento de custos de produção influenciaram neste
resultado. Os ovos foram o segundo grupo em alta de preços (12,70%), e o
período de quaresma e a maior demanda por uma proteína de menor custo
justificam a alta. O grupo de itens carnes e derivados impactou
significativamente o custo da cesta de mercado, pois, em média, os preços
subiram 8,34% no período, tendo os cortes bovinos influenciado a alta. Em
relação aos produtos FLV (frutas, legumes e verduras), a boa notícia veio do
grupo das hortaliças, com redução de 3,06% nos preços médios. Batata e tomate para
mesa, com variações negativas de 18,3% e 21,9%, colaboraram com a queda; por
outro lado, o grupo frutas teve aumento médio de 11,14%, com destaque para os
reajustes de limão tahiti, maçã e manga. Nos produtos básicos, grupo de maior
peso na cesta, a variação média foi de 4,30%, com alguns itens de grande
importância (por exemplo, arroz, feijão e óleos) tendo aumentos na faixa de
15%. O segundo semestre da pandemia (setembro de 2020 a fevereiro de 2021)
apresentou aumentos em todos os grupos de consumo, sendo que os dois grupos de
maior peso na cesta, carnes e derivados e produtos básicos, contabilizaram
aumentos expressivos, 19,56% e 20,15%, respectivamente. Em carnes e derivados, os aumentos médios dos cortes bovino, suíno e de frango
foram de 22,35%, 19,51% e 12,93%, respectivamente. Os ovos também não foram uma
alternativa de compra nesse semestre, pois seu aumento médio foi de 9,02%. Os produtos lácteos, grupo de produtos de maior variação no primeiro
semestre, passaram a ser o agrupamento com o menor aumento de preços médios no
segundo período (3,21%). Nos grupos de FLV, chamou a atenção o incremento médio superior a 20%
nas hortaliças, com destaque para os reajustes nos itens batata (44,78%),
cenoura (23,56%) e cebola (21,10%). O segundo semestre da pandemia teve o maior aumento no grupo produtos
básicos no período em estudo, com 20,15%. O arroz, que em agosto de 2020
custava em média R$18,90/pct. de 5 kg, passou a R$26,75 em fevereiro de 2021,
aumentando 41,53%. No caso dos óleos, o reajuste foi ainda maior: 44,70% para
óleo de girassol e 49,12% para o de milho, enquanto o mais consumido, o de
soja, dobrou de preço, já que em agosto de 2020 era comercializado em média a
R$3,94 (900 ml), e em dezembro do mesmo ano passou a R$7,86. Considerando-se o
período todo, a variação foi de 66,2%. O terceiro semestre (março de 2021 a agosto de 2021) foi o período com a
menor variação acumulada (6,95%), dando, de certa forma, um alívio para o
consumidor. Os grupos de produtos FLV marcaram variação negativa: frutas tiveram
-1,91% e hortaliças, -4,63%. Em relação aos produtos, destaca-se a queda de
preços de cebola (31,5%), batata (18,8%), tangerina (16,6%) e mamão (13,6%). Em
relação aos itens de origem animal, houve aumentos significativos como, por
exemplo, de frango (21,1%) e acém (19,0%). Entre os produtos básicos, açúcar e café
em pó lideram a alta com 27,9% e 27,8%, respectivamente. Queda relevante entre
os itens de maior consumo foi verificada no arroz, com redução de 5,8% no
período. O último semestre em estudo (setembro de 2021 a fevereiro de 2022)
apresentou queda significativa dos preços da cesta de produtos de origem
animal, tendo variação de 1,51% no período (lembrando que nos três semestres
anteriores a variação foi sempre superior a 10%). A notícia ruim para o
consumidor veio dos grupos de produtos básicos e, principalmente, de
hortaliças. Os produtos cenoura (81,6%), cebola (53,3%), batata (43,6%) e
alface (29,5%) exibiram aumentos muito acima da inflação e, com isso, o grupo
de produtos desse segmento variou 36,6%, que foi o maior reajuste entre todos
os agrupamentos em todos os períodos em estudo. Entre os básicos, destaca-se a
variação de preços de café em pó e óleo de soja, 47,8% e 14,2%,
respectivamente. Discute-se brevemente a seguir o comportamento de alguns dos principais
itens da cesta de mercado que foram protagonistas no período em estudo: a)
Óleo de soja Esse produto foi o “campeão” de aumento no período em estudo. Tomando-se
fevereiro de 2020 como base 100, o aumento acumulado foi de 120,0%; a embalagem
de 900 ml, que era comercializada no mês anterior ao início do período de
quarentena a R$3,34, chegou a R$8,67 dois anos depois5. Conforme análise conjuntural de dados divulgados pela USDA, estimava-se que
no final da temporada 2020 (setembro) o estoque inicial mundial do grão seria
de 99,7 milhões de toneladas, valor 11,6% menor que o do ano anterior. Esse
resultado, aliado ao crescimento de consumo, já acendia um sinal de alerta no
setor6. Nesse
último semestre, a quebra de safra por causa da estiagem no Sul do país
valorizou o preço do grão. Mas outros motivos também explicam a escalada de
preços. Na Ásia, por exemplo, houve quebra na produção do óleo de palma, que é
conhecido no Brasil como dendê. Ele é o mais consumido no mundo por ser o mais
barato e ter maior diversidade de emprego na indústria alimentícia7. b)
Café em pó Nos cinco anos anteriores ao início da
decretação da pandemia, a variação acumulada do pó de café foi de 23,4%, índice
inferior à inflação medida em igual período. No primeiro ano da pandemia, o
café não pesou no orçamento familiar, pois em março de 2020 custava em média
R$8,99/pct. 500 g. Em fevereiro de 2021, passou a R$9,47, ou seja, aumento de
5,3%. A partir desse momento essa situação mudou, com aumentos progressivos, e o
item chegou a R$17,89 em fevereiro de 2022. A escassez de precipitações, o
calor intenso, o excesso de chuvas e as consecutivas geadas nos cafezais
brasileiros foram fatores preponderantes dessa variação8. Em resumo, no período total de estudo, o reajuste nas gôndolas chegou a
97,0%, mas a variação nos últimos dois semestres (março de 2021 a fevereiro de
2022) foi de 88,9%. c)
Arroz O arroz é item de primeira necessidade na cesta de mercado das famílias
paulistanas. Durante esses dois anos de estudo, a variação acumulada desse item
foi de 38,0%. Os preços do arroz, porém, sofreram variação expressiva no
primeiro ano de pandemia: em fevereiro de 2021, o quilograma de arroz custava
em média R$5,35, e esse valor foi 60,2% superior ao praticado um ano antes
(R$3,34/kg). Nos dois semestres seguintes houve redução de preços e, com isso,
o preço médio ao produtor em fevereiro de 2022 foi de R$4,61, redução de 13,8%
em relação ao ano anterior. Em termos nacionais, a produção brasileira de arroz não vem crescendo
como as demais lavouras de grãos, e a área cultivada permanece relativamente
estagnada desde 20149. Ademais, a procura pelo arroz por parte do
consumidor no primeiro semestre da pandemia a fim de estocar o produto
desequilibrou a oferta e elevou os preços. d) Carne bovina e de frango Em relação à carne bovina, os anos de 2020 e 2021 foram marcados pela
redução de oferta de animais para abastecer o mercado doméstico, enfraquecido
por sua vez em virtude da crise econômica provocada pela pandemia. As
principais causas da falta de animais foram o ciclo pecuário e a escassez de
chuvas nos principais polos produtores do país10. Em 2021, as exportações de carne de frango cresceram 25% em relação ao
ano anterior, sendo China, Japão e Emirados
Árabes Unidos os principais destinos do produto11. A ampliação da
oferta para o mercado estrangeiro e o aumento de custos de insumos explicam a
alta de preços para o consumidor. e) Batata e cenoura Entre os produtos FLV (frutas, legumes e verduras), destaca-se a
variação desses dois itens no período em estudo. A batata, importante produto
na cesta de mercado das famílias paulistanas, teve um comportamento oscilante
nos semestres: no primeiro, houve redução de 16,0% nos preços médios, no
semestre seguinte foi reajustado em 35,7%, no terceiro teve nova queda 18,8% e
por fim apresentou aumento de 67,9% no último semestre (agosto de 2021 a fevereiro
de 2022). No período total a variação foi de 41,8%. A cenoura teve
comportamento bastante favorável ao consumidor nos três primeiros semestre, com
reduções no preço médio no primeiro e no terceiro semestres, -21,9% e -10,2%,
respectivamente. No segundo semestre (setembro de 2020 a fevereiro de 2021), os
preços ficaram estáveis, com variação de 0,7%. No entanto, o quarto semestre
foi marcado por uma variação histórica do produto, já que em setembro de 2021,
o quilograma da cenoura custava em média R$3,42, e em seis meses houve alta de
214,9%, com o quilograma do produto sendo comercializado em média a R$10,77.
Motivos climáticos explicam a variação de preços de ambos os produtos nos
últimos meses: chuvas intensas ocorreram em regiões produtoras de Minas Gerais,
Espírito do Santo e São Paulo, alagando áreas plantadas, e prejudicando a
colheita e a qualidade dos produtos. Em resumo, os últimos dois anos marcados pela pandemia foram
especialmente difíceis para os consumidores. Foram observados aumentos em todos
os grupos de consumo em praticamente todos os produtos, e o aumento acumulado
da cesta de mercado total (41,5%) entre março de 2020 e fevereiro de 2022
indica que, para as famílias manterem a aquisição dos mesmos produtos e
quantidades, elas deviam desembolsar 41,5% a mais de recursos, situação
praticamente impossível para a maior parte da população. Palavras-chave: varejo, cesta de mercado, São Paulo, pandemia, COMO
CITAR ESTE ARTIGO MARTINS, V. A. Comportamento da Cesta de Mercado na
Pandemia – março de 2020 a fevereiro de 2022. Análises e Indicadores do
Agronegócio, São Paulo, v. 17, n. 5, p. 1-9, maio 2022. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.1Organização
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Data de Publicação: 24/05/2022
Autor(es): Vagner Azarias Martins (vagnermartins@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor