Alimentação na Região Metropolitana de São Paulo por Classe de Renda

 

           O padrão alimentar das famílias e as alterações da dieta da população brasileira foram identificados nas últimas décadas pela análise dos dados originários do Estudo Nacional das Despesas Familiares (ENDEF) e das Pesquisas de Orçamentos Familiares (POFs), possibilitando caracterizar o processo de transição nutricional pelo qual o país vem passando1. Esse processo é marcado por importantes alterações na estrutura da dieta (basicamente, elevado teor de gorduras e açúcares e baixo teor de fibras) e do padrão de atividade física (redução do gasto energético) da população, as quais se relacionam com mudanças sociais, econômicas e demográficas2.

 

            Por meio dos dados inéditos da POF 2008/09, disponibilizados pelo IBGE3, foram analisados indicadores nutricionais da dieta para o conjunto das famílias da região metropolitana de São Paulo (RMSP) e para os estratos constituídos a partir das classes de renda extremas (famílias com rendimentos de até 2 salários-mínimos e superior a 15 salários-mínimos, representando 13,2% e 14,5% da população da RMSP, respectivamente). Os mesmos correspondem à participação relativa (em porcentagem) dos alimentos e seus grupos na disponibilidade alimentar domiciliar (expressa em kcal per capita por dia), assim como à adequação do conjunto dos alimentos disponíveis quanto ao aporte relativo de nutrientes selecionados. Para tanto, levaram-se em conta as recomendações nutricionais formuladas por agências das Nações Unidas4.

 

            As quantidades disponíveis de calorias e macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios ou gorduras) foram determinadas por meio da transformação das quantidades brutas dos alimentos, presentes na lista original dos itens alimentares adquiridos pelas famílias, com a aplicação de fatores de correção que excluem as partes não comestíveis dos mesmos5. Os cálculos do valor nutricional dos alimentos foram realizados por meio de tabelas de composição de alimentos (nacional e internacional)6,7.

 

            A participação dos grupos de alimentos nas calorias totais/per capita/dia disponíveis no domicílio apresentou, em ordem decrescente, a seguinte distribuição: alimentos básicos de origem vegetal (cereais e derivados, feijões e outras leguminosas e raízes, tubérculos e derivados) contribuem com 42,4%; produtos altamente calóricos (óleos e gorduras vegetais, gordura animal açúcar e refrigerantes e bebidas alcoólicas) participam com 26,5%; alimentos de origem animal (carnes, leite e derivados e ovos) participam com 19,9%, enquanto frutas, verduras e legumes com 3,9%. O grupo de produtos que corresponde a refeições prontas e misturas industrializadas contribui com 6,6% das calorias totais no domicílio e os demais produtos (oleaginosas e condimentos) com cerca de 0,6% (Tabela 1).

 

Tabela 1 – Participação Relativa dos Alimentos no Total de Calorias Determinado pela Aquisição Alimentar Domiciliar, por Classes de Rendimento Familiar Mensal, Região Metropolitana de São Paulo, 2008-2009

 

 

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Banco de Dados: tabulações especiais. 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.

 

            Vale ressaltar os alimentos cuja participação calórica se reduz com o aumento do rendimento familiar, como o arroz, pão, farinha de mandioca, feijões, óleo de soja e açúcar. Padrão inverso é verificado para produtos como queijos e derivados do leite, frutas, manteiga e refrigerantes (Tabela 1).

 

            Em geral, as principais diferenças em termos de contribuição dos grupos de alimentos no total calórico disponível das famílias nos extremos de renda (baixa e alta renda), respectivamente, são: os alimentos básicos de origem vegetal (47,8% versus 34,1%); produtos FLV (frutas, verduras e legumes) (2,8% versus 5,5%); refeições prontas e misturas industrializadas (2,6% versus 11,4%). Entre os grupos dos alimentos essencialmente protéicos e os altamente calóricos, os percentuais de contribuição calórica se assemelham (19,9% versus 20,8% e 26,6% versus 27,1%, respectivamente) (Tabela 1).

 

            Os indicadores da qualidade da alimentação apontam para aspecto positivo da dieta em termos de adequação protéica, devido à maior proporção de proteínas de alto valor biológico (as de origem animal com pelo menos 50% do total protéico) nas diferentes classes de renda.

 

            No entanto, a composição da dieta quanto aos demais macronutrientes é pouco favorável, considerando a proporção do teor de lipídios (gorduras) que ultrapassa o limite máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (30% das calorias totais). Esse limite está próximo de ser alcançado mesmo na classe de renda mais baixa. Na população de renda mais elevada, esse desajuste é mais evidente e ocorre em detrimento do consumo de carboidratos complexos (mínimo recomendado de 55% das calorias totais). Além disso, a proporção de gordura saturada se intensifica com o aumento da renda e ultrapassa o limite máximo recomendado (10% das calorias totais). Outro aspecto negativo da dieta da população da região metropolitana da São Paulo refere-se à proporção de calorias provenientes de açúcares livres, seja entre os mais pobres ou os mais ricos, a qual não deveria ultrapassar 10% das calorias totais (Tabela 2).

 

Tabela 2 - Participação Relativa de Macronutrientes no Total de Calorias Determinada pela Aquisição Alimentar Domiciliar, por Classes de Rendimento Familiar Mensal, Região Metropolitana de São Paulo, 2008-2009 


 

 

¹ Valores limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde (ver em: WORLD HEALTH ORGANIZATION - WHO. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases: report of a joint WHO/FAO expert consultation. Geneva: WHO/FAO, 2003. 147 p. (Tecnical Report Series, 916).

 

² Valor calculado por diferença: lipídios totais – (ácidos graxos saturados + poli-insaturados + trans).

 

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Banco de Dados: tabulações especiais. 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.

 

            Em resumo, os dados sobre disponibilidade domiciliar de alimentos da principal região metropolitana do país indicam, ao final da década de 2000, consumo excessivo de alimentos altamente calóricos, com elevado teor de açúcar e gorduras e, por outro lado, consumo reduzido de frutas, verduras e legumes, o qual não alcança um terço da recomendação mínima na população de menor renda8. Tais achados são consistentes com os dados que revelam as elevadas prevalências de excesso de peso e obesidade na população, e o seu rápido crescimento, especialmente nas faixas de renda menos favorecidas9.

 

            As informações sobre as características nutricionais da dieta da população poderão contribuir para a discussão de políticas públicas voltadas à oferta (produção, abastecimento e comercialização) de alimentos e às ações de educação e saúde.
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1LEVY-COSTA R. B.; SICHIERI R.; PONTES N. S.; MONTEIRO C. A. Disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil: distribuição e evolução (1974-2003). Revista de Saúde Pública, v. 39, n. 4, p. 530-540, 2005.

 

2POPKIN B. M. The nutrition transition and its health implications in lower-income countries. Public Health Nutrition, Vol. 1, Issue1, pp. 5-21, 1998.

 

3INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Banco de Dados: tabulações especiais. 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.


 

4WORLD HEALTH ORGANIZATION - WHO. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases: report of a joint WHO/FAO expert consultation. Geneva: WHO/FAO, 2003. 147 p. (Tecnical Report Series, 916).

 

5INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Tabela de composição de alimentos. 4. ed. Rio de Janeiro: IBGE/ENDEF. 1996.

 

6NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ALIMENTAÇÃO - NEPA. Tabela brasileira de composição de alimentos - TACO. 1. ed. Campinas: São Paulo: NEPA/UNICAMP, 2004.

 

7UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE - USDA. USDA National nutrient database for standard reference: release 15. Beltsville: USDA, 2002. CD Rom.


 

8 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.210 p. (Série A - Normas e Manuais Técnicos).

 

9INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. 130 p.

 

Palavras-chave: Pesquisa de Orçamento Familiar, nutrição, alimentação, região metropolitana de São Paulo.

Data de Publicação: 03/01/2011

Autor(es): Lenise Mondini Consulte outros textos deste autor
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