Citricultura: um novo cenário

            No decorrer de sua história, a citricultura paulista apresentou fases de expansão e retração, de prosperidade e de decadência. A partir da década de sessenta, com o desenvolvimento da indústria de suco, a cultura se expandiu quase ininterruptamente até meados da década de noventa, passando a se constituir numa das três primeiras atividades agrícolas no Estado de São Paulo em termos de receita bruta.
            Numa economia de mercado como a brasileira, esse desenvolvimento sugere que o crescimento da demanda provocou a expansão da área plantada e da produção, não tendo sido estimulada por condições econômicas artificiais e/ou programas governamentais.
            De outra parte, pode-se atribuir à sólida retaguarda de pesquisa existente em São Paulo o dinamismo observado no setor citrícola, mas cujos benefícios nem sempre são reconhecidos pela sociedade e pelas autoridades governamentais.
            Outros dois pontos que merecem ser destacados são: 1) os serviços de extensão rural – público e privado – que permitiram fazer chegar aos produtores os avanços tecnológicos e os resultados de pesquisas, independentemente do tamanho (porte) do pomar e 2) os serviços de vigilância fitossanitária que, até meados da década de oitenta, foram capazes de manter com aceitável grau de confiabilidade a sanidade da citricultura paulista, particularmente na inspeção de viveiros e no controle ao cancro cítrico.
            De 1987 a 1997, estimulados pelos elevados preços recebidos pelos citricultores, pulularam sem restrições os viveiros de mudas produzidas sob as mais diversas condições técnicas e sanitárias. Tanto assim que em recentes levantamentos realizados pelo FUNDECITRUS se observou que em 82% dos viveiros de São Paulo não é feita prevenção contra o cancro cítrico, cerca de 83% nunca fizeram análise da Phytophthora (fungo causador da gomose); 50% estão localizados a menos de 20 metros de pomares cítricos e 57% dos viveiristas utilizam borbulhas de seus próprios pomares ou de terceiros, ou seja condições que aumentam as chances de possibilidade de disseminação de doenças e pragas e pouco contribuem para maior produtividade por planta.
 


A década de noventa

            Com recuperação da produção de laranja na Flórida (USA), onde pesquisadores e produtores souberam superar as adversidades da década de oitenta, os preços internacionais de suco concentrado passaram a declinar, à medida que também aumentava substancialmente a produção de laranja em São Paulo, tornando a concorrência no mercado cada vez mais acirrada. Tal quadro foi se mostrando mais preocupante com a defasagem cambial brasileira de 1994 a 1998, (parcialmente atenuada com a isenção de ICMS sobre o suco – Lei Kandir); com as dificuldades em ampliar as vendas nos países asiáticos atingidos pela crise econômica e a nível da produção pelo aumento de pragas e doenças nos pomares cítricos em São Paulo.
            Este último ponto merece uma análise especial, em particular quanto ao cancro cítrico que nos últimos três ou quatro anos voltou a ser um grande problema. Deve-se ponderar, que o aparecimento da larva minadora das folhas dos citros, que facilita a entrada da bacteria do cancro cítrico, não seria tão grave se não houvessem focos do cancro que não foram erradicados a tempo e se constituem em fontes de inóculo da doença.
            O mesmo pode ser dito quanto à Clorose Variegada dos Citros (CVC), embora de disseminação mais lenta e diferente que a do cancro cítrico. Portanto, a questão mais importante no momento se afigura ser a da eliminação dos focos ou fontes de inóculos, numa verdadeira operação de assepsia dos pomares e viveiros.
            Essa estratégia encontra-se dificultada pela existência de pomares domésticos ou talhões abandonados nas mais diversas áreas no Estado, em virtude da falta de tratos culturais nos últimos anos, quando a receita financeira dos produtores foi bastante reduzida pela queda nos preços de laranja, reflexo das cotações do suco no mercado internacional, e não compensadas pelo crescimento do consumo no mercado interno brasileiro.
 


Cenário na virada do século

            O momento exige ações e determinação em busca de soluções que venham a permitir uma retomada do desenvolvimento da citricultura paulista e que, certamente, se fará em novos patamares tecnológicos, exigindo maior e melhor gerenciamento das propriedades por parte dos citricultores.
            O engajamento do governo (federal, estadual e municipal) será de fundamental importância, seja com verbas financeiras ou vontade política, apoiando medidas técnicas ainda que duras e sem injunções espúrias. Provavelmente a centralização dos trabalhos na estrutura do FUNDECITRUS deverá permitir ganhos de flexibilidade operacional e de reunião de esforços entre todos segmentos envolvidos.
            A princípio os custos totais de produção aumentarão, o que não deverá significar elevação de custos por unidade produzida, na medida em que ocorram ganhos de produtividade. Nesse sentido, a presença mais freqüente dos médios produtores (20 a 100 mil plantas) em suas propriedades, principalmente nas épocas de colheita quando terão que tomar providências quanto a colhedores e transporte da fruta, antes preocupação da indústria compradora, poderá contribuir para melhoria da administração e dos tratos culturais. Esse comportamento poderá trazer também benefícios em termos de defesa fitossanitária.
            Dentre as medidas recomendáveis podem ser citadas entre outras: ter material de colheita próprio (escadas e sacolas), evitar entrada de caminhões vindos de outros pomares construindo silos para carregamento da fruta distanciados da plantação, plantio de quebra-ventos ainda que possam significar perda de área de pomares, uso de implementos acoplados ao trator para facilitar o carregamento das frutas durante a colheita , só adquirir mudas de viveiros recomendados pelo FUNDECITRUS e/ou tenham produção de mudas e borbulheiras mantidas sob telado para evitar a disseminação da CVC, fazer pulverizações periódicas contra cigarrinhas enquanto a plantação tiver menos de sete anos, fazer a erradicação de talhões velhos e/ou de baixa produtividade, evitando transformá-los em fontes de inóculo de pragas e doenças.
            Com a significativa queda na produção de laranja em São Paulo em função do fenômeno do El Niño que provocou um ajuste inesperado nas quantidades ofertadas de laranja, na safra agrícola 1997/98 (industrial 1998/99), os preços da fruta se elevaram em relação aos anos precedentes, provocando um retomada no ânimo dos citricultores que se viram estimulados a investir novamente nos tratos culturais em seus pomares.
            A mais curto prazo, com a divulgação pelo IEA/CATI (SAA) do 4° Levantamento de Previsões de Safras e pela ABECITRUS da sua primeira estimativa, ambas referentes à safra agrícola 1998/99 (industrial 1999/00), evidenciou-se que a colheita de laranja neste ano (383 a 388 milhões de caixas) deverá ser de 12 a 17% maior que no ano anterior. Como conseqüência, embora estimativas mais consistentes sejam ainda um pouco prematuras, é bastante provável que a média de preços a serem recebidos pelos citricultores deverá declinar, principalmente influenciada pela redução nas cotações de variedades precoces e pelos preços a serem pagos àqueles produtores que não dispõem de contratos (1, 2 ou 3 safras). Contudo, ainda, é possível que venha a se situar acima da estimativa do custo operacional efetivo de produção, de modo que somente irão perdurar na atividade citrícola produtores com visão mais abrangente e de longo prazo.

 

Data de Publicação: 27/10/1999

Autor(es): Antonio Ambrósio Amaro (amaro.pingo@gmail.com) Consulte outros textos deste autor