Artigos
Assistência Técnica e Extensão Rural no Brasil: um pouco de sua história
A assistência técnica e
a extensão rural (ATER) são serviços fundamentais no processo de
desenvolvimento rural e da atividade agropecuária, pois é um instrumento de
comunicação de conhecimento de novas tecnologias, geradas pela pesquisa, e
outros conhecimentos1. A Constituição de 1988
definiu que ambas devem ser levadas em conta no planejamento e execução da
política agrícola do país, entre outros pontos2. Segundo Peixoto3,
o início da implantação dos serviços de ATER no Brasil ocorreu nas décadas de
1950 e 1960, com a criação de Associações de Crédito e Assistência Rural (ACAR)
nos estados, as quais eram coordenadas pela Associação Brasileira de Crédito e
Assistência Rural (ABCAR). A primeira ACAR foi
criada em Minas Gerais, em 1948. Os bons resultados levaram à assinatura, em
1954, de acordo com o governo norte-americano, que criou Projeto Técnico de
Agricultura (ETAs) em cada estado, para cooperação técnico-financeira e para
execução de projetos de desenvolvimento rural, entre os quais a coordenação
nacional das ações de extensão rural4. Para Peixoto, a Lei n.
6.126, de 6 de novembro de 1974, iniciou a estatização do Sistema Brasileiro de
Extensão Rural5 e assim foi instituída a Empresa Brasileira de
Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER) como empresa pública. A democratização do
país propiciou o surgimento do movimento social extensionista, em 1986. Nessa
década, a EMBRATER passou a apoiar um modelo de desenvolvimento rural
ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente justo, e estimulou
o 1º Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) - Decreto no 91.766, de
10/10/1985 –, o qual propôs ações voltadas prioritariamente para os pequenos
produtores e assentados rurais, além de novas metodologias de capacitação
extensionista6. Embora limitados, após a Constituição de 1988, com a
Lei Agrícola, os serviços de assistência técnica e extensão rural passam a ter
um tratamento específico, estabelecendo ações e instrumentos da política
agrícola, especificando a manutenção do: serviço oficial de assistência técnica e extensão rural,
paralelismo na área governamental ou privada, de caráter educativo, garantindo
atendimento gratuito aos pequenos produtores e suas formas associativas,
visando: I - difundir tecnologias necessárias ao aprimoramento da economia
agrícola, à conservação dos recursos naturais e à melhoria das condições de
vida do meio rural; II - estimular e apoiar a participação e a organização da
população rural, respeitando a organização da unidade familiar bem como as
entidades de representação dos produtores rurais; III - identificar tecnologias alternativas juntamente com
instituições de pesquisa e produtores rurais; IV - disseminar informações conjunturais nas áreas de produção
agrícola, comercialização, abastecimento e agroindústria. Art. 18. A ação de assistência técnica e extensão rural deverá
estar integrada à pesquisa agrícola, aos produtores rurais e suas entidades
representativas e às comunidades rurais7. Em
1990, a EMBRATER foi extinta pelo governo Collor, deixando a competência dos
serviços para estados e municípios, desorganizando o sistema oficial de ATER. No
entanto, o governo federal passou as funções para o novo Ministério da
Agricultura e Reforma Agrária (MARA) ainda em 1990, mas aparentemente as
atribuições da ATER ficaram restritas ao INCRA8. Isso foi resultado
de uma política neoliberal, que surgiu nos anos 1980 e que entende que os
serviços de extensão rural estatal são prescindíveis. Com
a consolidação dos sistemas agroindustriais, surge o serviço de ATER privado, tornando-se
presente em grande parte do país, onde o agronegócio estava estabelecido
principalmente para médios e grandes produtores rurais (agricultura patronal,
empresarial), mas também de agricultores familiares, sobretudo aqueles
integrados às agroindústrias. Em 1996, passa a
existir o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).
Segundo Bianchini9, o crédito rural do PRONAF foi instituído pela
Resolução do BACEN n. 2.191, de 24 de agosto de 1995. O Decreto n. 1.946, de 28
de junho de 1996, criou o PRONAF para além do PRONAF Crédito. O decreto
estabelece o programa como uma ação integrada com estados e municípios; define
o compromisso com o desenvolvimento rural sustentável; prevê estímulo à
pesquisa para desenvolvimento e difusão de tecnologias adequadas; o
aprimoramento profissional; atuação em função de demandas locais dos
agricultores e suas organizações; e o empenho da participação dos agricultores
e suas organizações, por meio de fomento de processos participativos e
descentralizados10. Ressalte-se que não se
menciona a assistência técnica e a extensão rural, e sim a difusão tecnológica
e fomento à profissionalização dos agricultores familiares, que na verdade são
as funções de competência da área. Após alguns anos de consolidação do PRONAF,
fortaleceu-se a demanda de movimentos sociais por um serviço de ATER público,
gratuito e de qualidade, em função da disputa pela mesma fonte de recursos do
setor estatal de ATER, que ainda restava e o terceiro setor (organizações não
governamentais, sindicatos e associações)11. Em 1999, criou-se o
Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário que, em 2000,
adota o nome definitivo de Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) - Decreto
n. 3.338, de 14 de janeiro de 200012. Com a regulamentação da
estrutura regimental deste ministério, as atribuições legais de implantação de
ações de ATER passaram para a competência de dois ministérios: Ministério de
Agricultura e Abastecimento (MAA) e MDA13. O MDA incorporou a assistência técnica e a extensão
rural em seu plano de ação, o que ocorre efetivamente com a criação do Conselho
Nacional do Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS), importante marco legal
que, pela Resolução n. 26, de 28 de novembro de 2001, aprova a Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar,
no âmbito do MDA. Em 2002, a sigla mudou para CONDRAF, mantendo o mesmo nome,
em referência à agricultura familiar. A partir de 2003, o MDA passa a ser o principal
órgão responsável pelas políticas públicas voltadas para a ATER. Ao se fazer a
transferência dessa competência do MAPA, fica claro que o objetivo foi
concentrar essa regulação e o fomento das ações de ATER no MDA. A criação do CNDRS consolida o PRONAF em três grandes
subprogramas: o PRONAF Crédito, o PRONAF Infraestrutura e o PRONAF Formação14.
Segundo Peixoto15, a nova Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) foi construída pelo
MDA antes da criação efetiva do DATER. Foi elaborada de forma mais democrática
e participativa que a de dois anos antes pelo CNDRS, com a articulação de
diversos setores do governo federal, segmentos da sociedade civil, lideranças
de organizações de representação dos agricultores familiares e dos movimentos
sociais. A PNATER, lançada em maio de 2004, definiu as diretrizes para a
elaboração do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
(PRONATER), com primeira versão publicada em 1 de março de 2005. Após esse
lançamento, o governo federal, por meio do DATER/MDA, passou a estimular os
estados a elaborarem programas estaduais de ATER. Para financiamento das ações de ATER, a política nacional estabeleceu
que o MDA deve incluir no Plano Plurianual (PPA) e no Orçamento Geral da União
recursos necessários para viabilizar as ações de ATER requeridas pela agricultura
familiar, cabendo ao DATER/SAF/MDA identificar, captar e alocar recursos de
outras fontes, viabilizando convênios com outros ministérios e entidades governamentais
e não governamentais. Do mesmo modo, deve promover ações capazes de viabilizar
a alocação de recursos de parceiros internacionais16. Pela Lei n. 12.897, de 18 de dezembro de 2013 o Poder Executivo
foi Somente em 26 de maio de 2014,
o Decreto n. 8.252 instituiu o serviço autônomo da Agência Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural (ANATER), que tem entre suas funções: promover, estimular,
coordenar e implementar programas de assistência técnica e extensão rural,
visando à inovação tecnológica e à apropriação de conhecimentos científicos de
natureza técnica, econômica, ambiental e social; promover a integração do
sistema de pesquisa agropecuária e do sistema de assistência técnica e extensão
rural; fomentar o aperfeiçoamento e a geração de novas tecnologias e a sua
adoção pelos produtores; apoiar a utilização de tecnologias sociais e os saberes
tradicionais utilizados pelos produtores rurais; contratar serviços de
assistência técnica e extensão rural; promover a universalização dos serviços
de assistência técnica e extensão rural para os agricultores familiares e os
médios produtores rurais18. O objetivo mais importante do decreto foi facilitar a contratação de
serviços de forma mais ágil, simples e eficiente para que o corpo técnico,
contratado de empresas públicas e privadas, possa assistir os produtores dando
orientação na adoção de tecnologias a fim de, por sua adoção, fazer uso mais
adequado dos recursos naturais, do ponto de vista da sustentabilidade ambiental
e eficiência produtiva e, com isso, gerar aumento de renda e maior qualidade de
vida. Apesar de não ser o
objetivo levar à contratação dos agricultores de assistência técnica privada,
as faltas de políticas voltadas para essa área levaram a seu uso, sendo que seu
acesso é limitado a cooperados, associados e empresas que têm parcerias com
produtores e os assistem para garantir um produto mais padronizado e de melhor
qualidade. No caso do
serviço de ATER enquanto política pública, este consiste em visitas para
identificar necessidades e potencialidades de cada família. Existem a
assistência universal, para agricultores adultos, do sexo masculino, e a
especializada, para praticantes da agroecologia, mulheres, jovens e povos e
comunidades tradicionais19. A Coordenação
de Fomento à ATER faz a gestão dos recursos previstos nas ações do
PRONATER e realiza a operacionalização, monitoramento e avaliação da execução
dos contratos e convênios firmados com os parceiros. Para estabelecimento dos instrumentos de repasse
de recursos, a coordenação participa das articulações no âmbito
da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do MDA; ela busca ainda a
integração das ações e qualificação dos projetos apoiados, ajusta procedimentos
e constrói de forma participativa a rotina de análise, tramitação, contratação
e monitoramento dos projetos de ATER20. No momento, unificou-se o MDA ao Ministério do
Desenvolvimento Social e Agrário. Tal fato pode ser desfavorável à assistência
técnica aos agricultores familiares, que são os que mais necessitam desse
apoio. Colocar todas as políticas dentro de um novo ministério pode acabar por
não priorizar políticas públicas voltadas a esse setor, o mais carente de
atenção, responsável por abastecer o grande mercado consumidor brasileiro. As ações desse serviço levam em conta viabilizar
a disponibilidade de alimentos em quantidade e qualidade, a conservação e preservação
dos recursos naturais e a melhora da condição de vida da população rural, com
consequente queda no êxodo rural. ____________________________________________________ 1PEIXOTO, M.
Extensão rural no brasil: uma abordagem histórica da legislação. Texto de Discussão 48, Brasília, out.
2008. 50
p. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/ublicações/estudos-legislativos/ 2BRASIL. Emenda
Constitucional n. 91, de 2016. Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL. Planalto, Brasília, 5
out. 1998. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado. 3Op. cit. nota 1. 4Op. cit. nota 1. 5______. Lei n. 6.126, de 6 de novembro de
1974. Autoriza o Poder
Executivo a instituir a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão
Rural (EMBRATER) e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, 7 nov. 1974. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/1970-1979/L6126.htm>. Acesso em: 5 maio 2016. 6Op. cit. nota 1. 7______. Lei n.
8171, de 17 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política agrícola. Diário Oficial da União, Brasília, 17
jan. 1991. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8171.htm>. Acesso em: 5 maio
2016. 8Op. cit. nota 1. 9BIANCHINI, V. Vinte Anos do PRONAF, 1995-2015:
avanços e desafios. Brasília: SAF/MDA,
2015. 113 p. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/ceazinepdf/PRONAF_20_ANOS_VALTER 10Op. cit. nota 9. 11Op. cit. nota 1. 12Op. cit. nota 1. 13Op. cit. nota 1. 14Op. cit. nota 9. 15Op. cit. nota 1. 16Op. cit. nota 1. 17BRASIL. Lei n.
12.897, de 18 de dezembro de 2013. Autoriza o Poder Executivo federal a
instituir serviço social autônomo denominado Agência Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural - ANATER e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 19
dez. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov. 18______. Decreto
n. 8252, de 26 de maio de 2014. Institui o serviço social autônomo denominado
Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural -Anater. Diário Oficial da União, Brasília, 27
maio 2014. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8252.htm>.
Acesso em: 8 set. 2015. 19MINISTÉRIO
DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO - MDA. Plano
safra 2015/2016: agricultura familiar, alimentos saudáveis para o Brasil.
Brasília: MDA. Disponível
em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/ 20MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO - MDA. SAF. Fomentos à ater.
Brasília: MDA. Disponível em:
<http://www.mda.gov.br/sitemda/secretaria/saf-fom-ater/sobre-o-programa>.
Acesso em: 27 ago. 2015. Palavras-chave: assistência
técnica, extensão rural, agricultura familar.
tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-48-extensao-rural-no-brasil-uma-abordagem-historica-da-legislacao/view>. Acesso em: 12 nov. 2015.
htm>. Acesso em: 5 maio 2016.
_BIANCHINI.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2016.
br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12897.htm>. Acesso em: 28 ago 2015.
user_arquivos_383/plano%20safra%20cartilha.pdf>. Acesso
em: 25 ago. 2015.
Data de Publicação: 24/05/2016
Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor