O Setor Sucroenergético: uma visão do futuro

            A safra 2011/12 de cana-de-açúcar no centro-sul do país está fechando com uma grande quebra da produtividade de 10,6%, fruto de adversidades climáticas, falta de planejamento e investimento no campo que resultou em canaviais mais velhos. Esta safra deve fechar com números surpreendentes. Segundo a CONAB1, a safra brasileira de cana fechará em 571,4 milhões de toneladas, com queda de 8,4% em relação à safra 2010/11.
 

            Para São Paulo, os números da CONAB apontam uma quebra ainda maior, de 14,8% na produção e 15,1% na produtividade, devendo fechar com 70,5 t/ha.
 

            É extraordinário ver essa inversão do avanço na produção da cana-de-açúcar no Brasil. A crise é de produção.
 

            Pelo lado da demanda, há um enorme espaço aberto para o consumo, principalmente do etanol. A produção de veículos leves com tecnologia de abastecimento flex garante com folga uma demanda grande e crescente para os próximos anos. Há também a possibilidade de abertura do mercado estadunidense para o etanol brasileiro com a queda da tarifa de importação. Também há demanda por etanol para outros fins como a alcoolquímica. Portanto, pelo lado da demanda a questão está mais que resolvida. O grande problema atual é suprir essa demanda, o inverso do que ocorreu no início dos anos 2000, quando havia grandes incertezas quanto à produção de veículos a álcool e a demanda pelo combustível. Em 2003, aconteceu a tecnologia flex que trouxe segurança e revitalização no consumo do combustível verde.
 

            Em 2006, iniciou-se uma queda da demanda externa acarretando uma superprodução do produto no mercado interno. Esses desequilíbrios entre oferta e demanda geram incertezas e aumentam os riscos de investimentos.
 

            Ao fazer um histórico do período 2000 a 2011, verifica-se essa inversão. Dados da Agência Nacional de Petróleo e Biocombustíveis (ANP)2 mostram essa mudança nas vendas de etanol hidratado e gasolina C (Figura 1).
 

Figura 1 - Vendas de Etanol Hidratado e Gasolina C, Brasil, 2000 a 2011. 

1Números estimados para o ano de 2011.
Fonte: Elaborada pelos autores com dados de: AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP. Dados estatíticos. Brasília: ANP. Acesso em: 13 dez. 2011. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?pg=
58457&m=&t1=&t2=&t3=&t4=&ar=&ps=&cachebust=1323972830359>.
 

            Essa inversão, ou seja, diminuição do consumo de etanol e aumento do consumo de gasolina traz consequências negativas para o meio ambiente e para a economia gerada no campo. O aumento do preço do etanol nas últimas safras fez migrar o consumo para a gasolina.
 

            Dessa forma, as perdas de receita bruta estimada do setor sucroenergético brasileiro com a queda das vendas de etanol hidratado em 2010 foi de R$1,37 bilhão e em 2011 de R$ 4,87 bilhões3.
 

            Considerando somente São Paulo, as perdas de receita são estimadas em R$ 216 milhões e R$ 2,62 bilhões, respectivamente, em 2010 e 2011.
 

            Estudos revelam que há um grande potencial de crescimento da produtividade da cana-de-açúcar por hectare no Estado de São Paulo. Para maximizar esse potencial é necessário que seja feito um manejo correto para a cultura e com investimentos suficientes.
 

            Projeções feitas no Instituto de Economia Agrícola (IEA) em 20064 mostram que em 2015 a produção de etanol será de 36 bilhões de litros, com uma produção no Brasil na ordem de 902,8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, o que ocupará uma área de cerca 12,2 milhões de hectares. Também segundo essa projeção, a produção de cana-de--açúcar em São Paulo poderia chegar a 469 milhões de toneladas.
 

            Considerando um incremento em torno de 2,5 milhões de veículos (flex) ao ano, estima-se que a frota em 2015 de veículos leves (gasolina e flex) alcance 36 milhões unidades, dos quais 58,3% com possibilidade de abastecimento com etanol e/ou gasolina5. Para um mix de produção de 55:45 para etanol e açúcar nas próximas 3 safras, com recuperação da produtividade média apresentada antes da crise de produção que era de 85 toneladas de cana por hectare para São Paulo, 83 t para o centro-sul e 78 t para o Brasil, o consumo potencial de etanol para 2015 no Brasil será de cerca 56 bilhões de litros, considerando uma maior preferência pelo abastecimento com etanol em detrimento da gasolina, e que a adição de etanol anidro a gasolina fique na faixa de 18% a 25%.
 

            Analisando a produção real e o consumo potencial, haverá uma diferença de 20 bilhões de litros de etanol. Essa diferença é devido à variação do preço do etanol no período e às incertezas de oferta do produto, o que poderá levar o consumidor a comprar mais ou menos etanol.
 

            Para atender essa demanda interna potencial de etanol de 56 bilhões de litros prevista para 2015, será necessário acrescentar às 415 unidades produtoras existentes mais 113 usinas com capacidade média de esmagar 3 milhões de toneladas de cana e destinando 55% da produção de cana para o etanol. Essa produção necessitará de uma área adicional de 4,26 milhões de hectares com uma produtividade média de 80t/ha. O investimento estimado para construir essas novas usinas é calculado em cerca de R$ 27,6 bilhões, sendo a maior parte investimento na área agrícola. Tarefa que se mostra difícil de ser realizada, devido aos aportes de investimentos ocorridos nas últimas três safras.
 

            Para manter os percentuais médios históricos de reforma dos canaviais que são de 20% por safra e para retomar as produtividades normais antes da crise de produção, serão necessários investimentos na ordem de R$ 11 bilhões. Portanto, o somatório de investimentos de novas unidades e de reforma dos canaviais será de R$ 38,6 bilhões. Salienta-se que parte da solução do problema está na utilização da capacidade ociosa existente hoje nas usinas que não requerem altos investimentos.
 

            Essa crise de produção que vem ocorrendo nas últimas safras é consequência da falta de planejamento, tanto do setor privado como do governo, de adversidades climáticas, crise de preço e financeira e certa dose de negligência agronômica6. A cana-de--açúcar vem sofrendo muito nestas três últimas safras.
 

            Estudos mostram que, para o futuro, as questões climáticas serão mais incertas, com alternância de extremos, entre secas e chuvas excessivas, calor e frio. A agricultura, especialmente a atividade canavieira, deve se ater a essa questão e investir e buscar soluções para minimizar os efeitos advindos destas mudanças.
 

            É fundamental investir fortemente em pesquisa que gere inovação e também desenvolver mecanismos de defesa e de gestão para adversidade com tecnologias agrícolas para fazer frente a essas demandas. Dessa forma, os prejuízos e/ou as perdas ocorridas no campo podem ser minimizados.
 

            O grande desafio hoje é recuperar a cana de 1ª geração ou a cana convencional com investimento no campo. Não se pode deixar que a liderança na produção de combustíveis renováveis se perca no tempo. Para tanto, têm-se capacidade e expertise com tecnologia disponível para aumentar o potencial nacional de produtividade no campo e tornar mais eficiente a indústria.
 

            Portanto, para recuperar as perdas de produtividade e avançar, é de fundamental importância a integração do governo, órgãos de pesquisa e o setor, para formulação de políticas públicas e para que sejam tomadas decisões que tragam melhorias e desenvolvimento para a tecnologia verde brasileira.

 

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1COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB. Informações do 3º levantamento de safra da cana--de-açúcar . Brasília: Conab,2011.Disponívelem:<http://www.conab.gov.br/conteudos.php?a=1253&t=>. Acesso em: 14 dez. 2011.

2AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO E BIOCOMBUSTÍVEIS-ANP.Dadosestatísticos.Brasília:ANP.Disponívelem:<http://www.anp.gov.br/?pg=58457&m=&t1=&t2=&t3=&t4=&ar=&ps=&cachebust=1323972830359>. Acesso em: 13 dez. 2011.

3Estimativa elaborada com base nos dados do Indicador Mensal do CEPEA/Esalq e da ANP.

4TORQUATO, S. A. Cana-de-açúcar para indústria: o quanto vai precisar crescer. Análise e Indicadores do Agronegócio. São Paulo, v. 1, n. 10, out. 2006. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/
LerTexto.php?codTexto=7448>. Acesso em: 12 dez. 2011.

5Estimativa elaborada a partir de dados de: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE VEÍCULOS AUTOMOTORES - ANFAVEA. Anuário da indústria automobilística brasileira. São Paulo: ANFAVEA, 2010. Disponível em: <http://www.anfavea.com.br/anuario.html>. Acesso em: 07 dez. 2011.

6Em alguns casos, não houve a utilização de variedades corretas e adaptadas, como também o descuido nos tratos culturais, que foram potencializados pelos fatores climáticos.
 

Palavras-chave: etanol, cana-de-açúcar, safra agrícola, produção.

Data de Publicação: 28/12/2011

Autor(es): Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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