Café: A Competitividade Brasileira Em Momento De Ligeiro Aumento Nas Cotações

Tendência do mercado

            Ao analisar as cotações do café, em dólares por saca de 60 kg de café beneficiado, em diferentes mercados, como os de Nova Iorque, Londres, BM&F e recebido pelo produtor (IEA), nos últimos 17 meses, comparando-as, paralelamente, com o seu comportamento trimestral em 2001 e nos primeiros cinco meses de 2002, verifica-se que os valores médios mensais atingiram um determinado patamar desde outubro de 2001 e tem apresentado leve crescimento a partir dessa data, embora com leve recuo em maio de 2002, devido à expectativa de se colher uma elevada safra no Brasil (gráficos 1 e 2). Nota-se que ao longo dos meses existem flutuações em função de fatores que afetam esses mercados no curtíssimo prazo, no que diz respeito à oferta, ao comportamento dos fundos de investidores e à ação dos importadores. Do ponto de vista dos fundamentos do mercado, porém, verifica-se que a questão relevante é de como o mercado internacional deverá absorver os números finais da safra brasileira, cuja colheita já atingiu cerca de 25% do total previsto.

Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados,
janeiro de 2001 a maio de 2002

                 Fonte: Gazeta Mercantil e Instituto de Economia Agrícola
 


Gráfico 2 - Cotações médias trimestrais do café em diferentes mercados, j
aneiro de 2001 a fevereiro de 2002

                 Fonte: Gazeta Mercantil e Instituto de Economia Agrícola

            Ao comparar as médias trimestrais das diferentes cotações, percebe-se que, tanto para o café arábica quanto para o robusta, há uma ligeira recuperação das cotações desde o quarto trimestre de 2001, sendo que o café robusta na Bolsa de Londres apresentou maior recuperação relativa em sua cotação. Esses dados indicam o início de uma certa estabilidade a partir do terceiro trimestre do ano passado, fazendo com que o mercado, com seus fundamentos, mantenha essa tendência ao longo desse ano.

Outros aspectos sobre a competitividade da cafeicultura brasileira

            Podem citar-se diversos indicadores de competitividade da cafeicultura brasileira, tais como custo de produção reduzido em relação aos principais concorrentes, grande área disponível para plantio de café, política econômica que independe desse produto e base industrial consolidada. Entretanto, neste artigo pretende-se comentar três outros indicadores de grande importância no agronegócio café. O primeiro refere-se à possibilidade brasileira de produzir cafés que atendam os mais diferentes gostos e preferências dos clientes, como os mais refinados mercados de cafés especiais de Europa, Estados Unidos e Japão. Igualmente é importante ressaltar, por outro lado, que os países de elevado consumo e considerados mais exigentes nos segmentos do café commodity encontram no Brasil, senão a mais importante, pelo menos uma das suas principais fontes fornecedoras desse produto. O Brasil produz tipos de bebida, como o café 'rio zona', que, embora desconsiderados nos mercados tradicionais do mundo ocidental e do Japão, são muito apreciados em outras regiões, como os países do Oriente Médio, que no conjunto representam um mercado de mais de 3 milhões de sacas. Também deve ser ressaltado que o Brasil dispõe de condições tecnológicas para a produção de café robusta de excelente qualidade. Diante disso, a estratégia de marketing acrescentou um 'S' ao se referir ao nosso café como 'Cafés do Brasil'.
            Um segundo indicador de competitividade é a dimensão do mercado interno brasileiro. Esse mercado, o segundo no mundo, tem atraído grandes grupos internacionais, tanto da indústria à montante quando da indústria à jusante, o que propicia economia de escala adequada aos demais segmentos inclusive da produção. Graças a esse mercado tivemos em 1996 uma situação interessante de preços internos do café verde superiores aos preços no mercado externo. Mas é numa situação como a atual, de preços baixos da cafeicultura mundial, que se pode ver claramente a vantagem de se ter um mercado forte interno: dos países produtores de café, o Brasil, relativamente, tem sido o menos afetado pela depressão atual de preços. Basta se comparar, por exemplo, com os países da América Central, região que sabidamente vem sofrendo mais os efeitos da crise. Por isso mesmo é que o aumento do consumo interno dos países produtores de café tem sido apontado como uma das estratégias não somente para ampliar o negócios de café no mundo como também para amortecer possíveis impactos de preços externos.
            Por fim, um dos principais fatores de competitividade do País consiste na disposição de um sistema de pesquisa forte ligado ao café. Encontram-se vários exemplos na literatura especializada de grandes investimentos feitos no agronegócio que fracassaram justamente por não se dispor de uma base forte de pesquisa na área. Em contrapartida, quem conhece a trajetória do desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, sabe muito bem que o vírus da tristeza dos citrus praticamente reduziu no passado a lenha os pomares de laranjas existentes, mas, graças à pesquisa, o segmento deu a volta por cima, resolvendo aquele problema, o que acabou atraindo investidores internos e externos para o setor. O resultado disso é que hoje somos o principal produtor e exportador de suco de laranja no mundo. A insistência nessa questão não deve ser interpretada como lobby corporativista, uma vez que os números falam por si: estudo realizado no IEA mostrou que os investimentos em pesquisas com café apresentaram taxas internas de retorno entre 17% e 26%, bem superiores às taxas médias de retorno dos projetos de investimento do Brasil realizados durante o milagre econômico da década de 1970.

A discussão sobre o esgotamento da estratégia do 'Selo da ABIC'

            Em 1988, cerca de 30% das amostras de café torrado e moído coletadas no varejo brasileiro continham misturas e impurezas. Essa constatação motivou a Associação Brasileira das Indústrias de Torrefação e Moagem de Café (ABIC) a encampar um movimento visando à garantia da pureza do café distribuído no mercado. Assim, em 1989, surgiu o 'Selo da ABIC', estampa essa a ser impressa nas embalagens daquelas empresas que aderissem ao programa de Autofiscalização da Pureza do Café, cujo produto após análise laboratorial comprovasse ser puro dentro dos limites legais (a legislação permite até 1% de impurezas – cascas e paus).
            A trajetória do 'Selo da ABIC' desde então foi espetacular, com a adesão ao programa de mais de 500 torrefadoras e de 900 marcas de café torrado e moído exibindo a estampa. Ademais, com esse esforço, o setor conseguiu inverter a tendência de diminuição do consumo de café entre os brasileiros e, ao recuperar a preferência pela bebida, fez do Brasil o segundo maior mercado mundial para o produto, servindo de referência para inúmeros países produtores que atualmente se empenham em aumentar o consumo interno.
            A autofiscalização prevê a coleta de marcas não associadas ao programa, conseguindo dessa forma monitorar quase a totalidade do mercado de café torrado e moído distribuído pelo varejo. Através da formação de lobby, conseguiu-se estabelecer a necessidade da presença do Selo nas licitações públicas, alcançando com isso o reconhecimento institucional ao programa.
            Entretanto, alguns aspectos são ainda obstáculos para o aprofundamento do programa, tais como carência de poder de polícia (competência da Agência de Nacional de Vigilância Sanitária e do Ministério Público), uma vez que as marcas consideradas fraudadas não podem ser retiradas do mercado a menos que exibam indevidamente o Selo na embalagem; impossibilidade de fiscalização dos cafés fornecidos para montagem das cestas básicas e em compras do tipo institucional; e relativa confusão existente entre os consumidores sobre pureza e qualidade do produto.
            Diante de constatações desse tipo, alguns gerentes de empresas líderes na torrefação e moagem do café alegam que o programa passa por uma espécie de esgotamento em seus objetivos por não apresentar interesse explícito em avançar para um programa que efetivamente preze a qualidade da bebida. Consideram inclusive que atualmente o Selo se constitui num obstáculo para o aumento do consumo da bebida, revertendo aquilo que era o seu maior triunfo, qual seja, incrementar o consumo interno.
            Em parte, essa constatação motivou a Câmara Setorial do Café do Estado de São Paulo a lançar um programa totalmente diferente, em que existe inclusive pontuação para a bebida com a classificação do café em três tipos: tradicional, superior e gourmet. A adesão a esse novo programa de qualidade do café é crescente, iniciando-se pelas licitações públicas e, mais recentemente, com o compromisso da Associação Paulista de Supermercadistas (APAS) de comprar produto devidamente classificado na escala de qualidade.
            Considera-se que o 'Selo da ABIC' cumpriu papel decisivo no agronegócio café. Porém, o descontentamento surgido em decorrência de sua implementação e a aparente vacilação em aprofundar o programa, de maneira a dirigi-lo efetivamente à qualidade, tornam-se de fato obstáculos para que a estratégia estabelecida de segmentação do mercado seja definitivamente consolidada. Nesse sentido, o lançamento em São Paulo de selo de qualidade para os produtos agropecuários e alimentares, tendo início justamente pelo café torrado e moído, abre importante perspectiva. 
 

Data de Publicação: 11/06/2002

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor