Prêmio Josué de Castro: incentivo à segurança alimentar e nutricional no Estado de São Paulo

Por ocasião das comemorações do Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro), o secretário da Agricultura e Abastecimento, deputado Arnaldo Jardim, presidirá a cerimônia de entrega do concurso Prêmio Josué de Castro de Combate à Fome e à Desnutrição do Estado de São Paulo. Trata-se da 5ª edição do prêmio, que tem por objetivos “identificar, certificar, premiar e difundir iniciativas voltadas à formulação de soluções concretas para o combate à fome e a promoção da segurança alimentar e nutricional”1. Neste artigo ressalta-se a importância da iniciativa a favor da segurança alimentar e nutricional.

Oportunidade, também, de homenagear o cientista Josué de Castro (1908-1973) que, há exatos 70 anos, lançava o livro Geografia da Fome (1946) no Brasil. Sua obra inovadora contribuiu com reflexões contundentes sobre a realidade brasileira de sua época. A partir de análises críticas, denunciou as desigualdades sociais e territoriais, sublinhando as causas e consequências da fome e desnutrição no país.

Em seu livro posterior, Geopolítica da Fome (1951)2, Josué de Castro reafirma o método geográfico para interpretar de forma original as misérias da sociedade, considerando a expressão universal da fome como fenômeno político mundial. Em seus discursos, alertava para as verdadeiras origens da carência alimentar. Descontente com explicações superficiais, centradas nos percalços da natureza, destacava a má distribuição e o acesso desigual aos alimentos como causas da fome: “O problema da fome mundial não é, por conseguinte, um problema de limitação da produção por coerção das forças naturais; é antes um problema de distribuição”3.

Ao escrever em cenário histórico marcado por guerras e polarização política, Josué de Castro deixou o legado e o convite para tratar de problemas prioritários em relação à alimentação, como a fome e a “fome oculta” (desnutrição), acima dos partidos: “Abordaremos o estudo da fome como problema humano, como o mais agudo problema de toda humanidade e, portanto, de todos os partidos”4.

Nos anos de 1950, Josué de Castro foi eleito Presidente do Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), onde empenhou esforços para o combate à fome no mundo. Por seu incansável trabalho a favor da justiça social, este pernambucano (médico, professor, geógrafo, sociólogo, escritor e político) chegou a ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

Desde então, a configuração político-territorial e o perfil da alimentação se transformou paulatinamente, sobretudo, diante do intenso processo de urbanização e industrialização dos países. Acordos internacionais, como a Cúpula Mundial da Alimentação (1996), reforçaram o compromisso dos governantes em garantir a segurança alimentar, obtendo--se significativas melhorias nas condições de vida, alimentação e nutrição no mundo.

Não obstante os avanços técnico-científicos, que elevaram a capacidade de produção agrícola e modernizou a logística de distribuição dos alimentos, a questão da alimentação persiste no século XXI sob novos aspectos. Por um lado, aproximadamente 790 milhões de pessoas padecem de fome, sobretudo, nos países mais pobres dos continentes africano e asiático5. E de outro, a ausência de atividades físicas associadas à má alimentação repercutem no crescimento avassalador dos índices de obesidade e doenças crônicas, alcançando a todos: países pobres, ricos e emergentes.

A fome e a obesidade são problemas interdependentes, indicativos do estado de insegurança alimentar mundial. Em 2014, 39% dos adultos apresentavam sobrepeso, e 13% da população do mundo estava obesa6. O atual padrão alimentar corresponde ao baixo consumo de frutas, verduras e legumes frescos (FLV), colocando 200 milhões de pessoas em estado de carência em nutrientes e vitaminas essenciais. E a ingestão excessiva de gorduras, açúcares, sódio e produtos industrializados de baixo valor nutricional, completa o cenário da alimentação inadequada7.

Desde 2014, o Brasil deixou de aparecer no mapa da fome. Os esforços se concentraram em alocar recursos em programas sociais compensatórios, destinados às populações vulneráveis, e na construção de políticas públicas à promoção da agricultura familiar. As compras institucionais, com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), delineiam a estrutura que favorece a segurança alimentar e nutricional em grande parte do país8.

A partir da aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), n. 11.346, de 15/09/20069, o eixo norteador das políticas no país, tem sido a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Assim, há dez anos, o poder público municipal, estadual e federal tem o dever de assegurar uma política de segurança alimentar e nutricional à sua população, considerando as dimensões ambientais, econômicas, culturais, regionais e sociais da alimentação.

É o que preconiza o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), enfatizando o conteúdo subjacente ao conceito de segurança alimentar e nutricional, ilustrado com os trechos do Cap. I, nos artigos 3º e 4º. da lei:

Art. 3º - [...] realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

Art. 4º - [...] I – ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar...;

II – a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos; [...]

IV – garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica, racial e cultural da população; [...]

VI – a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos [...]10.

No Estado de São Paulo, além do cumprimento dos programas e diretrizes gerais do governo federal, há outras iniciativas firmadas pelo poder público estadual que ajudam a promover a segurança alimentar. Por meio das ações do Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável, Micro-Bacias II – Acesso ao Mercado, e do incremento do Programa Paulista da Agricultura de Interesse Social (PPAIS), o governo tem apoiado o agricultor familiar e, consequentemente, a produção da alimentação saudável no estado. São ações que poderão ganhar maior visibilidade com a definição da Política e do Plano Estadual de Segurança Alimentar de São Paulo.

Alinhada ao que preconiza a Organização das Nações Unidas (ONU) com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a agricultura paulista tem o potencial de contribuir com as metas de erradicação da fome e pobreza. A conjuntura é, então, favorável à afirmação da pauta da segurança alimentar como linha de pesquisa, nos institutos de pesquisa da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) e, também, como agenda política prioritária. O maior envolvimento dos diversos setores e secretarias do governo inspira a realização de novas ações locais.

No intuito de informar e dar ao conhecimento as experiências em segurança alimentar e nutricional desenvolvida no âmbito do território estadual paulista, a equipe técnica do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Estado de São Paulo (CONSEA-SP) encaminhou a publicação do regulamento do Prêmio Josué de Castro em edital no Diário Oficial, no qual constam as normas e estrutura dos trabalhos. Orientou, também, a ampla divulgação na sociedade, para que um maior número de trabalhos pudesse concorrer nas categorias de pesquisa e programa/projeto:

Pesquisa - melhor pesquisa científica realizada por universidades ou instituições de pesquisa públicas ou privadas do Estado de São Paulo;

Programa/projeto - a melhor política pública desenvolvida por órgãos públicos do Estado de São Paulo, municipais ou estaduais”11.

Para a composição da Comissão de Organização e do Júri de Seleção, foram nomeados conselheiros representantes do poder público e sociedade civil, que se candidataram para tal tarefa em reunião plenária do CONSEA-SP presidida pelo secretário executivo, José Valverde. O Júri de Seleção foi composto, então, por conselheiros com distintas formações acadêmicas e profissionais, originários de várias Regionais do CONSEA (Baixada Santista, Barretos, Capital, Grande São Paulo, Franca e Marília). Diversidade benéfica à análise intersetorial e multidisciplinar das propostas.

O Júri de Seleção foi orientado a analisar os trabalhos considerando os seguintes pré-requisitos obrigatórios, como critério inicial de avaliação:

§  estímulo à organização e à participação da comunidade ou de segmentos sociais;

§  efeito multiplicador;

§  exercício de soluções inovadoras e criativas; e

§  resultados alcançados na melhoria da qualidade de vida.

Compreende-se que a questão da segurança alimentar e nutricional é um tema de natureza multidisciplinar. Engloba aspectos e ações desde a fase anterior à produção de alimentos (pesquisa e inovação), permeia o aprimoramento das práticas sociais ao longo do processo produtivo (produção, circulação e distribuição) e inclui, cada vez mais, a atenção à qualidade do alimento destinado ao consumo.

O Júri de Seleção ratificou a coerência de todas as propostas, confirmando o caráter abrangente do tema e o mérito dos trabalhos que enfocaram diversas perspectivas (Figura 1). Para a classificação das propostas vencedoras, foram considerados, também, outros aspectos essenciais a cooperar para a construção de um ambiente favorável à segurança alimentar e nutricional ao longo prazo em São Paulo.

Na avaliação, os jurados destacaram, entre os melhores trabalhos, aqueles que estão em andamento e atendem aos seguintes requisitos prioritários: menção à implantação de política pública; relevância social e abrangência territorial; intersetorialidade; autonomia e organização social local; produção de alimentos orgânicos/agroecológicos ou da sociobiodiversidade; uso de tecnologias sociais; ter como público alvo as populações vulneráveis; e se há a indicação de resultados efetivos já alcançados com as propostas.

 

 

Os trabalhos concorrentes ao Prêmio Josué de Castro de 2016, destinados à promoção da segurança alimentar e nutricional no estado, possuem interfaces com as áreas da agronomia, educação, nutrição e saúde. Os conteúdos abrangem a amplitude de objetivos de que trata a legislação federal (LOSAN). Deste modo, se elegeram os três melhores trabalhos em cada categoria (Quadro 1).

Na categoria “pesquisa”, o destaque foi a participação dos institutos públicos de pesquisa da Agência Paulista de Tecnologia (APTA) que, há várias décadas, desempenham um papel fundamental no aprimoramento científico da produção agropecuária do Estado de São Paulo. Os trabalhos premiados versam sobre inovações no manejo da produção agrícola e melhoria da alimentação escolar. Na categoria “programa/projeto”, a evidência ficou com os trabalhos de prefeituras municipais (Ubatuba e São Paulo) que têm o mérito de por em execução as diretrizes e políticas públicas em vigor no país (alimentação escolar e plano municipal de segurança alimentar), e o trabalho que propõe o uso de tecnologia social no campo (irrigação) proposto por uma instituição de ensino universitário.

 

O Prêmio Josué de Castro constitui-se em importante veículo de difusão e informação à sociedade dos trabalhos em segurança alimentar e nutricional que vêm sendo realizados no Estado de São Paulo. Esta avaliação das propostas ultrapassa uma análise técnico--científica. É, sobretudo, um exercício de cidadania e participação coletiva. Reflete, assim, a compreensão de que a sociedade, representada pelos membros jurados (conselheiros do CONSEA), entende serem as ações prioritárias e mais abrangentes à questão da segurança alimentar e nutricional em São Paulo.

Em suma, o momento requer dos governantes o desafio de formular e implantar políticas públicas visando valorizar soluções locais para a edificação de sistemas agroalimentares em que os usos dos territórios sejam socialmente inclusivos e ambientalmente sustentáveis. Assegurar a capacidade de produção diversificada de alimentos, estimular a pesquisa e a formação técnica contínua, apoiar o uso de tecnologias sociais, aperfeiçoar a logística de circulação, e fortalecer os programas voltados à educação alimentar e nutricional estão entre as prioridades.

 

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1CONSELHO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL SUSTENTÁVEL - CONSEA. Banco de dados. São Paulo: CONSEA/SAA, 2016. Disponível em: <http://www.consea.sp.gov.br>. Acesso em: 7 out. 2016.

 

2CASTRO, J. de. Geopolítica da fome: ensaio sobre os problemas de alimentação e população no mundo. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1957.

 

3Op. cit. nota 2.

 

4Op. cit. nota 2.

 

5FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS - FAO. El estado de la inseguridad alimentaria en el mundo 2015: cumplimiento de los objetivos internacionales para 2015 en relación con el hambre: balance de los desiguales progresos. Roma: FAO, 2015. 61 p. Disponível em: <http://www.fao.org/3/a-i4646s.pdf>. Acesso em: nov. 2015.

 

6ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD - OMS. Obesidad y sobrepeso. Ginebra: OMS, enero 2015. (Nota descriptiva. n. 311). Disponível em: <http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/es/>. Acesso em: dez. 2015.

 

7Op. cit. nota 6.

 

8ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA - FAO. Superação da fome e da pobreza rural: iniciativas brasileiras. Brasília: FAO, 2016. Disponível em: <http://www.fao.org/3
/a-i5335o.pdf>. Acesso em: ago. 2016.

 

9BRASIL. Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 18 set. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_
03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em: 9 out. 2016.

 

10Op. cit. nota 9.

 

11Op. cit. nota 9.

 

 

 

Palavras-chave: segurança alimentar e nutricional, políticas públicas, Prêmio Josué de Castro.

Data de Publicação: 13/10/2016

Autor(es): Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor