Café: Avançando Sobre A Cadeia De Valor

            A Análise das cotações da segunda posição na bolsa de Nova Iorque para os cafés arábicas e na bolsa de Londres para os robustas, no período de janeiro de 2000 a novembro de 2001, mostra queda praticamente contínua durante todo o período, exibindo para novembro de 2001 ligeira recuperação para o arábica e relativa estabilidade para o robusta (gráfico 1). Entretanto, isto não garante que se iniciou uma recuperação sustentada nas cotações do café no mercado internacional. Bastou o aumento na oferta dos países da América Central, na última semana de novembro, para que as cotações dos cafés arábicas voltassem a cair. Assim, apesar de a cotação média dos arábicas em Nova Iorque, em novembro, ser maior que a de outubro, para a segunda posição, a variação do início ao final de novembro indica uma redução de 4,55%.
            No caso das cotações dos robustas em Londres, apesar dos valores médios de novembro serem menores que os de outubro (-1,67%), a variação do início de novembro para o final do mesmo mês indica alta de 1,29%, com tendência de recuperação. Porém, enquanto em 2000 o preço do café robusta representava em média 43% do preço do arábico, em novembro de 2001 atingiu apenas 35,50%.

Gráfico 1- Cotações da segunda posição do arábica, contrato C, na Bolsa de Nova York e do robusta na
Bolsa de Londres, em dólar por saca de 60 kg, no período de janeiro de 2000 a novembro de 2001

                 Fonte: Gazeta Mercantil
                 Fonte: Elaborado a partir de dados da Gazeta Mercantil.

Mercado interno

            A parcela de cafeicultores que aderiu à renegociação das dívidas e/ou contratou financiamento para a pré-comercialização obteve, concomitantemente, maiores possibilidades de planejamento da comercialização do produto da colheita. Com menor urgência de venda e menor pressão de despesas (aquisição de alguns insumos em escala reduzida em função da expectativa de rentabilidade negativa), os cafeicultores resistem à transmissão das deprimidas cotações praticadas no mercado internacional. O mercado mostrou-se susceptível ao conceder maiores prêmios para os cafés finos, sinalizando que tal tendência intensificará no próximo ano. Cafeicultores adeptos ao conceito de qualidade podem ser beneficiados por esse fenômeno, arrefecendo o impacto da crise de preços que perdurará ao longo de 2002.
            A trajetória de crescimento dos preços dos cafés finos foi acentuada até meados de novembro quando o mercado pagava entre R$ 120,00 e R$ 125,00 a saca de 60kg. O movimento de vendas doméstico e a entrada dos cafés despolpados no mercado internacional fizeram os preços médios para os cafés finos caírem para o patamar de R$ 117,00 a saca (gráfico 2).

Gráfico 2 – Cotação diária por saca de café verde, arábico tipo 6 para melhor, conilon
(7/8 sem descrição e com até 10% de broca), safra 2000/01, FOB Armazém

                Fonte: Elaborado a partir de CARVALHAES, outubro e novembro de 2001

            Para os demais tipos de bebidas, as cotações oscilaram em menor intensidade quando comparadas com as dos cafés finos. Ao longo de novembro, os cafés duros apresentaram cotações entre R$ 103,00 e 100,00 por saca de 60kg; os riados entre R$ 90,00 e 105,00 por saca e os cafés rios entre R$ 85,00 e R$ 95,00 por saca.

Exportação de café torrado

            Os cafés torrado e torrado e moído têm ocupado espaço no noticiário econômico sobre as exportações do País, devido à urgente necessidade de o Brasil aumentar o valor de suas exportações por razões de equilíbrio macroeconômico. Para se alcançar esse objetivo, uma das saídas seria exportar produtos com maior valor agregado. Neste caso, já há excelentes resultados com a exportação dos cafés diferenciados, refletindo o sucesso dos concursos de qualidade realizados no Brasil, como os de cafés especiais, cujos premiados chegam a vender seu produto a preços 3 ou 4 vezes superiores ao valor de mercado do café convencional. São iniciativas que merecem toda a sorte de apoio, pois, apesar de algumas restrições que se lhes possam ser feitas, são indubitavelmente uma das eficientes (e talvez mais baratas ) formas de se fazer marketing do nosso produto, divulgando para o mundo (degustadores internacionais e formadores de opinião) que o Brasil tem condições de atender aos mais exigentes consumidores de café em termos de qualidade.
            Desde 1993, o Instituto de Economia Agrícola vinha se preocupando com o assunto, tendo inclusive reunido um grupo de lideranças para discutir a questão. Não houve, naquela época, qualquer manifestação de interesse. Somente há poucos meses o tema voltou a ser discutido, em grande parte, pelas razões já expostas (problemas de balanço de pagamentos).
            Atualmente, as importações mundiais de café torrado equivalem a 6 milhões de sacas de café verde, sendo que só a França responde por cerca de 1,120 milhão de sacas. O segundo maior importador de café torrado é o Canadá com 945 mil sacas. Para se ter idéia do rápido crescimento desse produto no mercado, cite-se que suas exportações quadruplicaram em relação a 1982, quando comparadas com o incremento de 100% observado no mesmo período para o café solúvel. O que nos chama a atenção, porém, é a pequena presença dos países produtores de café na comercialização direta do produto torrado e moído, participando com menos de 120 mil sacas nesse mercado de 6 milhões de sacas (tabela 1). O Brasil e a Colômbia, em 2000, exportaram apenas 11.900 e 3.600 sacas, respectivamente. O principal exportador foi a República Dominicana, com 50 mil sacas, país que produz cerca de apenas 600-700 mil sacas de café.

Tabela 1 - Exportação de café torrado e torrado e moído pelos países produtores,
total mundial, 1998-2000
(em equivalente sc/60kg de café verde)

País
1998
1999
2000
%
Colômbia
4.519
2.777
3.652
3
Costa Rica
22.649
78.318
12.931
11
República Dominicana
3.698
50.716
51.924
44
México
19.511
14.237
28.519
24
Brasil
2.709
2.869
11.911
10
Guiné
0
2.409
1.107
1
Subototal
53.086
151.326
110.044
93
Outros
8.344
6.930
7.919
7
Total Mundial
61.430
158.256
117.963
100

               Fonte: OIC, baseado no Jornal Coffee Business, 10/09/01

            O que se espera, portanto, é que esse objetivo seja concretizado. Entretanto, algumas questões, envolvendo esse novo empreendimento, precisam ser bem discutidas. Entre elas, está a estratégia relacionada com os canais ou estruturas de comercialização. Uma das opções seria uma parceria com redes globais de varejo, já estabelecidas nos mercados tradicionais e emergentes de café. Para se ter idéia do potencial desses canais de escoamento da produção, cite-se que só a Wal-Mart, maior rede de varejo do mundo, importa anualmente o equivalente a mais de US$ 140 bilhões em mercadorias, dos quais cerca de US$ 18 bilhões de procedência chinesa e apenas US$ 30 milhões de origem brasileira. Mas vale um alerta: é necessário que seja mantida a mesma tradição de seriedade, desfrutada no comércio de café verde e construída ao longo de vários anos, no cumprimento de contratos. É preciso insistir nesse ponto, pois tem-se informações de que uma grande transação de café torrado para uma rede de varejo no exterior fora anulada, uma vez que o produto efetivamente exportado não correspondia às especificações acordadas inicialmente.
            Outra questão que precisa ser analisada é a possibilidade de a nossa indústria ter de importar café não só para a formulação de blends que atendam aos gostos dos consumidores, como também para manter a nossa competitividade no exterior e principalmente os compromissos de fornecimento, estabelecidos em contratos muitas vezes de médio e longo prazos. É questão delicada que deverá encontrar resistência, mesmo reconhecendo-se que o agronegócio do café não tem o que temer com o mercado globalizado, dada a presença de um elevado contingente de empresários muito eficientes, que só teria a ganhar com um mercado sem fronteiras. Por outro lado, é importante frisar que nenhuma empresa varejista de porte global estaria disposta a assumir compromissos de distribuição sem a garantia de suprimento.
            Ainda dentro desse contexto de análise, uma sugestão é que as grandes empresas de torrefação existentes no Brasil fossem solicitadas a dar a sua parcela de contribuição nesse esforço exportador, assim como que novas indústrias que eventualmente viessem a se estabelecer no Brasil (afinal somos o segundo país consumidor de café no mundo) assumissem também compromissos de exportar parte de sua produção. Com esse procedimento por parte das transnacionais, abrir-se-iam espaços para a atuação das empresas brasileiras de menor porte, mas com condições tecnológicas de agregar valor ao produto exportado. Finalmente, há que se levar em consideração também a capacitação tecnológica de nossas indústrias de torrefação, perfil esse que está sendo analisado através de uma pesquisa em andamento no IEA, abrangendo empresas distribuídas por todo o território brasileiro.

As exportações brasileiras de café no período de janeiro a outubro

            No período janeiro a outubro, a receita de exportação de café (grão verde e solúvel), um dos mais importantes produtos do agronegócio brasileiro, manteve forte redução (-20,92%), em relação ao mesmo período de 2000, que só não foi maior porque o volume exportado cresceu 27,76% (tabela 2). Essa redução deve-se à forte queda de preço no mercado internacional, que no mesmo período atingiu decréscimo de 31,32% para o arábica na Bolsa de Nova Iorque e de 37,67% para o robusta na Bolsa de Londres. O café e o suco de laranja são os únicos, daqueles mais importantes produtos exportados pelo agronegócio brasileiro, que tiveram forte redução de receita cambial no ano de 2001.
            As exportações de solúvel, que apresentaram forte crescimento no volume, também tiveram preços declinantes, resultando em queda de 3,77% na receita de divisas internacionais (tabela 2).

Tabela 2 – Exportações brasileiras de café verde, solúvel e total em 2001, janeiro a outubro

Item
Valor ( US$ mil)
Quantidade (mil sacas)
2001
2000
Var. (%)
2001
2000
Var. (%)
Verde
1.017.064
1.321.583
-23,04
16.890
13.208
27,88
Solúvel
157.510
163.676
-3,77
1.772
1.399
26,66
Total
1.174.574
1.485.259
-20,92
18.662
14.607
27,76

               Fonte: SECEX/MDIC.

Países concorrentes buscam estratégias próprias

            Os países produtores, à semelhança do Brasil, esforçam-se pela busca de políticas e ações que minimizem o impacto da crise de preços sobre os cafeicultores. No Vietnã, foi implementada uma renegociação da dívida dos produtores (rebaixamento da taxa de juros, ampliação do prazo de pagamento e inclusão de carência). O país também decidiu acelerar a erradicação de robusta, substituindo-o pelo arábica (meta de 40.000 hectares até 2004), apoiado pela agência de desenvolvimento francesa. Na Colômbia, as autoridades governamentais adicionaram cerca de US$ 10 cents por libra peso de café pergaminho, ampliando o subsídio ao produto. O governo federal dispõe de US$ 17 milhões para esse subsídio aos cafeicultores. Concomitantemente, diversos acordos de comercialização de cafés torrado e moído e solúvel têm sido celebrado com varejistas europeus e estadunidenses. A estratégia básica é avançar sobre a cadeia de valor, capturando as oportunidades existentes nessa área. A Indonésia tenta conseguir um acordo com o Vietnã e a com Índia, visando criar uma estrutura reguladora da oferta de robusta. O México, após finalizar um cadastro de cafeicultores, criou um fundo para equalizar os preços recebidos aos custos de produção. O governo federal reservou cerca de US$ 58 milhões para essa política, cujo intuito é preservar a renda dos cafeicultores. Na Índia, pretende-se diminuir os custos de transação com financiamento aos exportadores. O país pretende ainda criar o hábito do consumo do café, efetuando campanha sobre o assunto. A Costa Rica implementou subsídio de US$ 8,00 por saca de café aos cafeicultores, enquanto Honduras busca financiamento no Banco Mundial para também apoiar seus produtores. Guatemala, Nicarágua e Panamá, que enfrentam graves crises sociais nas zonas produtoras, têm lançado alertas aos países consumidores sobre essa problemática, o que motivou pronunciamentos de duas das principais empresas torrefadoras mundiais.
            Enfim, os países produtores, isoladamente ou em bloco, buscam alternativas para preservar sua cafeicultura. Sabemos que 2002 poderá ser um período de cotações ainda menores do que as atuais, enquanto a maioria das políticas é de curto prazo e tende a se esgotar. Assim, a equação não fecha e a dramaticidade da crise se intensificará.
 

1 Convênio IEA/APTA-SAA-DESR/ESALQ/USP.

Data de Publicação: 05/12/2001

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor