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Ciência, Ambientalismo, Instituições Científicas e o Código Florestal
A recente aprovação de mudanças no texto do Código Florestal Brasileiro (CFB)
pela Câmara Federal merece reflexões.
Em primeiro lugar, constatou-se que o ambientalismo tornou-se conservador e
acabou vítima de uma derrota política e, segundo o "novo" CFB, serviu apenas
para regularizar uma situação, não podendo ser considerado jamais um instrumento
normatizador do uso racional do território, visto ser uma lei mal concebida nos
aspectos técnico e científico.
Não se aproveitou a oportunidade para avançar na legislação ambiental, e a
discussão ficou restrita a metragens e percentagens que pretenderam estabelecer
regras para o país como um todo. No final, acabou ainda por levantar suspeições
sobre a idoneidade dos Estados em legislarem para suas realidades, algo já
previsto constitucionalmente.
Mesmo assim, é essa lei que continuará ordenando relações nas quais convivem
produção privada e "produção" de serviços públicos ecossistêmicos, que precisam
ser objetos de políticas públicas, valorados e remunerados. Além disso, nesse
espaço coexistem desde ecossistemas complexos e intocados, degradados e até
urbanos, passando por ecossistemas modificados.
No correr das discussões, quando já se anunciava a derrota da manutenção do
texto vigente, várias tentativas foram feitas para evitar a votação, desde o
adiamento puro e simples até o recurso de apelar para a ciência, algo que havia
sido evitado durante o transcorrer das discussões e audiências públicas.
O uso que foi feito desse expediente apresentou o uso de práticas pouco
ortodoxas.
No documento produzido pelas SBPC e ABC, ao observar as qualificações dos
cientistas, nota-se a ausência, principalmente, de estudiosos relacionados às
ciências humanas (economia, direito, sociologia, antropologia, história,
política, entre outras). Ou seja, parecia que se tratava de documento ligado a
apenas alguns segmentos científicos, em que predomina a "visão orgânica" no
sentido gramsciano, na qual alguns ramos são mais importantes que outros, apesar
da abrangência do objeto da legislação em estudo. O início do documento foi
animador:
Essa, inclusive, foi a base de plano florestal feito em São Paulo no início dos
anos 19902, que previa floresta em 30% do território estadual. No
entanto, nas análises feitas na sequência, imperou o uso de categorias jurídicas
não científicas como se científicas fossem, casos específicos de reserva legal e
áreas de preservação permanente, como pode ser observado no texto abaixo:
Há necessidade de medidas
urgentes dos tomadores de decisão para reverter o estágio atual de
degradação ambiental. Para estancar esse quadro, as Áreas de
Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RLs) deveriam ser
consideradas como parte fundamental do planejamento agrícola
conservacionista das propriedade (grifo do autor). A percepção das
RLs e das APPs como uma oportunidade deve ser acompanhada de políticas
de Estado de apoio à agricultura que simplifiquem e facilitem os
trâmites burocráticos. Para concretizar essa proposta, é indispensável
uma articulação entre os órgãos federais, estaduais e municipais para a
implementação da legislação ambiental, que não pode ficar sob a
responsabilidade exclusiva do proprietário ou do possuidor rural. Os
estados e os municípios desempenham papel importante na estruturação dos
órgãos responsáveis pela regularização das RLs e
APPs3.
Interessante observar que a análise foi feita no plano geral, para o país, o que
sem dúvida está coerente com a abrangência da legislação. Porém, as medidas
foram preconizadas para cada propriedade individualmente. É óbvio que há
necessidade de medidas urgentes para conter a degradação, mas isso não quer
dizer que os conceitos de uma legislação de meio século atrás sejam os mais
adequados para essa tarefa.
Essa atitude acabou promovendo mais uma "campanha cidadã" com "apoio" da
ciência, com a qual a mídia urbana tanto gosta de se envolver. Esquecem-se
sempre de verificar se não há outros interesses envolvidos, consciente ou
inconscientemente. É importante verificar os resultados de campanhas, como a
atual, contra os sacos plásticos (que são recicláveis; por que não proibir os
pneus?); como foram os kits de primeiros socorros; como ficou a inspeção
veicular. Essas questões normalmente são vinculadas a oligopólios que, na
sequência, se beneficiam da adoção da medida preconizada e referendada pelos
meios de comunicação, com respaldo científico.
Houve no processo do Código uma inversão de valores fundamental: quem defendia
mudança era reacionário, do mal, e quem advogava manutenção do status quo
era progressista, do bem. Ou seja, a avaliação ficou exclusivamente sob a ótica
ambiental, esquecendo os dois outros pontos do desenvolvimento sustentável:
social e econômico.
Em nenhum momento houve disposição de discutir séria e cientificamente a
legislação: o que de fato seria necessário para a manutenção e melhoria dos
serviços ambientais, conforme os classifica a ONU4. Entre eles a
biodiversidade, os solos, a polinização, os recursos hídricos e a produção de
água, de alimentos, de fibras, de madeira e de energia renovável, a regulação
climática, dentre os mais visíveis. Tudo isso tendo como fim a melhoria do
bem-estar das comunidades e da sociedade mundial. Para que essa legislação possa
vir a ser efetiva, devem-se incorporar novos conceitos gestados à luz da
ciência, prevendo revisões periódicas para adicionar avanços posteriores.
Discutiram-se metragens de margens de rio, leito regular ou maior vazão,
percentuais de reserva florestal por propriedade com ou sem incorporação de APP,
quanto tem que ser recomposto ou não, quem fica isento do cumprimento das
obrigações. Tudo isso usando como instrumento um texto de mais de 45 anos, como
se não tivesse havido nenhum avanço técnico e científico nessas quase cinco
décadas.
Como um cientista pode defender que se façam reservas de biodiversidade
basea-
Incentivos aos serviços ambientais, políticas públicas abrangentes de
biodiversidade, criação de novas oportunidades de uso econômico e social do
território? Nem pensar. Apenas criou-se um clima beligerante e de intransigência
política, em que necessariamente existiram ganhadores e perdedores, o que
prolongará as batalhas nas quais só perde o país e, mais ainda, sua
população. _____________________________________________
1SILVA, J. A. A. et al. O Código Florestal
e a ciência: contribuições para o diálogo. São Paulo: SBPC/ABC, 2011. p.
9.
2SÃO PAULO. Secretaria do Meio
Ambiente. Fundação Florestal. Plano de desenvolvimento florestal
sustentável. São Paulo: FFlorestal/SMA, 1993.
3Op. cit. nota 1, p.
10.
4UNITED NATIONS – UN. Millennium
Ecosystem Assessment. Millennium assessment reports. Washington: MA/UN,
2011 Disponível em: <http://www.maweb.org>. Acesso em: 26 maio
2011.
5MORAES, L. C. S. Código
Florestal comentado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
6METZGER, J. P. O Código Florestal
tem base científica? Natureza & Conservação, Rio de Janeiro, v. 8, n.
1, 2010, 8(1). Disponível em:
<http://www.abecol.org.br/volume8/natcon.00801017.pdf>. Acesso em: 26 maio
2011.
7Op. cit. nota
5.
8Op. cit. nota 6.
Palavras-chave: política pública, meio ambiente, Código Florestal,
legislação.
Os diagnósticos
realizados demonstram que existe um passivo da ordem de 83 milhões de
hectares de áreas de preservação ocupadas irregularmente, de acordo
com a legislação ambiental em vigor (grifo do autor). Estima-se que
o impacto da erosão ocasionado pelo uso agrícola das terras no Brasil é
da ordem de R$ 9,3 bilhões anuais, que poderiam ser revertidos pelo uso
de tecnologias conservacionistas e pelo planejamento de uso da paisagem,
gerando benefícios ambientais.
das em percentuais da cada
propriedade, como se verifica no texto reproduzido acima? É como se a natureza
tivesse que respeitar fronteiras políticas, como se os biomas ficassem restritos
a divisas municipais ou estaduais, ou mesmo nacionais. Reservas têm que possuir
certas características para manter a sua integridade, manutenção e reprodução,
como quer a lei5. Isso está diretamente relacionado ao tamanho e até
com a forma das áreas. A reserva legal, tal como formulada atualmente, se
constitui numa anomalia científica porque, ao estabelecer um percentual fixo por
propriedade, não se baseou em nenhuma avaliação lastreada em conceitos
científicos ou técnicos referendados por pesquisas, apesar de artigos que
contestam essa afirmação, utilizando, porém, o conceito de paisagem6,
aliás, muito mais científico. Conceitos e experimentos que indicassem
inequivocamente que o tamanho de uma reserva florestal deva ser de um percentual
fixo por propriedade, seja qual for a estrutura agrária, para que os objetivos
de conservação definidos na legislação fossem alcançados7. Pelo
contrário, esse método de pulverização de reservas conduz à extinção de espécies
que necessitam de grandes territórios para sua manutenção8,
intensifica a endogamia em áreas pequenas e confinadas, além de favorecer o
descontrole populacional pela quebra de cadeias tróficas. Essa pulverização se
dá em cima de uma estrutura agrária que, se já penaliza burocraticamente o
pequeno e o médio produtor, os penalizará ainda mais. Acrescente-se que, pela
legislação em vigor, todos os fragmentos existentes estão imunes de
corte.
Data de Publicação: 15/06/2011
Autor(es): Eduardo Pires Castanho Filho (castanho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor