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Café: Estabilização Das Cotações E Novas Estratégias
Tendência do mercado Os
preços médios mensais do café (US$/saca de 60 kg beneficiada) atingiram um
patamar estável desde outubro de 2001, mantendo-se relativamente inalterados a
partir dessa data, considerando-se as cotações do produto em diferentes
mercados, como os de Nova Iorque, Londres e BM&F, além da série de preços
recebidos pelo produtor (IEA), nos últimos 14 meses, e comparando com o
comportamento dessas cotações através de médias trimestrais em 2001 e nos
primeiros dois meses de 2002 (gráficos 1 e 2). Nota-se que ao longo dos meses
existem flutuações em função de fatores que afetam esses mercados no curtíssimo
prazo, no que diz respeito à oferta, ao comportamento dos fundos de investidores
e à ação dos importadores. Do ponto de vista dos fundamentos do mercado, porém,
verifica-se que o mesmo já absorveu, ao menos parcialmente, o crescimento da
oferta brasileira, assim como as projeções de redução da produção da América
Central, do Vietnã e dos tradicionais fornecedores africanos.
Gráfico 1. Cotações médias mensais do café , Janeiro de 2001 a Fevereiro de 2002
Fonte: Gazeta Mercantil e Instituto de Economia Agrícola
Gráfico 2.- Cotações médias trimestrais do café , Janeiro de 2001 a fevereiro de 2002.
Fonte: Gazeta Mercantil e Instituto de Economia Agrícola
A comparação das médias trimestrais das diferentes cotações indica para o café arábica uma relativa estabilidade desde o terceiro trimestre de 2001, enquanto para o robusta este comportamento é observado somente a partir do último trimestre do mesmo ano. Essa constatação indica o início de relativa estabilidade anualizada a partir de agosto do ano passado, mantendo o mercado, por meio de seus fundamentos, essa tendência no presente ano, com perspectiva de novas posições somente a partir de 2003.
O café e as políticas públicas
Os
mercados nacional e internacional de café têm suas particularidades. As mudanças
que ocorreram nos níveis interno e externo, na última década, exigem que se
formulem novas alternativas de políticas públicas para o setor, especialmente
após o fracasso e os prejuízos derivados do plano de retenção que foi executado
de junho de 2000 a junho de 2001.
Neste ano safra em que o País deverá colher grande volume de café e no qual os
preços internos e externos se encontram nos níveis mais baixos desde 1993,
torna-se necessário implementar políticas setoriais que permitam amenizar os
efeitos do crescimento da oferta dos cafés brasileiros, o que deve ser feito sem
a intervenção direta do governo. Como, em certa medida, a crise de preços no
mercado interno foi amenizada pela condução da política cambial brasileira e os
efeitos da crise internacional têm se manifestado de forma mais intensa em
inúmeros países produtores, o excedente gerado pela safra brasileira, quando
neutralizado por política pública que viabilize a transferência da mesma para o
próximo ano safra, poderá fazer com que a oferta mundial disponível na corrente
safra seja levemente decrescente.
Assim, a decisão do Governo Federal de liberar R$ 690 milhões para estocar (com
adesão voluntária) até 8 milhões de sacas da safra, cuja colheita se inicia em
maio deste ano, permitirá que cada produtor interessado possa programar seu
fluxo de venda futura, provocando um ordenamento na comercialização da safra sem
pressões de curto prazo. O financiamento para estocagem tem taxa de juros fixa
de 9,50% ao ano e um prazo de até 18 meses, prorrogável por igual período, o que
dá maior flexibilidade comercial ao tomador do empréstimo. Do total dos recursos
que serão liberados, cerca de R$ 256 milhões referem-se à colheita e R$ 150
milhões são de recursos contratados para custeio.
Essa decisão de estimular a armazenagem pelo setor produtivo faz com que o
governo deixe de ser o responsável direto pelo controle dos estoques. Para
garantir que a produção financiada seja de fato retida, porém, torna-se
necessário a estocagem em armazém de terceiros, tendo em vista a ocorrência
comum de venda dos estoques e a não-liquidação dos respectivos financiamentos,
que geram duas questões negativas: a primeira é de que o produto financiado não
sai do fluxo de comercialização, produzindo efeitos nocivos no mercado; e a
segunda decorre de a não-liquidação do financiamento provocar a entrada do
produtor na lista de inadimplência, levando não somente a dificuldades de
obtenção de novos empréstimos, como também a custos para a sociedade.
Exportar café com maior valor agregado
Um dos
temas que mais se discutem no momento é a exportação de café com maior valor
agregado. A recorrência ao tema explica inclusive a criação de um comitê para
analisar essa possibilidade, com o objetivo de fornecer subsídios ao Governo
Federal, um grande interessado nesse assunto uma vez que o atual contexto
macroeconômico faz da exportação a principal questão a ser enfrentada pelo
gestores de nossa política econômica diante do desafio de crescer com
estabilidade.
É necessário, portanto, concentrar esforços na exportação para aumentar o saldo
da balança comercial, levando à redução do déficit nas transações correntes a um
nível tal que permita uma redução substancial na taxa Selic, balizador das taxas
de juros que permeiam toda a nossa economia. A frase dita pelo Presidente do
País, 'exportar ou morrer', é bastante consistente com essa realidade.
Nesse sentido, exportar café com maior valor agregado nada mais é do que
incorporar ao produto mais serviços e/ou insumos, de tal forma que toda a cadeia
produtiva seja beneficiada. É importante essa ressalva, porque há casos em que o
elo mais frágil da cadeia produtiva- o produtor- não se beneficia diretamente
com essa estratégia.
Existem várias formas de se agregar valor à exportação de café. Os cafés
especiais ou diferenciados consistem numa delas. Medidas de promoção e marketing
são outra forma válida, pois esse processo tende a criar uma posição
monopolística para o produto, possibilitando assim um diferencial de preços no
mercado. Cuidados nas operações de colheita e pós-colheita, com a conseqüente
melhoria na qualidade, são outra forma de se agregar valor.
Do total dos mais de 20 milhões de sacas de café reexportados no mundo (5
milhões de sacas somente na Alemanha), estima-se que 1/3 o seja na forma de café
verde, após sofrer processo de re-benefício. É necessário desenvolver pesquisas
enfocando não só a questão da produtividade agronômica, como também a
diferenciação da bebida (e também seus diferentes aromas/fragrâncias).
Incluem-se aí as inovações tecnológicas, ou seja, novos tipos de produtos
industrializados, atentando-se para aqueles que transformem o café em produto de
maior elasticidade-renda. Ressalte-se que foi graças à pesquisa patrocinada pelo
Governo brasileiro, às voltas com uma superprodução de café na década de 1930,
que um grupo suíço conseguiu viabilizar comercialmente o café solúvel,
descoberto em 1910 por um pesquisador norte-americano e atualmente a principal
forma de agregação de valor ao café exportado pelo Brasil, que é o maior
exportador mundial com mais de 2,0 milhões de sacas.
Entretanto, quando se fala em exportar café com maior valor agregado, a questão
que tem chamado mais atenção no momento se refere ao café torrado e moído
(T&M). Vale lembrar que no início dos anos 90 do século XX, quando o mundo
passava por crise de preços semelhante à de hoje, o Instituto de Economia
Agrícola (IEA) reuniu um grupo de empresários da área para discutir essa
possibilidade como forma de melhorar a renda do setor. Os poucos empresários que
acederam ao convite se mostraram bastante céticos e o assunto logo caiu no
esquecimento. No nosso entendimento, agora a questão está ganhando maior
destaque com o engajamento nesse processo do Governo Federal, cuja ação deve ser
não só no sentido de eliminar barreiras, como também de criar facilidades
visando consolidar o trabalho das poucas empresas que já vêm atuando nessa área,
além de abrir novas oportunidades de mercado através de intercâmbios de missões
comerciais com países em condições de importar esse produto.
O comércio mundial de café T&M alcança hoje mais de 6,5 milhões de sacas,
tendo a França como o principal importador, com cerca de um milhão de sacas,
seguida de Canadá e Estados Unidos. Quanto aos países produtores o total
exportado foi inferior a 118 mil sacas em 2000, sendo o restante reexportado. Ao
analisar as exportações brasileiras na década de 1990, observa-se não somente o
pequeno volume exportado em relação ao seu potencial de produção, como também a
grande variação entre anos. Em 2001, o Brasil exportou pouco mais de 30 mil
sacas, contra menos de 5 mil sacas em 1999. Essa volatilidade só pode ser
explicada pela falta de um esforço concentrado, ou seja, as exportações
realizadas foram resultante de ações isoladas de algumas empresas que detectaram
oportunidades em mercados. Empresários do setor estimam, numa avaliação
preliminar, que, dado o atual parque industrial existente no País, se poderia
exportar perto de 4 milhões de sacas de café T&M. Um estudo, em fase de
conclusão no IEA, poderá contribuir para a discussão em pauta, uma vez que o seu
objetivo é traçar o perfil tecnológico da indústria de T&M, tendo em vista a
sua competitividade tanto externa quanto interna.
Pela inexistência de capacitação exportadora em café T&M, esforços deverão
ser redobrados no sentido de se conhecer bem os mercados consumidores que se
pretende alcançar, tais como preferência de blends, tipos de torra, embalagens
etc. Por outro lado, segundo alguns analistas, no comércio mundial a questão
fundamental, muito mais do que saber sobre o que e como produzir, é descobrir
estratégias para se inserir nas grandes redes internacionais de varejo global.
Alcançar essa inserção significa estar com o produto já vendido, mesmo antes de
ser produzido. Outras estratégias, como formação de joint-ventures, de
consórcios e de cluster, são quase sempre apontadas para se conseguir exportar
café T&M. Uma questão a ser cumprida na agenda, porém, para atingir esse
objetivo de forma eficiente, é remover de vez o receio quanto às operações de
drawback. É claro que todo cuidado deverá ser tomado para impedir a
internalização de doenças e pragas de outros países. Também deve ser assegurada
a isonomia tanto tributária quanto de condições creditícias, pois, como já
aconteceu com outras commodities, o produto pode ser subsidiado na origem.
Consideramos que permitir o drawback é condição indispensável para que o País
possa competir no mercado internacional, possibilitando inclusive maior
estabilidade de mercado através de contratos de longo prazo.
Consumidor de café expresso tem alto nível
Do
livro 'O prazer e a excelência de uma xícara de café expresso: um estudo de
mercado', de autoria de Celso L. R. Vegro e outros, lançado recentemente pelo
IEA e editado pela Editora Agronômica Ceres, extraímos as seguintes informações.
Na cidade de São Paulo, 58% dos consumidores de café expresso são do sexo
masculino, contra 42% do sexo feminino. Predominam os consumidores em idade de
trabalho, com dois terços deles entre 30 e 50 anos. A renda familiar mensal é
componente decisivo na determinação da qualidade dos produtos adquiridos, sendo
que três quartos dos consumidores pertencem às faixas de renda mais elevadas,
isto é, acima de 10 salários mínimos. Tal fato sugere que os entrevistados
possuam padrão elevado (a maioria poderia, certamente, ser enquadrada nas
chamadas classes A e B) quando comparados com a média da sociedade brasileira e
mesmo paulistana. Por outro lado, 60% dos consumidores têm nível superior de
escolaridade, 32% têm o segundo grau e o restante até o primeiro grau.
A procura pelo expresso é notadamente maior no inverno, nos fins-de-semana e no
período da manhã, seguindo-se o horário do almoço, já que para cerca de metade
dos consumidores a bebida é importante em seu cotidiano para o encerramento
prazeroso de refeições.
Cerca de 39% dos consumidores não pretendem aumentar o consumo de expresso.
Quanto aos que poderiam aumentar, pouco mais de um quarto declararam que o
fariam se houvesse maior oferta de pontos de venda de expresso, seguindo-se os
que o fariam se os ambientes fossem mais acolhedores, ou se o preço fosse menor.
O mercado de café expresso apresenta grande potencial de crescimento. Calcula-se
que o incremento de xícaras servidas entre 2000 e 2001 alcançou 30% naqueles
estabelecimentos especializados nesse serviço (cafeteiras e quiosques). O livro
'O Prazer e a excelência de uma xícara de café expresso: um estudo de mercado' é
o resultado do trabalho de uma equipe de pesquisadores do IEA.
Data de Publicação: 14/03/2002
Autor(es):
Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor