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A Capital do Boi Gordo nas Mudanças Recentes da Geografia da Pecuária Bovina de Corte
No limiar dos anos Destacando o tamanho do rebanho, no Estado de São Paulo, e dando ênfase para o oeste paulista (em específico a Região Administrativa de Araçatuba), encontra-se a porção territorial do país onde aconteceu o maior refluxo de boiadas do país.No que se refere à redução de áreas, o mesmo se deu com quase a mesma intensidade. O oeste paulista presenciou um pouco mais da metade da redução dos pastos paulistas. Na região de Araçatuba isto significou Fruto deste descompasso entre a oferta e a demanda de animais prontos para o abate,aproveitando-se do processo de reestruturação produtiva do setor, configurou-se também uma reordenação oligopólica na geografia dos frigoríficos e abatedouros no território nacional, quando novas e modernas unidades agroindustriais passaram a ser levantadas por alguns poucos grupos (principalmente JBS Friboi eMarfig), em sua maioria nas regiões de expansão da pecuária bovina de corte. Daí que no ano de 2009, 35 dos 68 frigoríficos e empresas comerciais localizados naregião Sudeste do país sob inspeção federal (ou seja, aptos à exportação decarnes) estão na delimitação do Estado de São Paulo1. Destes, 25 são beneficiadores de carne bovina e outros 10 abatem aves e suínos. Na região de Araçatuba, neste mesmo ano estavam presentes três destas empresas exportadoras de carne bovina: em Andradina, uma planta do frigorífico JBS Friboi (antiga unidade inaugurada nos anos 1950 por Mouran Andrade, o famoso Rei do Gado), o frigorífico Interbeef, em Guararapes (herdeiro da estrutura do antigo frigorífico Noroestino, fundado em 1974, que desde o final de 2009 não abate bovinos por problemas de sonegação fiscal), e o recém-inaugurado Mataboi, em Araçatuba (que iniciou os abates em janeiro de 2009 sobre estrutura do antigo frigorífico Araçafrigo e foi fechado em agosto de 2010, alegando alto custo de aquisição de animais no entorno regional). Com capacidade de processamento de 80 toneladas por dia de carne, o JBS Friboi de Andradina tem em torno de 90% de sua produção direcionada para o mercado externo2. Diferente das outras unidades regionais de abate, onde, além da questão fiscal na última década definharam frente à escassez de animais, o grupo JBS, devido a sua alta capitalização,realiza na região a integração vertical à montante no circuito espacial de produção via confinamentos localizados nas proximidades de Andradina.Por meio de uma infraestrutura própria e de parcerias que aumentam a oferta de animais, garante-se uma escala de abates com pouca flutuação, principalmente para o período de entressafra. Representando os três maiores confinamentos do Estado de São Paulo (um próprio e dois parceiros)3,posicionados estrategicamente no entorno do frigorífico JBS de Andradina,possibilitam a geração de parte da fluidez dos fluxos deste moderno circuito espacial de produção ao ofertarem em quatro ciclos anuais de engorda4aproximadamente 75.000 animais por ano (Tabela 2). Com a escassez de bovinos na última década na região, animais magros (em média de 390 kg) são comprados num raio de Além dos exemplos de engorda intensificada via integração vertical praticada pelo JBS no entorno de Andradina, em sua totalidade a região de Araçatuba possui 125 confinamentos (Tabela2). Em sua maioria, pequenos e médios lotes de animais recebem o acabamento antes do abate em propriedades que, ao serem arrendadas majoritariamente para as usinas plantarem cana-de-açúcar, tiveram, contudo, preservadas uma pequena área para a instalação de infraestruturas de confinamento5. Ao predominar propriedades que não possuem contratos de entrega com os frigoríficos, ou seja, vendem suas boiadas no mercado à vista para quem estiver pagando mais, os fluxos de acabamento dos animais confinados na região de Araçatuba são diversos. Relatos colhidos em trabalhos de campo nos mostram que os direcionamentos para abate destes bovinos, além do JBS Friboi em Andradina,se dão para diferentes frigoríficos localizados em regiões contíguas à nossa área de estudo (Quadro 1 e Figuras 1 a 4). Mesmo diante deste panorama de modernização, torna-se importante frisar que estes fluxos baseados em intensificação do acabamento de bovinos continua sendo apontamento minoritário da atividade pecuária de corte: 97.496 animais confinados num universo de1.286.124 terminados à pasto corresponde a somente 7% da totalidade do setor na região. Ou seja, mantém-se como hegemônico no uso do espaço rural do noroeste paulista(mesmo depois de uma década de grande expansão dos canaviais) uma pecuária extensiva pouco moderna que ocupando mais da metade das terras agricultáveis da região (Figura 1) produz somente 1/6 do valor de sua produção agropecuária. Prova disto a produtividade do uso do terreno (animais por hectare), porventura ter subido nos últimos 20 anos(Tabela 3), continua tão baixa quanto no geral para o centro-sul e Brasil6. Daí que a atuação da pecuária regional encaminhou-se para duas direções: de um lado há a reordenação do sistema cana-boi iniciado na década de 1980 (agora sem a integração vertical no setor canavieiro, quando as usinas já não são possessões dos pecuaristas) por meio do arrendamento da maioria da propriedade ao cultivo da cultura da cana-de-açúcar7 e da intensificação de sua parte restante com a atividade pecuária na forma de confinamentos e semiconfinamentos. Configura-se assim um grupo minoritário que, usufruindo dos investimentos predominantemente público sem pesquisa e inovação, como os em melhoramento genético e rastreabilidade bem executados na Faculdade de Medicina Veterinária da UNESP de Araçatuba, e os em nutrição animal na Fazenda Experimental da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) em Andradina despontam como uma vanguarda, preocupada com as questões ambientais, sociais (ligadas à segurança alimentar da população), econômicas(dadas as sazonalidades e os problemas advindos com a oligopolização do atacado e do varejo rumo à uma oferta regular de proteína animal à sociedade) e de saúde pública (relacionadas à sanidade da carne que chega ao prato dos brasileiros). De outro lado, há um grupo de grandes latifundiários que, possuidores de volumosos plantéis de bovinos, conseguem obter rentabilidades via escalas de vendas próximas àquelas conseguidas com o arrendamento para cana. Somado à tradição na pecuária de corte trazida por gerações (carregada de bastante sentimentalismo)8,dá visibilidade à maior fatia da elite agrária regional, que defende o boi à pasto (“o boi verde”, termo bastante repetido numa tentativa de aproximar o setor às bandeiras ambientalistas do momento), que se apresenta bastante avessa aos riscos implícitos na introdução das inovações, e mais ainda, é neste grupo que se encontram os principais atores do setor que historicamente se especializaram no uso da posse da terra como poder de barganha com o sistema financeiro para expandir seus negócios nas regiões de fronteira da atividade no Centro-Oeste e Norte do país via especulação fundiária. E por último, são eles que em muitas das vezes em rotinas características do “jeitinho brasileiro” que mantêm os fluxos da carne ofertada no circuito inferior da economia urbana regional.Assim, para entender a pecuária bovina de corte e sua funcionalidade no abastecimento de carnes para a economia regional, torna-se fundamental compreender que, em um mesmo circuito espacial de produção agropecuário, além das ramificações fluidas que percorrem os modernos caminhos abertos pela globalização, existem vias de produção, circulação, industrialização,distribuição e consumo que, subsistindo no uso de um arcabouço técnico menos moderno, são atraídas pela demanda de espaços periféricos de economias regionais.Dá-se desta forma a manifestação geográfica de circuitos econômicos menos modernos,pouco capitalizados, de espacialidade curta, circuitos inferiores da economia regional. Concluindo, é importante ter a dimensão de que fruto da herança histórica enquanto “capital do boi gordo” adquirida em meados do século XX, e pelo domínio que ainda exercem sobre um fragmento da atividade pecuária brasileira, mesmo direcionando cada vez mais suas ações no setor para o Centro-Oeste e Norte do país, são de seus escritórios localizados principalmente na região central de Araçatuba que os pecuaristas regionais dão suas cartadas no direcionamento do preço dos animais no mercado nacional de bovinos. 1ZUCCHI, J. D. Modelo locacional dinâmico para a cadeia agroindustrial da carne bovina brasileira. 2010. 201 p. Tese (Doutorado em Ciências) - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2010. 2Dados adquiridos em entrevista realizada durante trabalho de campo em setembro de 2012. As referidas 80 toneladas correspondem a aproximadamente 1.500 animais abatidos por dia. Na safra, período das águas (verão), quando as pastagens estão boas e a oferta de animais é maior, tem-se usado 80% desta capacidade, ou seja, algo como 1.200 animais/dia. Na entressafra, período da seca (no inverno), o uso da planta chega a 65% de sua capacidade, em torno de 1.000 bois/dia. 3Às margens da Rodovia Marechal Rondon, no município de Castilho, localizam-se dois destes confinamentos. Construídos pelo empresário Mário Celso (ex-proprietário dofrigorífico), um deles foi adquirido pelo JBS Friboi em 2007 e tem capacidade operacional para 20.000 cabeças anuais. O outro, denominado Malibu Confinamentos,permite uma lotação de 25.000 animais. O segundo grande parceiro do JBS Friboi é o confinamento Dahma, de Pereira Barreto, que possui uma instalação para 30.000 bovinos. Como pode se ver no Quadro 2, a somatória dessas capacidades não foram preenchidas visto que a quantidade de animais terminados em manejo intensivo foi menor que as possibilidades dadas pelas infraestruturas existentes. 4Cada ciclo é planejado para durar 90 dias. 5Há propriedades que incluem neste pacote de intensificação áreas de produção de milho, sorgo e cana-de-açúcar para a alimentação dos animais confinados. 6Assim, ao se retirar da contabilidade a boiada e a área ocupada dos confinamentos se chega a uma produtividade em níveis tão reduzidos quanto os da segunda metade do século XX. 7Em entrevistas feitas na região, constatou-se que somente uma pequena fatia da cana plantada é realizada pelos próprios proprietários rurais. Evitando o risco de perdas, preferem-se os rendimentos garantidos com o arrendamento. Há casos daqueles proprietários rurais que também arrendam a totalidade de suas terras para cana. 8Relatos de amor à atividade herdada pelos pais e avós, a cavalgada, o trato com os animais, a música caipira e sertaneja são símbolos sociais reproduzidos ano a ano num mesclado com o country norte-americano nas exposições agropecuárias e festas do peão que acontecem nas pequenas e médias cidades de todo o oeste paulista. Palavras-chave:pecuária bovina de corte, modernização, confinamentos, Araçatuba, São Paulo.
Data de Publicação: 06/06/2013
Autor(es): Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor