Café: Dois Mitos Em Farrapos(1)

Mercado externo

            O mercado internacional do café arábica vivenciou no mês de julho a expectativa de geadas no Brasil que pudessem afetar a oferta futura do grão. Como estas não ocorreram, o mercado continuou a sinalizar a tendência de queda nas cotações para setembro, com declínio da ordem de 9,24%, atingindo ao final de julho o mais baixo nível nos últimos 9 anos. Essa situação é fruto do contínuo crescimento das exportações, dados o excedente de oferta disponível nos países produtores e os volumosos estoques formados nos países consumidores (Gráfico 1).

GRÁFICO 1 – Café Arábico, Contrato C na Bolsa de Nova Iorque, Cotação para Setembro de 2001

                           Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de Gazeta Mercantil, julho 2001.

            O mercado de café robusta não se mostrou menos desanimador, em função de os países asiáticos ofertarem volumes crescentes, fazendo com que as cotações para setembro, na Bolsa de Londres, apresentassem queda de 6,17% em julho (Gráfico 2).
            O mês de julho frustrou a expectativa dos produtores brasileiros, que deverão continuar a se defrontar, nos próximos meses, com preços ainda menores, de acordo com os fundamentos manifestados pelo mercado.

GRÁFICO 2 – Café Robusta, Bolsa de Londres, Cotação para Setembro de 2001

                   Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de Gazeta Mercantil, julho 2001.

Mercado interno

            A especulação em torno do comportamento do clima nas regiões cafeeiras brasileiras arrefeceu com a diminuição dos riscos de geada. Paralelamente, as precipitações também contribuíram para a minimização do déficit hídrico, sinalizando desde já para uma grande colheita em 2001/02. Diante desse quadro, ainda que as exportações brasileiras tenham ganho maior ritmo, os negócios mantêm-se 'arrastados' (expressão usada pelos corretores do Escritório Carvalhaes), ou seja, produtores relutam em comercializar seus produtos e compradores encontram dificuldades em se abastecer visando atender compromissos com clientes internacionais. Em julho, as cotações atingiram o patamar mais baixo nos últimos nove anos, com valores oscilando entre US$ 53,00 e US$ 56,00 cents/lbpeso (em 1992, tivemos o mais baixo preço da história do café com US$ 48,00 cents/lbpeso). Os cafés finos abriram o mês cotados entre R$ 127,00/sc e R$ 130,00/sc, perdendo sustentação e declinando para R$ 122,00/sc a R$ 118,00/sc nas semanas subseqüentes. Tendências similares esboçaram todas as demais qualidades, com preços maiores para o princípio do mês e queda ao seu término. Notícias de clima favorável e bom fluxo de abastecimento impediram que ocorressem aumentos nas cotações (Gráfico 3).

GRÁFICO 3 – Cotações Médias Semanais por Saca de Café Verde, Arábico Tipo 6 para Melhor,
Safra 2000/01, FOB Armazém

                Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de ESCRITÓRIO CARVALHAES, julho 2001.

As exportações brasileiras de café no primeiro semestre de 2001

            O café foi o único dos mais importantes produtos do agronegócio brasileiro que apresentou redução na receita de exportação (-23,78%) no primeiro semestre de 2001, em relação ao mesmo período de 2000, apesar de o volume exportado ter crescido 16,53%. Essa queda de receita se deve ao programa de retenção realizado pelo País e à forte queda de preço no mercado internacional no período. De janeiro a junho de 2001, os preços do café no mercado de futuro de Nova Iorque caíram 14,60% e no período de julho de 2000 a junho de 2001, 34,23%. Assim, mesmo com os esforços dos exportadores, enfatizados a partir de junho com as mudanças na política de retenção, a receita das exportações de café continuou em queda.
            A única novidade foi o café solúvel, cujo volume de exportação apresentou forte crescimento, compensando a perda de preço, com o aumento de 4,77% nas receitas em dólares (tabela 1).

TABELA 1. – Exportações Brasileiras de Café no Primeiro Semestre de 2001.

Item
Valor ( US$ mil)
Quantidade (mil sacas)
2001
2000
Var. (%)
2001
2000
Var. (%)
Café em grão
588.137
805.327
-26,97
8.638
7.461
15,79
Café solúvel
94.365
90.072
4,77
1.101
826
33,30
Total
682.502
895.399
-23,78
8.639
8.287
16,53

                   Fonte: Elaborada a partir de dados básicos da SECEX/MDIC, 2001.

Crise profunda

            As deprimentes apresentações da seleção nacional de futebol, ao colecionar consecutivos reveses perpetrados por equipes reconhecidamente inferiores, formam paralelo interessante para se analisar o mercado de café. Durante quase um século, o Brasil comandou o mercado internacional do produto. Até a década de vinte do século passado, o País respondia por mais de 70% da oferta do grão, vindo a declinar para os ainda significativos 50% até final da década de 60. A partir de então, o surgimento de novos países produtores, em muitos casos favorecidos pela política de guarda-chuva implementada pela Organização Internacional do Café (OIC) e totalmente apoiada pelo Brasil, começou a reduzir a hegemonia brasileira no mercado de café. Na atualidade, o País participa com 22% a 25% das exportações mundiais, já tendo sido deslocado do mais importante mercado - o estadunidense - no qual passou a se situar atrás de Vietnã, México e Guatemala em termos de fornecimento.
            Em artigo anterior (divulgado neste site em março), comentou-se que o mercado passa por mudança estrutural em que a entrada de novos concorrentes deslocou para baixo, em caráter permanente, as faixas históricas de oscilação dos preços. Nossos cafeicultores terão de levar em conta essa nova realidade, em que o mito do café brasileiro (com exceção de sua qualidade, cada vez mais celebrada) no passado ocorreu, ao passado pertencerá e no passado deverá ficar, tais quais nossas grandes e mundialmente invejadas equipes de futebol.

Qualidade premiada

            O reconhecimento do padrão de qualidade dos cafés preparados pela via cereja descascada (CD) tem garantido para tal produto ágios de R$ 15,00 a R$ 20,00 por saca. Esse prêmio pode significar a parcela de lucro no ano, principalmente para os cafés colhidos de talhões em fase de baixa produtividade e, conseqüentemente, com maiores custos unitários. Corroborando essa hipótese, estudo divulgado pela COXUPÉ mostrou que, para a produtividade de 40 sacas por hectare, o custo unitário médio foi de R$ 118,02 (praticamente empatando com o preço recebido pelos cafeicultores).

Cafeicultores profissionais – tipo escasso

            Estimulados pelas lideranças, muitos cafeicultores acreditaram que a colheita em 2000/01 fosse menor que os 24,5 milhões de sacas estimados na primeira previsão da EMBRAPA. Divulgadas as novas pesquisas, constatou-se que o volume colhido superaria os 31 milhões de sacas, adicionando sete milhões de sacas à safra e alterando radicalmente o falso quadro de escassez de café criado pelas lideranças dos cafeicultores. Como afirmou o exportador Esteve Jorge, em entrevista ao Coffee Bussines, ainda que tenha de haver um número oficial (isento de manipulações como ocorreu no ano passado), cada agente desse negócio pode e deve trabalhar com suas próprias estimativas, tendo os produtores o cuidado de negociar no futuro parte de sua colheita visando garantir-se contra as quedas abruptas dos preços.

Troca de café retido

            O governo federal autorizou a substituição dos 2,9 milhões de sacas de café retidos pelo produto da safra nova. A intenção da autoridade governamental foi evitar que os produtores vendessem café da safra nova para financiar a estocagem, enquanto o café retido caminhava para o chamado produto 'desmerecido' (com menor valor no mercado). A instrução normativa estabelece os seguintes critérios para a substituição: a) para os 2,3 milhões de sacas de café retidos com financiamento do Banco do Brasil, troca permitida com anuência do agente financiador; e b) para as 600 mil sacas retidas sem financiamento, a troca pode ser por café arábica tipo 6 ou café robusta tipo 7, independentemente da qualidade do café retido. O que causa certa estranheza é o impedimento de retirada dos cafés não financiados sem qualquer exigência de reposição. O fracasso da retenção poderia ser acompanhado por atitudes sensatas, como a permissão para a retirada dessas 600 mil sacas com plena autonomia aos seus proprietários para organizar estratégias comerciais com total flexibilidade. Infelizmente, a ingerência sobre o mercado continua.

O mea-culpa da União Européia

            Os exímios protecionistas europeus resolveram aceitar o decenário pleito da indústria brasileira de solúvel, oferecendo quota de exportação do produto isento de taxas. Ademais, os eminentes legisladores pouparam-se de uma desgastante e perdida peleja dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC). A oferta européia estrutura-se dentro do seguinte calendário: 8.740 toneladas no primeiro ano; 10.488 toneladas no segundo ano e 12.236 toneladas no terceiro ano, totalizando 31.364 toneladas em três anos Esses volumes compensam parcialmente as perdas causadas ao Brasil, pois, por um lado, não repõem os volumes exportados pelo país antes da esdrúxula taxação de 9% e, por outro, propiciaram nesse longo período o surgimento de diversos países concorrentes no mercado de solúvel, como Equador, Colômbia e Vietnã. Todavia, vale a máxima: antes tarde do que nunca.

Subdesenvolvimento é reflexo da falta de seriedade

            O ainda não empossado ministro do Desenvolvimento destaca em suas entrevistas a necessidade de o País gerar saldos na balança comercial. Surpreende o fato de que, há poucas semanas, esse mesmo embaixador defendia a tese da retenção cujos resultados foram US$ 400 milhões a US$ 500 milhões a menos nas vendas de café ao exterior. Será que certos estão o notável líder francês do pós-guerra Charles de Gaulle e o jornalista Antonio Reche (do Coffee Business) ao afirmar que esse país não é sério?!
 

1 Convênio IEA/APTA-SAA-DESR/ESALQ/USP.
 

 

Data de Publicação: 03/08/2001

Autor(es): Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor