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O Ano Internacional das Florestas e o Código Florestal
1 - As Convenções da
ONU Este
ano foi eleito pela ONU o Ano Internacional das Florestas, sendo que as
'atividades em apoio à data terão como foco a promoção do manejo sustentável, a
conservação e o desenvolvimento das florestas em todo o mundo e a
conscientização do papel decisivo que as florestas desempenham no
desenvolvimento global sustentável'1. Será
também o ano em que o Congresso Brasileiro poderá promover mudanças no Código
Florestal Brasileiro (CFB2). ONGs ambientalistas e parte da imprensa
estão em franca mobilização tentando explicitamente evitar que se mude esse
instrumento legal que, diga-se, já está anacrônico. Entidades ligadas à
agropecuária por seu turno também tentam se mobilizar no sentido de evitar que o
decreto sobre o assunto, assinado pelo presidente Lula em 2009, se
materialize. O CFB
tem mais de 45 anos e foi feito para regrar o desenvolvimento que os militares
de 64 queriam para o interior do País. Eram normas de ocupação do meio rural,
quase todas oriundas de um escondido Código de 1934, elaborado durante o regime
de exceção de Vargas. É interessante notar que é a primeira vez que o Congresso
Nacional tem oportunidade de discutir de fato, e com liberdade, uma legislação
que diz respeito especificamente às florestas. Das outras vezes, ou aprovou
porque era obrigado, ou não precisou aprovar porque era Medida Provisória. Quase
meio século depois de aprovado se viu aplicado ao meio urbano, visto que é a
população urbana que interessa aos políticos, e foi até responsabilizado, para o
bem e para o mal, por coisas que jamais pretendeu regrar.
Pelo
censo de 2010, 85% da população brasileira é urbana; no Sudeste é 93% e em São
Paulo 96%. Assim, discute-se na base do 'sim ou não' algo que vai impactar
diretamente, no caso de SP, 4% da população que, no entanto, suprem de
alimentos, energia, fibras e boa parte da água e da biodiversidade os outros
96%. Mata
ciliar, declividade, topo de morro, biodiversidade, reserva legal e suas
influências são conceitos integrados, que afetam profunda e diretamente o dia a
dia da produção agrosilvopastoril e não podem ser resolvidos sob pressão e ótica
apenas urbanas.
Porém, no Brasil urbano, se consegue discutir uma legislação, que tem
implicações com pelo menos três Convenções da ONU sobre aspectos rurais e
ambientais, em termos de 'sou a favor, sou contra'.
Resumidamente, essas Convenções da ONU resgatam da maneira mais abrangente e
científica possível temas que embasariam uma legislação que ordenasse a produção
no sentido de garantir a higidez dos ecossistemas que lhes dão suporte, aí
incluídas, por suposto, as florestas. A
Avaliação Ecossistêmica do Milênio, que é a Convenção Integradora, fez uma série
de sugestões para os responsáveis por tomar decisões e formadores de opinião
sobre o que fazer para não se degradar ainda mais os ecossistemas e
recuperá-los. O nobre objetivo dessa visão é continuar melhorando a vida das
pessoas em pelo menos cinco aspectos relacionados ao direito de acesso das
mesmas a: - Materiais
básicos - alimentos, moradia, energia, água; - Saúde
- ausência de doença, ambiente salutar; - Boas
relações sociais - coesão, respeito, democracia; -
Segurança - pessoal, proteção contra catástrofes naturais ou
provocadas; - Liberdade
de escolha.
Assim, para que esse direito de acesso seja alcançado, os serviços
ecossistêmicos que lhes dão suporte têm valoração igual: um não é melhor do que
o outro, porque no final, todos contribuem para o objetivo que é a qualidade de
vida da humanidade. Portanto, biodiversidade não é mais importante do que
produção de alimentos, que não é mais importante que regulação climática, que
por sua vez não é mais importante que produção de água, e assim por
diante. Uma
outra Convenção Internacional que diz respeito diretamente à discussão legal em
pauta é a da Biodiversidade, que gerou de concreto o protocolo de Cartagena,
sobre biossegurança, que entre nós deu origem à xenobiofobia, ou seja, o repúdio
aos exóticos. Não se levou em conta que qualquer introdução de espécie, feita
sob controle, aumenta a biodiversidade. Gerou
também recentemente em Nagóia, um protocolo que deu garantias de recebimento
pela venda da biodiversidade: 'O que está em jogo, sobretudo para países com
elevada biodiversidade, como o Brasil e outros 16 considerados ‘megadiversos’, é
assegurar que os benefícios econômicos gerados pela exploração da
biodiversidade, especialmente pelas indústrias farmacêutica agroquímica, sejam
repartidos com os países de origem desses recursos'3. Nesse acordo
também foi estendido de 10 % para 17% a área a ser protegida sob formas de
unidades de conservação. A
terceira grande Convenção é a das Mudanças Climáticas, que atualmente está em
processo de recuperação da credibilidade e tem misturado, pelo menos na
divulgação para a mídia, alguns 'conceitos' que são por ela propalados. Apareceu
o resfriamento global dentro do aquecimento global, e os eventos naturais
extremos, todos usados de maneira um tanto aleatória, sendo que medidas
concretas e eficazes para minimizar a utilização de combustíveis fósseis não
conseguem avançar. Está aí o pré-sal como exemplo, aqui no País.
Dessa
forma, a descarbonização passou a ser apenas figura de retórica, e,
sustentabilidade, juntamente com biodiversidade, palavras mágicas para resolver
impasses e convencer os indecisos ou mal informados.
Indústrias altamente poluidoras e produtoras de CO2 de origem fóssil
se autoproclamam sustentáveis, porque utilizam pneus usados para substituir óleo
combustível. Ora, queimar pneu usando, para este fim, combustível fóssil e
liberando CO2 que estava aprisionado, não pode ser 'vendida' como
prática sustentável. A
biodiversidade por sua vez é invocada, inclusive devido aos desastres naturais
como os ocorridos na região serrana do Rio de Janeiro, e só prospera por causa
da composição urbana da população. No mais das vezes, é ensinada e aprendida
tendo apenas o reino animal como protagonista. A noção de ecossistema como
unidade de equilíbrio da natureza acaba sendo completamente deturpada e é usada
de modo muitas vezes pouco científico ou mesmo desonesto intelectualmente, como
por exemplo, nessa discussão da mudança do Código Florestal.
2 - Características de um Novo
Código Uma
legislação não pode discriminar indivíduos ao pretender tratar igualmente coisas
que são absolutamente desiguais. As unidades de área variam em muitos aspectos,
além obviamente do tamanho: físicos, químicos, biológicos, climáticos, de
fragilidade ambiental, locacionais, históricos, ocupacionais, tecnológicos, de
grau de capitalização, de rentabilidade, de exploração técnica, de tipo de
cultura e muitos outros. Além disso, existem conceitos que são completamente
inaplicáveis às áreas urbanas, que deveriam ter uma legislação específica.
Imagine-se incorporar uma reserva florestal em todos os imóveis urbanos do País,
ou reflorestar as avenidas marginais dos rios, ou destruir monumentos
construídos em cima ou nas encostas de morros.
Atualmente, o CFB interfere no meio rural em relações conflitantes que se dão no
mesmo espaço físico - a propriedade rural - onde convivem a produção privada
para o mercado e a produção de serviços ecossistêmicos4 que são
públicos e que precisariam ser valorados e remunerados.
Tratar adequadamente esses conceitos é o desafio para os que querem que o Código
Florestal atinja seus objetivos ambientais, sociais e econômicos.
Em
qualquer avaliação ambiental, a unidade básica é o ecossistema e o princípio
mais fundamental, a manutenção da diversidade. Cada ecossistema merece
tratamento específico. Para cada caso o projeto técnico, com as bacias
hidrográficas e os biomas como focos de análise, deve ser o instrumento por
excelência da Lei, estabelecendo, inclusive, formas de pagamento pelos serviços
ecossistêmicos prestados à sociedade. Os
projetos técnicos devem ser feitos para cada propriedade. Se as multas são
aplicadas caso a caso, o serviço público de educação e orientação ambiental
também deverá ter o mesmo tratamento, como, aliás, é feito pela
agropecuária.
Portanto, é preciso nessa discussão, garantir diferenças e integridades
ecossistêmicas, tendo como base o que diz o texto da ONU sobre o Ano
Internacional das Florestas.
Devem-se classificar as florestas pelo serviço que elas prestam à coletividade e
pelo seu papel funcional, não pela sua 'nacionalidade'. Se for para garantir
biodiversidade nativa e original, os tamanhos dos espaços devem ser compatíveis
com esses objetivos e o serviço prestado cobrado - no caso, a melhor alternativa
é a estatal - ampliando-se a rede de Unidades de Conservação com tipos diversos
de objetivos, conforme protocolo de Nagóia. Ao se diferenciar o tipo de
ecossistema e de serviço prestado, tendo como base a sustentabilidade, é
possível verificar pelo território o que está se degradando e o que está sendo
corrigido. É
preciso que a legislação garanta que os menos de 10% da superfície territorial
do País dedicadas à agricultura sejam preservadas e melhoradas, já que o mundo
precisará de alimentos, fibras, energia, água e outros serviços ecossistêmicos
em cada vez maior quantidade. É muito mais importante preservar essa área do que
induzir ao desmatamento para o aumento da produção. É muito mais interessante
que a agricultura se expanda sobre áreas de pastagens e que estas aumentem sua
produtividade do que fazer derrubadas com esse intuito. Do ponto de visa de
aprisionamento de CO2, esse é o típico processo 'ganha-ganha', é uma
lição de descarbonização. Por
outro lado, não devem ser feitas diferenciações de tamanho de propriedade ou
posse. A somatória das partes, não sendo devidamente cuidada, pode gerar efeitos
ambientais deletérios. As considerações sobre tamanhos de áreas devem sempre ser
feitas em função da funcionalidade e não de regras pré-estabelecidas,
evitando-se repetir o erro da exigência dos 20% de reserva legal por
propriedade, atualmente presente no CFB. Mesmo a questão levantada pelo acordo
de Nagóia deve ser observada sob essa ótica e não tomando os 17% como número
mágico. No caso do Estado de São Paulo, esse montante poderia ultrapassar os 30%
se aplicados os conceitos para florestas da ONU. É
preciso também garantir que a conservação de extensas áreas de ecossistemas
gerará remuneração a seus proprietários freando a devastação, como é o caso da
Amazônia. O
espírito norteador da legislação deverá ser de incentivo, esclarecimento e
orientação ao invés de apenas punição como é o caso atual. Estas deverão ser
previstas e aplicadas somente quando as três condições anteriores, de espírito
norteador, não forem respeitadas.
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2BRASIL. Lei n. 4.771, de
15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Diário Oficial da
União, 16 set. 1965. 310ª Conferência das
Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (ver mais em: BRASIL. Ministério
do Meio Ambiente - MMA. Brazil: COP10. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/cop10-english>. 4Avaliação Ecossistêmica
do Milênio - ONU (Ver mais em: UNITED NATIONS. Millennium Ecosystem
Assessment. Washington: UNEP, 2011. Disponível em: http://www.maweb.org/.
Palavras-chave:
legislação florestal,
desenvolvimento sustentável, biodiversidade.
1Resolução A/RES/61/9 -
ONU (Ver mais em: UNITED NATIONS. Resolución
A/RES/61/9, de 19 de diciembre de 2006. Nova
Iorque: UN, 20 dic. 2006.
Data de Publicação: 03/02/2011
Autor(es): Eduardo Pires Castanho Filho (castanho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor