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Leis Que Regulamentam Comércio Eletrônico Aguardam Votação No Congresso
O Congresso Nacional deverá votar ainda este ano dois projetos de lei que regulamentam o comércio eletrônico, uma vez que, no Brasil, as transações via internet não dispõem de nenhuma segurança jurídica. O projeto de lei 672/99, do senador Lúcio Alcântara, possibilita uniformizar a legislação brasileira com a dos demais países, tendo em vista a globalização da economia. Tal projeto, que se baseia na lei-modelo elaborada pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), tem como principal meta a concessão de efeitos jurídicos às mensagens eletrônicas. Já o projeto 1589/99, de iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional São Paulo, visa dar validade ao documento eletrônico através da assinatura digital. Também segue o modelo da UNCITRAL, mas é mais abrangente. A validade jurídica da assinatura digital trará garantia às transações eletrônicas; formação e validade de contratos executados em ambiente de rede; aplicabilidade das normas de defesa do consumidor; publicidade e privacidade de informações, entre outros aspectos (Costa, 2000). Bibliografia COSTA, Maria Flávia Albergaria. Informe Especial, Gaia, Silva, Rolim
& Associados, n. 47, Novembro/2000.
A maior preocupação atual é justamente a falta de uma legislação no País - seja
no âmbito da administração tributária e da declaração de imposto de renda por
internet, seja do ângulo do balcão de negócios - que dê valor probante ao
documento eletrônico, alerta o advogado Marcos da Costa, presidente da Comissão
Especial de Informática Jurídica da OAB/SP e da Comissão de Informática do
Conselho Federal da OAB. 'Não temos no Brasil, ao contrário do que ocorre no
mundo, legislação dizendo que o documento gerado por meio eletrônico tem valor
de prova.'
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde a competência legislativa é estadual,
todos os estados já adotam esse critério. E, mais recentemente, o próprio
governo norte-americano promulgou uma lei federal para harmonizar as legislações
estaduais. Da mesma forma, os países que formam a comunidade européia, sem
exceção, consideram que o documento eletrônico tem o mesmo valor do documento em
papel. Na América Latina, grande parte dos países já adotou legislação parecida.
'Essa é a questão mais grave', no ponto de vista de Marcos da Costa. 'Enquanto
nós não tivermos uma lei, todo mundo, seja no setor privado, seja no setor
público, corre o risco de ver seus negócios impugnados por falta de provas.'
O documento eletrônico tem validade jurídica, até porque se pode fazer contratos
verbalmente, salvo em situações em que a lei prevê escritura pública, assinala
Costa. 'O problema está na prova desse contrato. Como provar amanhã que esse
contrato foi realizado?' Assim, o projeto de lei da OAB adapta a estrutura
tradicional de prova do documento prevista no Código de Processo Civil (que é do
início da década de 70), amplamente discutida na sociedade em geral, para a
estrutura do documento eletrônico. Com isso, os juízes passam a ter maior
afinidade com o documento eletrônico, 'na medida em que os conceitos do
documento, que serão parâmetros básicos, seja ele papel, seja ele na forma
eletrônica, são mantidos', observa o advogado. O projeto, assim, faz uma pequena
adaptação, um ajuste à realidade, da versão em papel, mantendo porém o conceito
original. 'O mesmo valor que tem uma assinatura no papel terá uma assinatura
eletrônica. O mesmo valor de prova que tem um documento em papel terá um
documento eletrônico. A mesma questão de abono que se dá de um terceiro - um
abono bancário na assinatura, por exemplo - se dará em relação ao documento
eletrônico. O mesmo vale para um reconhecimento de firma', diz Costa..
Além disso, o projeto define o que o documento eletrônico deve ter para que ele
possua valor de prova, como mostra Marcos da Costa. 'O documento de papel que
não tem assinatura não pode ser considerado valor de prova, porque não se sabe
quem o emitiu. A mesma coisa é o documento eletrônico. Então, o projeto diz: o
documento eletrônico, para ter valor de prova, tem que seguir, por princípio,
uma filosofia de tecnologia consagrada no mundo inteiro, que assegura que ele
não pode ter fraude. Essa tecnologia é a chamada criptografia assimétrica, que
permite que o documento atenda os mesmos requisitos do documento em papel.'
Criptografia assimétrica - Criptografia é uma técnica de codificação e decodificação de mensagens, explica Costa. 'A gente vê muito em filme de guerra que determinada pessoa manda um bilhete para outra e codifica esse bilhete. Se o mensageiro for interceptado no meio do caminho, quem interceptar vai ter acesso ao bilhete, mas não vai saber interpretá-lo, não vai ter acesso à informação contida no bilhete. Dizem que Júlio César já fazia isso com os seus comandados. Quando ele criptografava a mensagem, jogava cada letra da mensagem três casas para frente. Então, a letra A virava D; a letra B virava E e assim por diante. Nesse exemplo do Júlio César,
quando eu codifico uma mensagem, informo ao destinatário da mensagem como ele
vai fazer para decodificar. Então, eu codifico a mensagem jogando três casas
para frente e o destinatário da mensagem decodifica jogando três casas para
trás. Esse é um sistema de segurança..'
A criptografia tradicional atende um dos requisitos do documento eletrônico, que
é a questão da fraude, lembra Costa. 'Se tiver fraude na mensagem, na hora que
eu decodificar a mensagem não vai bater. Então, se eu escrever uma palavra e se
essa palavra for fraudada, na hora que eu decodificar a mensagem a letra não vai
bater. Só que esse sistema deixa de atender o segundo requisito em relação à
teoria: na medida em que eu codifico uma mensagem, mas eu tenho que informar ao
destinatário como eu codifiquei para ele poder decodificar, então, uma terceira
pessoa que receba essa mensagem, na mesma estrutura, já não sabe que essa
mensagem partiu de mim ou partiu daquela segunda pessoa, porque a segunda pessoa
também saberia como codificar a mensagem. Isso é a criptografia tradicional.'
Na criptografia assimétrica, a mensagem é codificada com uma chave chamada
'chave privada', que só o autor da mensagem conhece. Ninguém mais tem essa
chave. E a mensagem é decodificada com uma 'chave pública'. A função dela é
exatamente ser de conhecimento público, observa Costa. 'Então, na criptografia
tradicional, quando eu codifico uma mensagem e mando para o meu destinatário, eu
tenho uma chave só para codificar, para ir e para voltar. Tanto eu como o
destinatário daquela mensagem poderia gerar uma nova mensagem. No caso da
criptografia assimétrica, não. Eu só informo para ele a chave pública. Então,
ele nunca vai conseguir gerar uma mensagem como se fosse eu, porque só eu
conheço a mensagem privada. Aí o sistema atende o segundo requisito do
documento.'
Marcos da Costa atribui a demora na votação do projeto à abrangência do assunto,
que tem gerado grande preocupação entre os vários usuários da internet. O
advogado inclusive tem participado de palestras e outros eventos promovidos por
diversos segmentos dos setores privado e público. E o Congresso estará ouvindo,
por exemplo, o setor jurídico e o setor de tecnologia, até porque uma das
preocupações é se isso não vai obstar ou emperrar a tecnologia.
Um dos setores teoricamente contrários ao projeto seria o dos cartórios. Marcos
da Costa lembra, contudo, que 'no fundo a proposta é que, no ambiente virtual,
aconteça o que acontece no ambiente real. O documento pode ser feito, ou não,
sem o reconhecimento de firma - a opção é daquele que vai lavrar o documento -
e, em sendo feito, pode ser feito no âmbito privado (num banco, por exemplo) ou
no âmbito público (num cartório). É o consumidor que vai escolher.'
O maior empecilho talvez é que o Brasil não tem uma cultura de legislar sobre o
uso do instrumento informática, observa Costa. 'Nós temos projetos de lei no
Congresso desde a década de 70, que até hoje não foram promulgados, ao contrário
do que acontece no resto do mundo. Então, na verdade, quando chega o comércio
eletrônico, ou quando chega a internet, isso acentua a necessidade, que já
existe, eu diria, desde no mínimo na década de 70.'
Impostos - A incidência de tributos clássicos, como ICMS e ISS, nas
operações de comércio eletrônico ainda não tem grande expressão no Brasil. No
entanto, já existem iniciativas isoladas de dispensa de recolhimento do imposto
ou de diminuição da alíquota para vendas eletrônicas. Marcos da Costa cita o
exemplo da venda de carros pela internet, cuja alíquota do ICMS foi reduzida
significativamente por iniciativa do CONFAZ, que reúne todos os secretários
estaduais de Fazenda. 'É uma possibilidade para alavancar o desenvolvimento da
internet, para que consumidores e investidores vejam na internet um canal
interessante de comunicação para realizar o seu negócio.'
Mas este tipo de subsídio, além da perda de recurso num primeiro momento,
significa também impacto na concorrência, pondera Costa. Estabelecimentos
tradicionais, como lojas, teriam um custo agregado maior do que aquele
estabelecimento virtual. 'Então, nós temos três problemas: o problema da
arrecadação - aí entra a ponderação do ente político, entre tributar mais e
arrecadar mais ou tributar menos e usar o tributo como instrumento de
desenvolvimento da internet; o problema do produto em si, quer dizer, até que
ponto isso implementa ou não as vendas; e o relativo ao comércio tradicional,
quer dizer, em termos concorrenciais.'
Durante o Congresso Brasileiro de Agribusiness, realizado em dezembro de 2000,
foi discutida a incidência de ICMS numa operação de comércio eletrônico,
envolvendo três pontas: o local onde está o estabelecimento (revendedor de
carro, por exemplo), a pessoa jurídica (portal) que opera o sistema de
e-commerce e a localização do meio informático (servidor ou provedor). Segundo
um consultor da KPMG, na maioria dos casos o entendimento tem sido no sentido de
que haveria tributação na saída do produto (Estado de origem) e no Estado onde
está localizado o portal que vendeu o produto, mas nunca no Estado onde fica o
provedor. Para o advogado Denis Borges Barbosa, porém, esta não é uma operação
especifica de internet pois envolve o estabelecimento onde está o bem físico e o
estabelecimento onde se faz a operação comercial.
Download - Outro problema cada vez mais frequente é o que envolve o download. Nesse caso, a venda através da internet vai ter o mesmo impacto tributário, vai obedecer o mesmo regime tributário que a venda normal, observa Marcos da Costa. 'O problema está na administração, quer dizer, como eu faço o controle do download. Isso não tão grave porque o que é feito com o download eu
posso vender via disquete. Na verdade, são arquivos de computadores que eu posso
gravar num disquete ou num CD-Rom e vender da mesma forma, sem o controle por
parte da Receita.'
É o caso, por exemplo, de música e de software. Pode-se baixar na internet
arquivos com teor de uma música ou um software, instalar no próprio computador e
fazer uso do produto, sem a necessidade de suporte físico como um CD. O advogado
não acha que isso seja um problema. 'Eu acho que o problema é mais em termos de
princípio. Quer dizer, numericamente, quanto isso representa em termos de
produto, eu acho que não é tão significativo perante o mercado informal que já
existe. Eu vou à Praça da Sé hoje e já tenho venda de qualquer tipo de CD no
chão.'
O problema não é só tributário, lembra o advogado, mas incide também na questão
dos direitos autorais. 'Quem em geral não paga tributo, não paga também direitos
autorais. E nesse caso há um interesse privado e as pessoas envolvidas nisso já
estão providenciando um combate a esse tipo de venda. É o caso, por exemplo, da
Napster nos Estados Unidos, em que as empresas produtoras entraram com ação
contra o site que promovia, intermediava, instrumentalizava a oferta e a
aquisição, até sem custo nenhum, de músicas, mas sem pagar direitos autorais. As
empresas conseguiram que a Justiça determinasse a paralisação desse tipo de
trabalho.'
O mercado vai se ajustando à nova realidade, conclui Marcos da Costa. 'O próprio
CD-Rom permite que eu grave sistemas ou músicas, sem pagar direitos autorais.
Então, a mídia eletrônica está favorecendo isso, como aconteceu, por exemplo, no
caso do videocassete anos atrás. Quando veio o videocassete, havia a
possibilidade de eu gravar um filme sem ter que pagar os direitos autorais.
Então, na medida em que o setor privado começa a reagir, ele está favorecendo
também o setor público. Quando ele impede que a música ou o software, por
exemplo, seja vendido através da internet sem o pagamento de direitos autorais,
ele indiretamente favorece o governo, porque quem paga direito autoral vai estar
com registro e portanto permitir uma administração melhor em termos
tributários.'
Data de Publicação: 28/05/2001
Autor(es): José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor