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Café: Melhoram As Cotações Embora Permaneçam As Incertezas1
Em
abril, as cotações do café arábica na bolsa de Nova York, para julho,
continuaram em queda até meados do mês, quando o mercado começou reagir,
atingindo no final valores semelhantes aos observados em meados de março, para a
mesma posição (Gráfico 1). A recuperação das cotações no final de abril está
associada à redução nos estoques dos Estados Unidos, devido a menores
exportações da América Central e do México.
Fonte: Elaborado a partir de
dados básicos da Gazeta Mercantil, abril 2001.
Porém, as cotações do café robusta na bolsa de Londres, para julho, continuaram
a tendência de queda, devido à oferta aquecida dos países do Sudeste Asiático
(Gráfico 2). Essa situação, criada pelo excedente de robusta, principalmente por
parte do Vietnã, tem deprimido todo o mercado mundial de café.
Fonte: Elaborado a partir de dados básicos da Gazeta
Mercantil, abril 2001.
Segundo a Secex/MDIC, as exportações brasileiras de café cresceram 8,5% em
volume no primeiro trimestre de 2001, em relação ao mesmo período do ano
passado, atingindo 4,11 milhões de sacas. A receita obtida, contudo, atingiu US$
324,05 milhões, cerca de 34,71% inferior à obtida no mesmo trimestre de 2000,
indicando o forte impacto da queda dos preços do café, neste ano, em relação ao
ano passado.
Mercado interno
Os preços recebidos pelos cafeicultores mantiveram-se estáveis ao longo das três primeiras semanas de abril. Na última semana, observou-se significativa alta nos preços (mais de 9% para os tipos finos), refletindo, em parte, a restrição de oferta (Gráfico 3). Também contribuiu para essa melhora o reconhecimento do equívoco que foi o plano de retenção, que entra em trajetória de encerramento. Os cafeicultores devem ficar atentos para essa pequena alta, disponibilizando parte do produto armazenado, uma vez que não são esperados outros picos de preços como o que ocorre nesse momento.
06/04/2000 a 27/04/2001
Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de ESCRITÓRIO CARVALHAES, abril.2001.
Ciclo de preços: já atingimos 1992?
No
ciclo passado, o fundo do poço dos preços do café foi atingido em 1992 e parte
de 1993. Uma série de fatores contribuiu para a queda de preços naquele período.
O principal deles, obviamente, foi o excesso de produção em 1987, quando o
Brasil produziu mais de 40 milhões de sacas, como resultado dos elevados preços
alcançados no final de 85 e começo de 86, e alguns produtores chegaram a vender
café acima de U$400 a saca. Esse excesso de produção teve papel decisivo na
suspensão das Cláusulas Econômicas do Acordo Internacional do Café, em julho de
1989. Com a suspensão do Acordo, houve transferência maciça de estoques de café
para os países consumidores: primeiro, porque os principais países concorrentes
do Brasil pensavam que as cláusulas econômicas seriam logo restabelecidas e,
portanto, levaria vantagem quem tivesse melhor desempenho recente nas
exportações, na expectativa de que fosse aquinhoado com uma cota maior de
mercado; segundo, porque, devido à própria queda de preços, houve necessidade de
se exportar mais café ainda, pois, para a maioria dos países exportadores, esse
produto representava a principal fonte de recursos de que dispunha para honrar
compromissos externos.
A extinção abrupta do Instituto Brasileiro do Café em 1990 (não permitindo uma
transição organizada) também contribuiu para agravar a situação, com os
diferentes segmentos da cadeia produtiva ficando à deriva, sem qualquer
coordenação e canal de interlocução entre os diferentes setores e o próprio
governo. Ademais, a política monetária brasileira da época, restritiva (juros
elevados), induzia os exportadores e industriais a carregarem o mínimo de
estoques possível, transferindo esse ônus para o setor produtivo. Mesmo o setor
de torrefação e moagem encontrava-se em dificuldades devido aos sucessivos
tabelamentos a níveis irreais a que fora submetido no passado. Segundo alguns
analistas, foi esse conjunto de fatores que derrubou os preços para US$40
dólares em 1992. Outros analistas argumentam que essa sucessão de eventos apenas
viria agravar o problema da descapitalização do setor produtivo, bastante
exaurido pela drenagem de mais de US$1,2 bilhão na forma de cota de contribuição
nos anos de 1987, 1988 e parte de 1989. Era esse o contexto em que se inseria o
negócio café no início dos anos 90s.
E a pergunta que se faz é a seguinte: a que valores corresponderiam hoje os
preços que vigoraram em agosto de 92, mês em que ocorreram as cotações mais
baixas do produto naquele ano? Alguns analistas têm usado o próprio valor do
café em dólar da época (no Brasil ou exterior), corrigindo-o pela taxa de câmbio
atual. Embora seja corriqueiro, esse tipo de procedimento pode levar a
conclusões equivocadas por envolver questões conceituais nem sempre bem
dominadas tais como sobrevalorização cambial e inflação americana.
Por causa disso, entendemos que a maneira mais apropriada para se fazer a
atualização seria a partir dos preços do café, em moeda nacional, valendo-se
para isso dos levantamentos realizados sistematicamente pelo IEA desde a década
de 1940. Assim procedendo e utilizando-se como deflator o IGP-DI da FGV,
chega-se a um valor em torno de R$90/R$100 a saca, ainda inferior ao preço que
prevalece atualmente no Estado de São Paulo, acima de R$110 a saca. Entretanto,
a utilização desse índice é muito criticada por embutir um viés de mudança de
moeda no ano de 1994 que tende a superestimar as atualizações de valor. Isto
pode ser resolvido quando se considera como fator de correção o IPCA (índice de
preço ao consumidor ampliado) do IBGE, que não incorpora o mencionado viés da
FGV. De acordo com esse índice, o preço de agosto de 1992 deveria corresponder
hoje a um valor em torno de R$70 a saca. Vamos torcer para que isso não venha a
ocorrer, até porque se observa no setor um processo de descapitalização,
provocado em grande parte pelo plano de retenção que dissuadiu muitos produtores
a não vender café na faixa de R$ 180/ R$200 a saca na expectativa de fazê-lo a
preço maior, o que era impossível de ocorrer conforme sempre alertamos devido ao
ciclo descendente do preço do café. Infelizmente, esse alerta foi ignorado pelas
lideranças desse plano, causando grandes prejuízos não só aos produtores como
também ao próprio País devido à necessidade urgente de aumentar as exportações,
para evitar déficit na balança comercial e implicações sérias nas taxas de juros
e no câmbio.
A formação da ALCA beneficiará o agronegócio café?
O debate sobre os benefícios da criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) entrou na ordem do dia dos principais fóruns diplomáticos, empresariais e acadêmicos. O apelo pela diminuição das barreiras comerciais, e outros temas ligados ao comércio, decorre do expressivo contingente populacional que habita o Continente (cerca de 800 milhões de pessoas) com mais de US$ 11 trilhões de PIB. Ademais, tornou-se mais que explícito o interesse estadunidense em abreviar ao máximo o processo, na medida em que percebe nisso a oportunidade de sacramentar sua hegemonia regional, fechando as janelas para outros blocos. Assim, reunidos na Cidade de Québec/Canadá, os mandatários de 34 países do Continente estipularam para 1o
de janeiro de 2006 a data para o início da plena vigência da ALCA.
No agronegócio do café, a celebração do acordo não altera nem positivamente nem
negativamente o panorama atual. Com história centenária no Brasil, a
cafeicultura sempre possuiu forte ligação com o exterior através do comércio do
grão cru. Nos anos 60s, surgiu o solúvel que reforçou essa dinâmica de forte
ligação com o exterior. Sem risco de errar, podemos considerar o café como o
mais multilateral dos produtos da pauta brasileira. Essa neutralidade deriva,
ainda, da existência de mais de uma dezena de países produtores de café no
Continente, diminuindo o espaço para uma ampliação da posição brasileira.
Por inexistirem barreiras comerciais (tarifárias, quotas e sanitárias), as
exportações brasileiras poderiam ser favorecidas, desde que nosso empresariado
adotasse posturas mais ativas no esforço de consolidação de carteira de clientes
nos EUA e no Canadá (sair da postura FOB comprada para uma atitude CIF vendida).
O Brasil poderia constituir-se numa plataforma continental para a exportação de
café (grão cru, torrado e moído, torrado em grão e solúvel). Contudo, os
analistas do mercado de café creditavam tanto à excessiva pulverização da
indústria de torrefação quanto a sua base de comercialização local/regional os
obstáculos para que o segmento conquistasse o mercado exterior, contribuindo no
incremento da balança comercial. Todavia, o movimento de aquisição de
torrefadoras líderes no mercado doméstico (casos da União, Do Ponto, do Café
Seleto e da Três Corações) e os esforços de modernização de outras prenunciavam,
finalmente, a possibilidade de exportação de substanciais volumes de café
torrado e moído.
Essa hipótese dos analistas ainda não se concretizou. Motivos de diversas
naturezas mantêm o segmento de torrado e moído voltado exclusivamente para o
mercado interno. Apesar dos esforços pela introdução de inovações, ainda
predomina no mercado o produto comercializado nas embalagens tipo almofada, algo
totalmente estranho e obsoleto no mercado internacional. A adesão das grandes
firmas torrefadoras a um tipo de concorrência pautada pela baixa qualidade
(blends de bica corrida COB 8 com 50% de robusta possuindo mais de 20% de grãos
pretos, verdes e ardidos) adia, por tempo indeterminado, as esperanças de
alcançar o mercado externo através do reconhecimento da excelência do produto
brasileiro. Ademais, a percepção dos consumidores de que houve piora na
qualidade da bebida agrava ainda mais o quadro, podendo refletir-se na
diminuição da taxa de crescimento do consumo de café no mercado interno estimada
em 2,5% ao ano.
A obsessiva competição, através da oferta de produto inferior numa desenfreada
guerra de preços, torna o setor quase que míope para essas oportunidades que
certamente estão presentes. Diante disso, não descartamos que com a ALCA os
Cafés do Brasil possam apropriar-se de novas oportunidades de negócios. Para
isso, contudo, há que se harmonizar os interesses visando dar o salto para a
exportação de maior valor agregado.
Retenção: desarmando a armadilha
Em 26
de abril, os membros do Conselho Deliberativo de Política Cafeeira promoveram
mudança no esquema da retenção, o que, na prática, encerraria o programa para
esse ano. Depois de exaustivamente sugerido, resolveu-se aceitar os grãos
financiados em pré-comercialização como café pertencente aos 20% de produto
retido. Essa medida, além de desburocratizar todo o esquema, baixa
significativamente seu custo (estimado em R$ 15/sc), com claros benefícios aos
produtores uma vez que tais despesas oneravam o preço recebido pelo produto.
Ainda que tenha acertado nessa decisão, o Conselho poderia ter aproveitado o
momento para determinar o que será feito com o café retido pelos exportadores,
pois esse é o outro nó que precisa ser desatado.
1 Convênio DESR/ESALQ/USP-IEA/APTA-SAA |
Data de Publicação: 04/05/2001
Autor(es):
Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor