Intervenção No Mercado De Café

            O movimento atual em favor da intervenção no mercado de café se justificaria pelo fato de que esse mercado estaria sendo manipulado por grandes grupos internacionais. Estes traders estariam impossibilitados de honrar compromissos, pelas dificuldades em adquirir o produto, cujos preços sofreram reversão em sua tendência de queda, motivada pelas expectativas iniciais de produção elevada. Mesmo alguns produtores, que sempre se posicionaram a favor do mercado livre, têm defendido que se deveria fazer uma intervenção pontual para mudar a atual conjuntura, considerada desfavorável e incompatível com a situação estatística do momento.
            Poder-se-ia fazer uma reflexão abordando aspectos práticos e teóricos relacionados com intervenção no mercado de café, mas neste artigo gostaria apenas de discutir dois pontos normalmente colocados por algumas lideranças para justificar porque os preços atuais deveriam estar num patamar mais elevado: a escassez do produto e os baixos estoques mundiais. O nosso propósito não é o de tumultuar o ambiente dos negócios com café, mas de alertar sobre as possíveis conseqüências para o setor, decorrentes de decisões bem intencionadas mas que podem estar baseadas em premissas equivocadas.
            Com relação ao primeiro argumento, é preciso assinalar que caso não ocorresse a seca no Brasil , a produção mundial de café alcançaria neste ano pelo menos 115 milhões de sacas, frente a um consumo que oscila entre 102 e 105 milhões de sacas de acordo com diferentes fontes. O que a seca fez portanto foi interromper a queda de preços e reequilibrar o mercado(leia-se também os preços) praticamente aos níveis do primeiro semestre de 99. Diante disso, acreditamos ser um equívoco centrar toda discussão apenas em torno da quebra de safra, isto é, relacionando-a tão-somente com a produção inicialmente esperada; é preciso comparar também a produção efetiva a ser alcançada, ou seja, já descontada o efeito da seca, com a produção observada em 99 de 27 milhões de sacas. É quase certo que o volume a ser colhido neste ano (estimado em 28,9 milhões de sacas no primeiro levantamento da Embrapa) não seja suficiente para atender à demanda interna e à exportação, sendo preciso recorrer aos estoques privados e oficiais, felizmente ainda disponíveis, como ocorreu no ano passado.
            Quanto ao segundo argumento de que os estoques hoje estão baixos em relação aos do passado, seria bom refletir um pouco mais a respeito. De fato, os estoques mundiais nos países consumidores chegaram a atingir volume superior a 20 milhões de sacas no começo da década de 90, estimando-se que no momento estejam ao redor de 12-13 milhões. Mas concluir-se daí que os preços atuais deveriam ser maior, vai uma distância muito grande. Do nosso ponto de vista, em termos de mercado, os estoques do passado é que estavam elevados demais, fator esse que contribuiu também decisivamente para a derrubada dos preços nos primeiros anos da década de 90. Ademais, aparentemente, muitas lideranças estão desconsiderando em suas análises a existência de ciclos nos preços de café e que, de 93 a 97, sistematicamente, a produção mundial de café foi inferior ao consumo, situação essa reequilibrada em 98.
            Acreditamos que a atual conjuntura cafeeira possa ser assim resumida: equilíbrio no mercado externo e certa incerteza no mercado interno. Se estiverem corretas as premissas de escassez interna (estoques internos insuficientes), mesmo sem intervenção os preços deverão subir em relação aos níveis atuais (não descartando, inclusive, a possibilidade dos preços internos ficarem acima dos preços externos) e se manterão elevados até a próxima florada que deve sinalizar uma grande safra para 2001. Todavia, se a situação for de equilíbrio, como mais parece ser o caso, os preços se elevarão no primeiro momento, podendo cair em seguida, independentemente de ações intervencionistas, já que os demais países dificilmente poderão torna-las efetivas. Tudo isso, é claro, partindo-se da hipótese de não ocorrência de seca e geada.
            Finalizando, não parece ser uma grande incoerência, na conjuntura atual do mercado, a liberação dos leilões e as concessões às indústrias de solúvel?

 

Data de Publicação: 15/05/2000

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor