Café: Como Reduzir A Oferta Mundial(1)

Mercado externo

            No final de agosto, a cotação do café arábica na Bolsa de Nova Iorque para o Contrato C, vencimento para setembro, fechou em US$ 66,80 a saca de 60 kg, caindo 6,81% em relação ao final de julho. As cotações para dezembro mudaram para a faixa de US$ 70, estabilizando-se em torno desse valor, uma vez que passaram os efeitos dos riscos de geadas no Brasil e as exportações mundiais continuaram crescendo, inclusive reforçadas pelas brasileiras, após as mudanças na operação da política de retenção. Esta tendência deverá agora ser influenciada pelas perspectivas da futura safra brasileira, cuja florada esta se iniciando.

GRÁFICO 1 – Café Arábica, Contrato C na Bolsa de Nova Iorque, Cotação para Dezembro de 2001

   Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de Gazeta Mercantil, agosto 2001.

            No mercado de Londres, as cotações do café robusta para setembro, estabelecidas no final do mês de agosto, atingiram US$ 27,42/sc, caindo 14,04% em relação às cotações para o mesmo período no final de julho. Para vencimento em novembro, a redução foi de 7,92%, indicando que a oferta continua abundante no mercado mundial, e as fortes quedas nas cotações do produto continuam (gráfico 2).

GRÁFICO 2 – Café Robusta, Bolsa de Londres, Cotação para Novembro de 2001

           Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de Gazeta Mercantil, julho 2001.

Mercado interno

            As cotações no mercado interno de café mantiveram-se relativamente estáveis com pequenas oscilações positivas para arábicas finos, duros e riados. A continuidade da desvalorização do real, a desistência de intervir no mercado e o início da oferta da nova safra (que amplia significativamente os estoques de passagem) sustentaram compras expressivas dos exportadores, que inclusive tiveram dificuldade em se abastecer com produto de melhor qualidade. Alguns exportadores prevêem escassez de arábica no médio prazo, o que impediria maiores quedas de preços (gráfico 3).

GRÁFICO 3 – Cotação Diária por Saca de Café Verde, Arábica Tipo 6 para Melhor, Conilon (7/8 sem descrição e com até 10% de broca), Safra 2000/01, FOB Armazém

         Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de Gazeta Mercantil, agosto 2001.

            As cotações do mercado de conilon também mostram relativas majorações positivas, refletindo a grande procura pelo produto por parte de torrefadores nacionais, os quais visam manter suas marcas com preços competitivos nas gôndolas dos supermercados. Na composição dos cafés das chamadas 'marcas de combate' (café torrado e moído, com preços populares), já predomina o conilon.
            Quanto aos preços recebidos pelos produtores de café arábica, em São Paulo, verificou-se que se mantiveram estáveis em agosto, sendo que, no acumulado de janeiro/agosto de 2001, caíram apenas 6,19% (em termos nominais) e nos últimos 12 meses, cerca de 15,27%. As quedas foram inferiores às observadas na Bolsa de Nova Iorque, com redução de 20,36% no ano e de 31,81% nos últimos 12 meses. O menor impacto interno da queda das cotações internacionais está associado à desvalorização do real, que neste ano, até agosto, atingiu 30,50%.

Vietnã: mais um blefe?

            As notícias que têm sido veiculadas no mundo cafeeiro, até com certa euforia, são de que o Vietnã estaria planejando reduzir sua produção cafeeira dos atuais níveis de 13,3 milhões para 9,96 milhões de sacas, ou ainda reduzir a área plantada com café de 600 mil para menos de 500 mil hectares. O que se indaga no setor é se essa notícia deve ser levada a sério ou se seria mais um blefe desse país. Recentemente, por exemplo, um líder da cafeicultura vietnamita declarou, sem a menor cerimônia, que aquele país assumira integralmente os compromissos com o Plano de Retenção de Café (com o qual nós do IEA sempre fomos contra ) e que, por isso, não conseguia entender porque o Vietnã estava sendo apontado como um dos causadores dos baixos preços vigentes na cafeicultura mundial.
            Apenas para informar aos leitores que eventualmente não tenham acompanhado todo esse processo da retenção, lembramos que, enquanto o Brasil reduzia suas exportações de café de 23 milhões para 18 milhões de sacas (-22%), entre os anos de 1999 e 2000, o Vietnã aumentava de 7,7 milhões para 11 milhões de sacas no mesmo período (+ 45%). Diante dessa falta de consistência entre o discurso e a práxis, fica a dúvida no mercado se os anúncios seriam para valer mesmo ou apenas mais uma das práticas recorrentes para confundir o mercado. As dúvidas são justificadas ainda pelo fato de que esse mesmo limite de área estabelecido como meta é citado por publicações especializadas como sendo área já ocupada com café no país.
            Alguns argumentos podem ser citados para justificar as dúvidas com relação ao mencionado plano. Em primeiro lugar, o Vietnã possui poucas alternativas de cultivo além do café; em segundo lugar, acredita-se que dificilmente abriria mão de sua condição de segundo produtor mundial de café; em terceiro lugar, pairam também dúvidas quanto à eficácia de qualquer plano governamental visando cortar a produção devido aos desvios na aplicação de eventuais recursos financeiros; finalmente, é necessário considerar que deve pesar nas decisões o custo social de se abandonar ou erradicar as lavouras de café, devido à importância dessa atividade como empregadora de mão-de-obra abundante e barata.
            Se os fatores mencionados vão ter a força para impedir o deslocamento da produção vietnamita para patamares inferiores, é difícil prever. Por outro lado, observa-se que suas lideranças do café vêm se conscientizando de que o país não deve permanecer na contramão do mundo dos negócios, ao privilegiar os aspectos quantitativos em detrimento dos aspectos qualitativos.
            Quanto à anunciada redução de área, acreditamos que só existe uma maneira eficiente de se atingir aquele objetivo. É o ajuste via mercado, ou seja, pela permanência dos preços de mercado em níveis inferiores aos custos de produção, que de acordo com diferentes fontes variam de US$ 25 a US$ 40 por saca. Pode-se trabalhar com prejuízos por algum tempo, mas nunca o tempo todo.

Equacionando a dívida dos cafeicultores

            A questão do endividamento crônico da agropecuária tem sido um dos temas mais discutidos e analisados pelas autoridades governamentais responsáveis pela política agrícola. Fenômenos como divergência entre taxa de juros cobrada pelos financiamentos bancários e o comportamento dos preços recebidos pelos produtores trouxeram novamente à tona, a partir do final dos anos 80 (época dos planos de estabilização), demandas como securitização, anistias, prorrogações e refinanciamentos. Entretanto, tais medidas, invariavelmente, beneficiam alguns poucos em detrimento da grande maioria dos produtores, que em geral trabalham com recursos próprios e, consistem ainda numa injustiça em relação a outros que religiosamente cumprem seus compromissos, pagando em dia os financiamentos contratados.
            Quando se procuram soluções para o endividamento dos cafeicultores (os grandes privilegiados na destinação dos recursos do Funcafé) - como aquela que propôs a prorrogação por 20 anos das dívidas, com 3 anos de carência, conforme carta abaixo-assinada e enviada ao Ministro da Agricultura -, deve se levar em conta que sempre existirá um custo social embutido em qualquer das alternativas propostas. Nesse caso específico, a deterioração da saúde financeira do Funcafé e conseqüentemente do Banco do Brasil (atual gestor dos recursos) demandará aportes cuja origem é necessariamente o tesouro público, ou seja, toda a sociedade que através dos impostos e taxas forma o caixa do governo.
            Nas atuais atribuições do Estado, existe o dilema entre o universalismo e a focalização das políticas públicas. No caso da dívida, não há como deixar de considerar que inúmeros cafeicultores possuem outros ativos e que outros possuem apenas o café na formação de sua renda. Assim, a renegociação sugerida não leva em conta essa diferença entre os produtores.
            Finalmente, há que se considerar a discriminação embutida na proposta, justamente contra os cafeicultores que pagaram em dia os créditos contratados, inclusive desmobilizando ativos, e que utilizaram de recursos próprios para o manejo de suas lavouras. Não há como reformar nosso empresariado rural sem que esse costume de socializar custos seja combatido e extirpado. A ânsia dos contumazes devedores em obter benesses públicas precisa ser contida e eliminada para que o segmento se consolide dentro do novo padrão de competição que se instaurou, com as mudanças no panorama internacional.
            Uma alternativa que o governo poderia estudar é a da prorrogação caso a caso, para o prazo de um ciclo longo da cultura de cerca de 10 anos, envolvendo um período de baixa como o que o setor está defrontando, e um ciclo de alta que deverá surgir nos próximos anos. Assim, para um ciclo dessa ordem poderia prorrogar-se por até 10 anos a dívida dos produtores, com dois anos de carência, a juros de crédito rural e com garantias reais para o saldo devedor (valendo-se inclusive das CPRs), de tal forma que para toda a sociedade não se caracterize como uma doação do Tesouro da União. Nessas condições, os devedores poderão iniciar o pagamento das dívidas com os melhores resultados da cultura, considerando-se a perspectiva de um novo período de alta que deverá ocorrer daqui a uns 2 anos, quando deverá ser observado um corte de 15 % da oferta média mundial de café, com a redução tanto na área cultivada como na produtividade. Esse caminho a nosso ver seria um bom início para se começar a formular uma alternativa para os devedores do Funcafé.
 

1 Convênio IEA/APTA-SAA-DESR/ESALQ/USP.
 

Data de Publicação: 06/09/2001

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor