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Desenvolvimento de mercados agrícolas orgânicos
Diversos temas foram discutidos na Conferência BIOFACH/Brasil, realizada nos dias 25 e 26 de setembro, com a finalidade de promover o desenvolvimento do mercado agrícola orgânico no Brasil. O evento, ao qual acorreram cerca de 1200 participantes, foi promovido por International Federation of Organic Association Movements (IFOAM)1, BIOFACH2 e Planeta Orgânico3 e apoiado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)4, pelo Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (SEBRAE)5, Banco do Brasil6, Estado e Prefeitura do Rio de Janeiro. 1 IFOAM: http://www.ifoam.org/
A BIOFACH/Brasil abrangeu inúmeras atividades tais como: painéis sobre os temas
mercado orgânico, compreendendo palestras sobre marketing orgânico e mercado
orgânico no Brasil; certificação – legislação e certificação de orgânicos no
Brasil e certificação participativa; e perspectivas e desafios do mercado
brasileiro.
Também foram discutidos assuntos específicos abrangendo soja orgânica, com as experiências da empresa BIOCRUSH e da cooperativa COTRIMAIO do Estado do Rio Grande do Sul; café orgânico, com apresentação dos princípios básicos que norteiam a produção e as implicações do processo de normatização, certificação e cenários da comercialização do produto; carne orgânica, através da experiência da Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO), criada em 2001, dando panorama do mercado internacional da carne orgânica e da certificadora argentina Organização Internacional Agropecuária (OIA)7
sobre rastreabilidade e sanidade animal; frango orgânico - perspectivas para a
produção; e cana-de-açúcar - a experiência da usina São Francisco e da marca
Native.
Outros temas abordados são: marcas orgânicas e estratégias de venda – mercado 'in natura' minimamente processados; perspectivas para o consumo de orgânicos em cozinhas industriais; supermercados brasileiros – com a participação de representantes das redes Carrefour e Pão-de-Açucar; supermercados na perspectiva internacional - com a participação dos grupos NaturaSi (sistema de franchise) e Hipp (alimentos para bebes); apoio à pequena e média empresas e à agricultura familiar, com palestras do secretário da agricultura familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e do SEBRAE-RJ; investimentos e microfinanciamento para o desenvolvimento sustentável com exposições do Banco do Brasil, BNDES8 e do grupo AxialPar sobre capitalismo de risco; fitoterápicos; fruticultura; horticultura orgânica no Estado do Rio de Janeiro; e laticínios orgânicos – com exposição da EMBRAPA GADO DE LEITE9 e do ator e produtor orgânico Marcos
Palmeira da Fazenda das Palmeiras
O presidente da IFOAM, Gunnar Rundgren, afirmou que a produção brasileira é
importante tanto para a exportação quanto para o mercado doméstico. Ressaltou
que o setor agrícola orgânico se desenvolveu no mundo mais rápido do que está
proposto pela Agenda 21 para agricultura sustentável. Estima que existam cerca
de 25 milhões de hectares de produção orgânica que não fazem parte do mercado
certificado. O plantio orgânico somaria cerca de 50 milhões de hectares, o
equivalente ao total da área estimada para as culturas transgênicas existentes
no mundo.
Rundgren estimou que, atualmente, o mercado agrícola orgânico gira em torno de
US$ 23 bilhões a 25 bilhões de dólares e em 2005, podendo alcançar de 29 bilhões
a 31 bilhões de dólares, com taxa anual de crescimento de 10 a 20% nos países
desenvolvidos, que permanece constante há cerca de 20 anos. Destacou também que
na Alemanha cerca de 70% do mercado de 'baby food' já é orgânico, devendo chegar
a 80/90% em breve, o que demonstra a preocupação dos pais com a saúde de seus
filhos
Segundo o palestrante, existem seis fatores que facilitam o sucesso desses
produtos: forte demanda; apoio firme das empresas de alimento; vendas através de
supermercados; preços-prêmio moderados (diferença menor do que 50% em relação
aos convencionais); possibilidade de haver apenas um selo orgânico, pois na
Alemanha há mais de 50 certificadoras, o que confunde o consumidor; e promoção
profissional dos produtos orgânicos.
Rundgren considera os produtos convencionais baratos demais, e não apenas os
orgânicos caros. Assim, a boa imagem que tem o produto orgânico é indicador de
bons negócios. Além disso, o consumo de produtos orgânicos tende a se tornar um
estilo de vida, avançando para outros setores (têxteis, cosméticos, etc.).
O pesquisador Moacyr Darolt, do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR)10, afirmou que, se no mundo o mercado cresce 10% a
20% ao ano, no Brasil a expansão é de 30% a 50 %. O problema é que a base do
crescimento ainda é muito pequena. Cerca de 90% dos produtores são pequenos e
responsáveis por aproximadamente 70% da produção, embora se verifique uma
tendência para a entrada de grandes produtores. Existem atualmente 21
certificadoras e mais 9 entrando no mercado.
Segundo o expositor, a demanda por produtos orgânicos é cerca de 35 % superior à
oferta. A principal motivação para o consumidor adquirir os orgânicos é a de
preservação da saúde. Darolt ressalta que os órgãos oficiais que levantam a
produção agrícola ainda ignoram a existência da produção orgânica no país. Não
há estatísticas oficiais.
O Ministro do Desenvolvimento Agrário através de manifestação por meio de vídeo
afirmou que está estimulando a agricultura orgânica com o objetivo de afirmar um
novo padrão tecnológico que respeite o meio ambiente através da agricultura
familiar.
O representante da Usina São Francisco11, do
grupo Balbo, afirmou que a decisão de produzir açúcar orgânico, principalmente
para exportação, deveu-se à convicção da justeza social, ambiental e econômica
desse processo de produção. A empresa exporta cerca de 38 mil toneladas de
produtos, como açúcar, café, soja e suco de laranja, para 30 países.
Do ponto de vista da produção agrícola, o objetivo é reconstituir o solo da
fazenda como um todo. O resultado é a produtividade de 97 toneladas por hectare
quando a média da região de Sertãozinho é de 82 toneladas/ha. A usina possui
laboratório e equipe cuja missão é o controle de doenças e pragas através do
equilíbrio. Traz até mesmo patógenos de fora da fazenda para estudar, com o
objetivo não de eliminar qualquer uma delas mas sim de descobrir como podem
utilizá-las ecologicamente no contexto da produção da cana. Denomina de plantas
espontâneas o que os produtores convencionais chamam de ervas más ou ervas
daninhas. Não procura eliminar o mato com herbicidas mas apenas controlá-lo,
convivendo com ele em beneficio da cana.
Há também grande preocupação com o manejo da estrutura física do solo, pois
utiliza máquinas que exercem baixa pressão sobre o terreno. Assim, além de
evitar a compactação, a usina preserva as formigas lava-pés que controlam as
saúvas, pois, para o grupo, quem controla a formiga são as próprias formigas.
Plantou cerca de um milhão de árvores nativas visando proteger as nascentes e
melhorar a biodiversidade. Com o desenvolvimento da cultura orgânica há mais de
12 anos, hoje constata a recuperação da fauna com o aparecimento do veado
mateiro e do cachorro do mato.
Com apoio de universidades, a empresa verificou que a cadeia alimentar nativa
está totalmente recuperada. O canavial orgânico, dada a sua extensão, tornou-se
refúgio para espécies como guaxinim, tamanduá e capivara. O representante da
usina considera que se conseguiu provar que, com a saúde do solo, tudo para a
frente se resolve, ou seja, a saúde da planta, dos animais e do homem. Afirma
que os produtos orgânicos devem tornar-se uma alternativa, pelo conhecimento das
suas qualidades positivas próprias e não porque os consumidores que não os
adquirirem 'vão morrer de câncer por causa dos agroquímicos dos convencionais ou
dos transgênicos'.
O representante da Usina São Francisco ressaltou ainda que entrar nesse setor
não é fácil, mas é extremamente gratificante. E finalmente reivindicou que a
tributação do açúcar orgânico deveria ser menor do que a do convencional, uma
vez que não gera danos à saúde de trabalhadores e consumidores, assim como ao
meio ambiente, deixando de onerar o Estado.
Junto à Conferência ocorreu uma Feira de empresas e instituições públicas e
privadas ligadas ao setor agrícola orgânico, reunindo 36 estandes com a
participação de certificadoras, comercializadoras, alimentos orgânicos,
vestuário, cosméticos, bancos e produtores.
A pesquisadora Yara Maria Chagas de Carvalho, do IEA e também presidente da Associação de Agricultura Orgânica (AAO)12,
participou do painel sobre o mercado orgânico brasileiro. Afirmou que 'o mercado
brasileiro de orgânicos passa pelas transformações que caracterizam sua evolução
através do mundo. No Brasil, como lá fora, a agricultura orgânica se desenvolveu
fundamentalmente associada à agricultura familiar. Entre nós, caracterizou-se
também como uma estratégia de capitalização e inserção no mercado. O maior
interesse do consumidor tem atraído novos produtores ao mercado, acirrando a
competição em todos os elos da cadeia produtiva'.
2 BIOFACH : http://www.biofach.de/main/page.html
3 Planeta Orgânico: www.planetaorganico.com.br
4 MDA: www.mda.gov.br
5 SEBRAE: www.sebrae.org.br
6 Banco do Brasil: www.bb.com.br
7 OIA: www.oiabrasil.com.br
8 BNDES: www.bndes.gov.br
9 Embrapa Gado de Leite: www.cnpgl.embrapa.br
10 IAPAR: www.pr.gov.br/iapar
11 Grupo Balbo: www.nativealimentos.com.br
12 AAO: www.aao.org.br
Data de Publicação: 14/10/2003
Autor(es): Richard Domingues Dulley Consulte outros textos deste autor