A Visão dos Pequenos Proprietários Frente ao Projeto de Recuperação de Matas Ciliares¹ no Estado de São Paulo

1 - Introdução

            Admite-se hoje que 60 mil espécies vegetais, das cerca de 250 mil existentes no planeta, correm risco de extinção nos próximos 20 anos, devido à destruição do seu habitat natural2. Tal constatação tem despertado polêmica e preocupado os pesquisadores e políticos de todo o mundo.

            As matas ciliares se estabelecem como importantes formações florestais a serem conservadas e recuperadas. No Brasil, assim como na maioria dos países, a degradação das áreas ciliares sempre foi e continua sendo fruto da expansão desordenada das fronteiras agrícolas.

            O Estado de São Paulo, de acordo com levantamento da Secretaria de Estado do Meio Ambiente3, possui 3,398 milhões de hectares cobertos por vegetação nativa que representam 13,7% de sua área total4. A vegetação remanescente distribui-se de forma heterogênea e se concentra nas áreas de maior declividade, na Serra do Mar e nas unidades de conservação administradas pelo poder público. A grande maioria das quase 280.000 propriedades rurais encontra-se parcial ou totalmente mecanizadas5. Esta intensificação da agricultura acarretou um aumento na pressão sobre os recursos naturais e nos sintomas da degradação das terras.

            A supressão das florestas nativa, associada ao uso agrícola inadequado das zonas ciliares, tem levado ao comprometimento das funções e estrutura dos ecossistemas. Deste processo resultaram impactos negativos, tais como: aumento da erosão; perda da camada biologicamente ativa do solo; assoreamento de rios, lagos e reservatórios; aumento da freqüência e das cotas atingidas pelas inundações; e perda da biodiversidade local e regional. Mesmo com a proteção legal, as matas ciliares vêm desaparecendo das margens da maioria dos rios do interior do Estado de São Paulo e do Brasil.

            A recuperação e o reflorestamento de zonas ciliares assumem importância estratégica no contexto da recuperação de áreas degradadas em São Paulo, devido à relevância dessas áreas para o equilíbrio ecológico. Assim, a preocupação crescente de agricultores e do Governo do Estado de São Paulo com a situação levou ao reconhecimento da necessidade de implementar um programa que adote uma abordagem ampla e transdisciplinar das questões relacionadas à prevenção e recuperação de áreas degradadas.

No contexto da realidade da agricultura familiar no Estado de São Paulo, sabe-se que cerca de 80% das propriedades possuem menos de 50 hectares6. Assim, o Projeto de Recuperação de Matas Ciliares (PRMC) têm que considerar a importância da participação dos agricultores familiares nesse processo. As flutuações representadas pelas perturbações são extremamente significativas para a biodiversidade. 'A estabilidade nesses sistemas ecológicos deve ser definida, em termos dinâmicos, em uma sucessão com alternância de momentos instáveis e estáveis'7.

            Os objetivos gerais do PRMC são: apoiar a conservação da biodiversidade nos biomas existentes no território paulista (mata atlântica e cerrado) através da formação de corredores de mata ciliar, visando reverter a fragmentação que representa uma ameaça concreta à conservação dos ecossistemas; reduzir os processos de assoreamento de reservatórios, rios, suas cabeceiras e áreas de recarga, levando assim à melhoria da qualidade e quantidade dos recursos hídricos; e reduzir a pobreza rural através da criação de mecanismos para captar recursos financeiros oriundos dos serviços ambientais prestados pelas matas ciliares.

            O objetivo deste trabalho é avaliar a postura dos pequenos proprietários frente à recuperação de matas ciliares por meio do levantamento da situação atual, além de fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas, aumentando a adesão dos produtores rurais.

            O resultado específico é a caracterização da importância relativa dada pelos produtores das áreas de preservação permanente nas propriedades agrícolas do Estado de São Paulo.

2 - Metodologia

            Foi realizada uma amostra com o objetivo de estimar a extensão das áreas marginais dos cursos d’água sem vegetação ciliar em 19 das 22 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI)8 no Estado de São Paulo. Outro resultado deste levantamento é o conhecimento da percepção dos agricultores a respeito das Matas Ciliares, isto é, saber qual é o grau de informação e comprometimento do produtor rural com o problema.

            Foi delineada então a amostra probabilística cujos elementos foram obtidos a partir de informações das Unidades de Produção Agropecuárias (UPAs) 9 contidas no LUPA10.

            A amostra ficou composta por 1.108 Unidades de Produção Agropecuárias selecionadas e o levantamento de dados de campo ocorreu durante o primeiro semestre de 2007.

            As questões analisadas para a avaliação da postura do proprietário frente ao Projeto de Recuperação de Matas Ciliares no Estado de São Paulo são: 1) a importância dada por estes para as condições de participar do Projeto de Recuperação de Matas Ciliares, 2) a priorização das dificuldades para implantação de projetos de recuperação de matas ciliares e 3) a posição frente a uma restauração total das matas ciliares.

3 - Resultados

            Os resultados apresentados são preliminares, pois ainda restam algumas UPAs a serem levantadas. Conforme pode ser visto na figura 1, foram levantadas 994 Unidades de Produção Agrícolas, das quais somente 570 apresentavam menos de 50 hectares, sendo esses produtores o foco deste trabalho.

Figura 1 - Participação Percentual dos Produtores em Relação à Área no Levantamento. 

Fonte: Resultados da pesquisa.

            A avaliação dos dados levantados revela as razões apresentadas como forte e/ou importantes para adotar uma postura de participação no Programa de Recuperação de Matas Ciliares entre os entrevistados. As condições mais apontadas referem-se à obtenção de desconto em impostos ou taxas, recebimento de sementes e mudas, possibilidade de a mata ciliar proporcionar alguma renda, o programa dispor de mão-de-obra para replantio e manutenção da área em recuperação, seguidas de aspectos ligados a organização local e obtenção de crédito. A figura 2 ilustra este resultado, bem como permite apontar que todos as razões apresentadas apresentam grau importante na mobilização dos pequenos proprietários.

            Como razões fracas, porém positivas, indicadas pelos produtores para adotar postura participativa ao Programa de Recuperação de Matas Ciliares, são a possibilidade de algum uso das árvores na UPA e a de plantio de outras culturas nas entrelinhas durante o crescimento das mudas, estas principais opções foram seguidas da viabilidade de compatibilizar a mata ciliar com atividades geradoras de renda e realizar a atividade de forma coletiva (Figura 3).

Figura 2 - Porcentagem das Razões Fortes consideradas pelos Produtores Rurais para a Adoção ao Programa de Recuperação de Matas Ciliares no Estado de São Paulo. 

Fonte: Resultados da pesquisa.


Figura 3 - Porcentagem das Razões Fracas consideradas pelos Produtores Rurais para a Adoção ao Programa de Recuperação de Matas Ciliares no Estado de São Paulo.


Fonte: Resultados da pesquisa.

            Fatores indicados, que seriam indiferentes para a opção dos proprietários participarem do projeto, coincidem com os mais apontados como fracos mobilizadores, seguidos dos aspectos fiscalizadores e de facilitação em participar de outros programas públicos, além de receber cerca na UPA, conforme mostra a figura 4. Entre as figuras 3 e 4 se destacam os percentuais maiores de proprietários indiferentes a essas condições.

Figura 4 - Porcentagem dos Itens considerados Indiferentes pelos Produtores Rurais para a Adoção ao Programa de Recuperação de Matas Ciliares no Estado de São Paulo.


Fonte: Resultados da pesquisa.

            Sobre as dificuldades apontadas pelos proprietários para recuperação de matas ciliares, conforme mostra a figura 5, o alto custo de implantação foi a razão mais apontada como a de maior dificuldade e também a que foi mais indicada por maior número de produtores, mesmo quando não era vista como a mais restritiva. A falta de recursos financeiros para empreender a implantação das matas foi apontada como segunda maior dificuldade pela maioria dos entrevistados, sendo que também foi a segunda mais indicada pelos produtores. A terceira dificuldade mais assinalada foi a de fazer a manutenção da mata ciliar após o plantio. Apontadas como dificuldade por menor parcela de produtores foram o desconhecimento da importância da mata ciliar, a falta de modelos de recuperação e a falta de espécies adequadas (mudas ou sementes). Outros fatores, como falta de técnicos especializados foi apontado, mas como terceira opção por aqueles que identificaram esta questão, além de perda e falta de área de exploração e de mão-de-obra que também foram citados.

Figura 5 - Maiores Dificuldades encontradas pelos Produtores Rurais para a Implantação de Projetos de Recuperação de Matas Ciliares no Estado de São Paulo.


Fonte: Resultados da pesquisa.

            Explorados os aspectos motivadores e as dificuldades apontadas pelos proprietários, foi levantada a questão objetiva sobre a consideração destes sobre os efeitos de uma restauração total das matas ciliares. Conforme a figura 6, 76% dos entrevistados não consideram que poderiam ser prejudicados se as matas ciliares fossem totalmente restauradas e 20% consideram este processo como capaz de trazer prejuízo.

Figura 6 - Participação Percentual das Respostas dos Proprietários Rurais em Relação ao Prejuízo, caso ocorra Restauração da Mata Ciliar, Estado de São Paulo. 

Fonte: Resultados da pesquisa.

4 - Considerações Finais

            Este trabalho mostra que os pequenos produtores conhecem a importância da Mata Ciliar, mas a sua maior preocupação é a perda de área e a diminuição da renda associada ao plantio de Matas Ciliares. Outra preocupação é o custo e o trabalho do plantio e manutenção dessas nova áreas de matas. Sem resolver os problemas de baixa renda entre os agricultores, dificilmente o programa de Recuperação de Matas Ciliares terá a adesão desses produtores. O grande produtor pode ter o estímulo de preços diferenciados e o mercado externo para a adesão, ou mesmo os mecanismos de comando e controle. Porém, os pequenos produtores vão depender de estímulos econômicos para poder engajar ao programa.

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1Esse trabalho é parte do Projeto de Recuperação de Matas Ciliares no estado de São Paulo, da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo com financiamento do Global Environment Facility (GEF).

2HEYWOOD, V. H. Estratégias dos jardins botânicos para a conservação. Trad. De Patrícia de Oliveira Mousinho; Luiz A. Pedreira Gonzaga; Doroty Sue Dunn de Araújo. Rio de Janeiro: Jardim Botânico/WWF – Fundo Mundial para a Natureza, 1989. 68 p.

3SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO - SMA. Projeto de recuperação de matas ciliares: nota conceitual. São Paulo, maio 2004. Mimeo.

4NSTITUTO FLORESTAL. Inventário florestal. São Paulo, 2002.

5PINO, F. A. et al. (Org.). Levantamento censitário de unidades de produção agrícola do estado de São Paulo. São Paulo: IEA/CATI/SAA, 1997. 4 v.

6CHABARIBERY, D. Inovação e desigualdade no desenvolvimento da agricultura paulista. São Paulo: IEA, 1999. 178 p. (Coleção Estudos Agrícolas, 7/99).

7CALIJURI, M. C.; BUBEL, A. P. M. Conceituação de microbacias. In: LIMA, W. P.; ZAKIA, M. J. B. (Orgs.). As florestas plantadas e a água. [S.l.]: RIMA/CNPq, 2006.

8Destaca-se que não será feito o levantamento nas Bacias Litorâneas pela configuração atual de relevo e cobertura vegetal.

9É a unidade usada para o levantamento censitário da Secretaria da Agricultura de São Paulo.

10Levantamento censitário de unidades de produção Agropecuária da IEA/CATI/SAA, realizado em 1995/96 e atualizado entre 1998 e 2003 (COORDENADORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTEGRAL - CATI. Levantamento censitário de unidades de produção agrícola do estado de São Paulo. São Paulo: CATI/SAA, 2003. Não publicado).

Palavras-chave: mata ciliar, pequeno agricultor, recuperação florestal.

Data de Publicação: 13/06/2008

Autor(es): Ana Maria Pereira Amaral (apmaral@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Ana Victoria Vieira Martins Monteiro (ana.monteiro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Raquel Castelluci Caruso Sachs (raquelsachs@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor