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O Circuito Espacial do Algodão na Região de Araçatuba na Primeira Metade do Século XX
O
declínio da cultura cafeeira após a crise do capitalismo em 1929 leva o algodão
e a pecuária a fazerem uso de grande parte do espaço geográfico do oeste
paulista. Não acarretada somente pela demanda da indústria nacional, a expansão
da cultura algodoeira em São Paulo se relacionou fortemente com o fim de sua
atividade em alguns territórios estrangeiros, o que desequilibrou a oferta desse
produto no mercado internacional. Assim, a crise de 1929, que iria lançar a
cafeicultura em longo período de graves dificuldades, colocou os cafeicultores
na contingência de tentar novas explorações que viessem compensar a perda de
renda sofrida por eles. Dentre as diversas explorações agrícolas então
ensaiadas, a do algodão era uma daquelas que apresentavam melhores perspectivas,
devido ao seu alto preço no mercado
internacional1.
Novos Conteúdos do Momento Algodoeiro na
Região de Araçatuba
Reordenando sua funcionalidade na divisão internacional e territorial do
trabalho, a principal especialização nesse momento na atividade algodoeira das
terras da noroeste paulista trouxe novos objetos e ações para a constituição do
espaço geográfico regional. Do circuito algodoeiro, grandes indústrias de
beneficiamento se instalaram, diferentemente das pequenas que foram construídas
para beneficiar o café. "A superestrutura capitalista está melhor organizada
quando se trata da jovem cultura algodoeira, do que quando se relaciona com a
tradicional cultura do café"2. Anderson Clayton, Sanbra,
Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, Saab S.A. e algumas cooperativas –
japonesas principalmente - construíram suas fábricas em quase todos os
municípios da região de Araçatuba na época, concentrando-se num primeiro período
nos municípios a leste, estendendo-se timidamente a partir de 1940 até a divisa
com o Mato Grosso. Além de beneficiar o algodão, produziam óleo, tecidos e
exportavam seus produtos em grande escala3. Capitais americanos,
ingleses, japoneses e brasileiros foram investidos de forma substancial na
produção do algodão4, fazendo de seus detentores e aliados os atores
hegemônicos desse novo momento da noroeste paulista. Com a situação política
inquietante no Sudão – colônia britânica -, os ingleses e americanos inverteram
seus investimentos no oeste paulista, sendo a Anderson Clayton e a Sanbra as
marcas representantes de seus capitais. As companhias colonizadoras japonesas
agiram por meio de suas cooperativas, promovendo a fixação de seus imigrantes
nos loteamentos organizados em todo o oeste do Estado de São Paulo (Noroeste e
Sorocabana principalmente).
Foram
anexações inovadoras ao espaço geográfico regional do processo de
industrialização brasileiro. Foi a totalização parcial de um novo momento, em
que os fixos urbano-industriais materializados pela intencionalidade de
interesses longínquos passam a comandar com maior rigidez o funcionamento dos
sistemas de objetos e ações das áreas rurais.
Essas
empresas financiavam os pequenos produtores. Sem acesso ao crédito
institucionalizado, esses lavradores acabavam se comprometendo a entregar sua
produção a essas grandes companhias, mediante um adiantamento. Isso aconteceu
porque a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (CREAI) do Banco do Brasil,
criada em 1937, não dispunha de agências em todo o território, mesmo tendo sido
o crédito agrícola no país que começou a ser organizado de forma racional e em
escala ampla, na base de orçamentos de despesas calculados com mais lisura do
que nos períodos anteriores. Além disso, não contava com recursos para atender
devidamente os financiamentos de prazo longo, de que os agricultores
necessitavam para a construção de benfeitorias, aquisição de veículos, máquinas
e outros insumos modernos essenciais à modernização da
agricultura.
A
partir do traçado das estradas de terra construídas no momento cafeeiro, outras
foram anexadas, melhorando a fluidez do deslocamento das pessoas e dos produtos
agrícolas da zona rural para as cidades5. Dos municípios atravessados
pela estrada de ferro Noroeste do Brasil - que continuou sendo a espinha dorsal
da comunicação regional às outras áreas do espaço geográfico brasileiro e do
mundo -, escoavam-se as mercadorias, principalmente o algodão e seus derivados
beneficiados nas indústrias localizadas em Araçatuba e nos municípios de seu
entorno. Eram as cidades onde se contabilizavam os lucros das atividades
produtivas e os encaminhavam para seus controladores nas maiores cidades do país
e no exterior.
Diversifica-se o meio técnico na região, demandando mão-de-obra e
consequentemente mercadorias básicas para consumo. Cresce o número de unidades
beneficiadoras de produtos agropecuários e fábricas de alimentos durante a
década de 19306. Culturas alimentares intercaladas ao algodão -
principalmente arroz, feijão, milho, pecuária leiteira, avicultura e
suinocultura - eram praticadas pelos sitiantes, que plantavam para a
subsistência e para abastecer a demanda regional com o
excedente.
Nos
anos 1930, os municípios de Araçatuba, Birigui e Penápolis se destacaram como
aqueles que apresentaram a maior diversidade e número de empreendimentos:
beneficiamento de café, algodão e arroz; fiação e tecelagens; curtumes e
serrarias; carne, leite e derivados; açúcar, álcool, aguardente, melado e
rapadura; vinho e vinagre; massas alimentícias e biscoitos; padarias,
confeitarias e pastelarias; derivados de mandioca e milho; balas, chocolates,
caramelos, doces em conserva e condimentos; fábricas de calçados, de máquinas
agrícolas e de carroças; seleiros e ferreiros, e torrefação e moagem de café.
São essas as atividades de demanda regional que, em pequena escala,
instauraram-se na região. Algumas com caráter ainda artesanal, outras já dentro
do espírito da industrialização nascente, ou seja, com o uso das modernas
máquinas do momento e uma ascendente divisão social do
trabalho7.
Com o
término da ligação ferroviária entre Araçatuba e o Mato Grosso, várias vilas
surgiram à beira das estações da Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil. No entroncamento das estradas de rodagem, longe da estação ferroviária,
algumas colônias também cresceram e fundaram povoados: Auriflama, Bilac, Braúna,
Buritama, General Salgado e outras.
Em
1940, na região de Araçatuba, havia 22 aglomerações – municípios e vilas que,
como distritos de paz, depois se emancipariam. Possuíam uma população dispersa,
que em sua maioria morava nas áreas rurais, e no começo dessa década,
computava-se 288.474 pessoas.
Em
decorrência da expansão da estrada de ferro até o Mato Grosso e o surgimento
desses novos povoados, o crescimento demográfico regional durante a década de
1940 se deu principalmente com o desenvolvimento dessas localidades surgidas,
que migrantes e imigrantes escolheram para fazer a vida. Com um aumento anual
(3,45%) na década de 1940 maior do que o verificado em todo o Estado de São
Paulo, a região como um todo possuía 4% da população estadual. Imigrantes
(principalmente japoneses) e migrantes (principalmente nordestinos) fundaram e
povoaram os novos municípios entre Mirandópolis e Castilho8. Entre os
municípios mais antigos, alguns tiveram crescimentos anuais maiores que a média
sub-regional no período 1940-1950: Auriflama (2,5%), Buritama (4,6%) e Araçatuba
(3%). Este último município, o maior da região e o único com mais de 50 mil
habitantes, já figurava como polo regional.
No
ano de 1950, com uma ocupação predominantemente rural, a região de Araçatuba
possuía 34 aglomerações, entre municípios e distritos de paz. Requisitando
grande quantidade de mão-de-obra para os tratos culturais durante o ano todo, o
algodão e o café mantiveram a expansão demográfica na noroeste paulista
direcionada à zona rural. Sendo o processo produtivo "na lavoura" dos circuitos
espaciais dessas culturas ainda pouquíssimo mecanizadas, o trabalho realizado
com técnicas manuais em elevada densidade reproduzia na espacialidade regional a
formatação de sistemas de objetos e ações característicos do regime de
colonato.
Considerações
Finais
O
progresso da cotonicultura continuou em marcha acelerada até 1944. O quinquênio
1940/1944 pode ser considerado o período áureo do algodão em São Paulo,
assinalado por suas maiores safras. A safra de 1944 constituiu o recorde
absoluto no volume de produção. Já a safra de 1945 teve resultados desastrosos
devido ao decurso desfavorável do tempo daquele ano. Contudo, foi o poderio
norte-americano no controle internacional desse setor o que mais caracterizou a
retração da cultura do algodão no Estado de São Paulo.
Pressionados pelo crescimento contínuo dos seus estoques de algodão e a grande
colheita dos países produtores, os Estados Unidos se viram compelidos a adotar
uma política agressiva de exportação, com a alegação de constituir o
restabelecimento de sua participação histórica no setor. Isso gerou uma redução
dos preços internacionais em 1944, o que inibiu as perspectivas futuras dos
paulistas em relação a essa cultura. Com a crise, houve uma redução do plantio
nas áreas de formação de pastagens na noroeste. Para abastecer a demanda do
mercado interno, manteve-se em menor proporção a oferta da pluma e do caroço dos
pequenos produtores às grandes empresas localizadas na
região.
_________________________
2 Op cit. nota
1.
3 REGO, M. T. R. Proálcool na
região de Araçatuba: o doce fel do binômio cana-boi. 1990. 200 p. Tese
(Doutorado em Geografia Humana)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990.
4 Op cit. nota
1.
5 PINHEIRO, C.; BODSTEIN, O.
História de Araçatuba. Araçatuba (SP): Academia Araçatubense de Letras,
1997.
6 Op cit. nota
5.
7 Op cit. nota
3.
8 FALLEIROS, A.
Mirandópolis: sua evolução no século XX. Três Lagoas (MS): Gráfica Dom
Bosco, 1999.
Palavras-chave: crise de 1929,
algodão, região de Araçatuba (SP).
1 MONBEIG, P. Pioneiros e
fazendeiros de São Paulo. 2. ed. São Paulo: Hucitec-Polis,
1998.
Data de Publicação: 24/06/2009
Autor(es): Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor