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Qual É O Tamanho Do Mercado Chinês Para O Açúcar Do Brasil?
'Os fatos sempre têm três
versões: a minha, a sua e a verdadeira' A aritmética chinesa É
muito frequente o uso de certos cálculos sobre o mercado chinês – tão misterioso
quanto nossa ignorância sobre ele – que fornecem resultados muito animadores
sobre as possibilidades de colocação dos produtos brasileiros. Pela chamada
'aritmética chinesa', se metade do 1,2 bilhão de pessoas existentes na China
aumentar o atual patamar de consumo de açúcar, de 10kg per capita/ano para 15kg,
em cinco anos isso significaria um consumo adicional de 600 mil toneladas
anuais. Ou seja, um potencial de 3 milhões de toneladas além do que já se
consome, do qual o Brasil, por sua grande competitividade, poderia abocanhar
parte relevante. Situação atual: produção de açúcar, mercado e políticas
A
produção chinesa de açúcar é originada da exploração da cana-de-açúcar e da
beterraba, sendo a primeira atividade responsável por mais de 85%, em média, do
total próximo a 8 milhões de toneladas (tabela 1). A produção da
matéria-prima foi de 70 milhões de toneladas de cana em 2000 e de 7,7 milhões de
toneladas de beterraba, ocupando 1,247 milhão de hectares (tabelas 2 e 3). As
principais produções de cana estão localizadas no sul, na região autônoma de
Guangxi, e nas províncias de Guangdong considerada a região mais pobre da China
- e Yunann, que, além de ser caracterizada pela extrema pobreza rural, é a que
tem a maior diversidade étnica (Bean; Chao, 2000), o que, de um lado, explica a
necessidade da proteção aos produtores de cana e de outro lado explica a
dificuldade da reforma empreendida pelo governo para adequar esse setor às
condições de produção lucrativas. Adoçantes artificiais: competição com açúcar e
reestruturação Além
da competição externa pelo mercado doméstico, um grande concorrente do açúcar
vem da produção e consumo dos adoçantes artificiais usados largamente nas
indústrias de alimentos e de bebidas desse país, inclusive bem acima dos níveis
estabelecidos pela legislação. Segundo uma fonte (Yang; Liu, 2001), a produção
de sacarina teria alcançado, em 1998, um montante de 24,7 milhões de toneladas,
o que representaria o equivalente a 7,5 milhões de toneladas de açúcar, ou algo
como 75% da produção de açúcar nesse ano. Outra fonte (Bean; Chao, 2001) estima
essa equivalência para toda a produção de adoçantes em 4 milhões de toneladas, o
que representaria algo como 40% do total de açúcar produzido em 1998. Embora
muito diferente dos valores anteriores, demonstra, também, uma produção elevada
de adoçantes em relação à produção de açúcar. Tamanho possível para o açúcar brasileiro na China
Assim, a situação da produção e do mercado de açúcar, associada à situação da
produção e do mercado de adoçantes, delineia a complexidade da questão de se
colocar o açúcar nacional nesse país asiático, rechaçando a visão otimista que a
'aritmética chinesa' nos leva a enxergar. Entretanto, existem possibilidades a
serem exploradas que podem ser úteis às empresas exportadoras e ao governo
brasileiro. Yang, Herong; Liu, Chaoming.
The chinese sugar market: analisys and policy recommendations. Sugar Journal,
p.11-18, janeiro, 2001. Fonseca, Renato (coordenador)
et al. Barreiras externas às exportações brasileiras – 1999. Texto para
Discussão, no. 146, FUNCEX, 271p, out/1999. Bean, Ralph; Chao, Freda.
China, Peoples Republic of: Sugar Production and Reform Update 2000. USDA
.Foreign Agriculture Service: Voluntary Report, 12/2000 ( www.usda.gov) Bean, Ralph; Chao, Freda.
China, Peoples Republic of: Sugar Artificial Sweetners Update 2001. USDA.
Foreign Agriculture Service: Voluntary Report, 07/2001 ( www.usda.gov) Bean, Ralph. China, Peoples
Republic of: Sugar Annual Report. USDA. Foreign Agriculture Service: Schedule
Report, 12/1999 ( www.usda.gov). USDA. Sugar: Situation and
Outlook in Selected Countries. Foreign Agriculture Service, nov/2000, atualizado
em 02/2001 ( www.usda.gov).
(pensamento
chinês)
Mas, como o provérbio chinês nos ensina, é preciso municiar-se de informações e
de reflexão sobre elas antes de adiantar conclusões. Assim, busca-se conhecer um
pouco mais sobre o tamanho desse mercado, sua dinâmica e perspectivas, de
maneira a ter elementos que possam contribuir para estabelecer conjuntamente
políticas de incentivo e estratégias empresariais de conquista de parcela do
mercado chinês de açúcar.
O governo chinês protege seus produtores agrícolas e as unidades industriais
processadoras de açúcar ao impor restrições à importação, mediante tarifa de
importação de 30%, barreiras não-tarifárias como licença para importação,
sistema de teste, inspeção, quarentena e, principalmente, pelo estabelecimento
de quotas (Fonseca et al, 1999), o que leva em parte a sustentar a antiga
ineficiência. Ao mesmo tempo, procura promover reforma, colocando racionalidade
e auto-sustentabilidade, pelo fechamento de 152 unidades industriais em 2001 e
pela imposição de freio à alta de preços internos com a venda de estoques (USDA,
2001). Como exemplo das ineficiências, pode-se citar a extrema fragmentação do
fornecimento de cana para a maior usina de Guangxi, que requer por volta de 1
milhão de toneladas anuais. A usina é abastecida por 10 mil fornecedores, o que
significa a média de 100 toneladas por produtor. Outro exemplo vem da tecnologia
empregada na produção de açúcar, que gera um produto de baixa qualidade,
contendo altos níveis de enxofre, cinzas e cor escura, características
não-adequadas para o padrão da indústria de alimentos e de bebidas (Yang; Liu,
2001).
A necessidade de reestruturar esse segmento produtivo coloca-se como imperiosa
porque a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) provocará
alterações nesse sistema de proteção, obrigando-a a fazer frente aos seus
competidores internacionais. Veja-se que o compromisso assumido é o de começar
com uma quota de 1,6 milhão de toneladas de açúcar, que seria aumentada para
1,945 milhão em quatro anos. Além disso, a tarifa extra-quota, atualmente
estabelecida em 76%, deverá ser reduzida em 65% em quatro anos (Bean; Chao,
2001). Esses números, por sua vez, são bastante consistentes com o nível
histórico de importação de açúcar pela China, que já chegou a alcançar a marca
de 3 milhões de toneladas em 1995 e esteve no patamar acima de 1 milhão de
toneladas durante vários anos da década de 1990, somente caindo para a faixa
abaixo de 1 milhão de toneladas nos anos finais da década (tabela 4).
Enquanto o consumo de açúcar tem baixa taxa de crescimento, o consumo de
adoçantes cresce rapidamente, impulsionado pela demanda de refrigerantes e de
sucos de frutas. Em 2001, espera-se um aumento de apenas 2% no consumo do açúcar
de cana/beterraba. Os refrigerantes cresceram 25,7% em 2000, em relação ao ano
anterior, e um levantamento recente indicou que mais do que 76% das crianças das
áreas urbanas acima de 6 anos tomavam suco regularmente (Bean, Chao, 2001).
Um grande problema dessa disseminação de uso é exatamente o seu excesso. A
recomendação legal do governo chinês, por exemplo, para uso de ciclamato é de
150mg/kg, enquanto que na prática alcança um valor acima de 600mg/kg. Em
levantamento feito por organização governamental em mais de cem marcas nacionais
de refrigerantes, constatou-se que acima de 61% delas usavam adoçantes
artificiais, principalmente sacarina, ciclamato e aspartame. Verificou-se,
também, que nas pequenas e médias cidades, onde o problema da fiscalização é
problemático, 91% dos refrigerantes produzidos continham sacarina (Bean; Chao,
2001).
A reformulação implementada pelo governo busca regular a produção desse mercado
e equilibrar sua competição com o açúcar no mercado doméstico. Nesse sentido,
foram fechadas algumas fábricas, criados incentivos para a exportação de
adoçantes e estabelecido limite para o uso doméstico da sacarina, de 3 milhões
de toneladas já em 1999, o que significa um volume excedente de 14 milhões de
toneladas para ser exportado em 2001 (Bean; Chao, 2001).
Essa situação pode não acontecer no nível esperado pelas autoridades
governamentais chinesas dada a complexidade de se estabelecer mecanismos de
controle que funcionem adequadamente, em função de uma série de fatores entre os
quais se destacam a falta de equipes capacitadas nas regiões ou províncias
chinesas e o imenso número de pequenas fábricas de alimentos e de bebidas
existentes (Bean: Chao, 2001).
Nesse sentido, são utilizadas as informações sistematizadas nas tabelas 5 e 6
para se construir um cenário possível. Veja-se que a importação de açúcar pela
China, por país de origem, mostra que apenas quatro países (Cuba, Austrália,
Tailândia e Coréia do Sul) fornecem acima de 90% do total importado pela China
no primeiro ano da série da tabela 5. No ano seguinte, foi incluído o Brasil (que
eventualmente ocupou o lugar da Tailândia), para voltar a repetir os mesmos
países no último ano.
Desses países, a Tailândia, localizada próxima à China, é importante produtor e
exportador de açúcar no mercado mundial. A Coréia do Sul, embora não tenha
produção de açúcar (conforme estatísticas sobre balanço mundial do USDA e da
FAO), pode estar re-exportando, aproveitando sua extrema proximidade com a
China. A Austrália, também um dos principais países exportadores de açúcar do
mundo, justifica plenamente sua relevância nesse mercado. Porém, participação de
Cuba em primeiro lugar e com um volume de exportações bem superior ao dos demais
– somente no último ano, representou 59% do total – é explicada fortemente pela
existência de um acordo de comércio estabelecido sob a égide de um amplo acordo
de cooperação sino-cubano, aparentemente suprindo diferenças de competitividade
com os demais países e com o Brasil.
Todavia, mais do que propor a substituição do açúcar brasileiro pelo cubano –
sugestão diplomaticamente antiética –, mesmo porque se espera maior abertura com
a entrada da China na OMC, o que se quer ressaltar é a possibilidade de o Brasil
entrar um pouco mais fortemente nesse mercado, inclusive porque o País já chegou
a exportar a expressiva soma de U$ 124,6 milhões em 1995 (a preços da época), o
que representou por volta de 400 mil t, volume praticamente igual ao colocado
por Cuba, que depois caiu para zero em 2000 (tabela 6).
Sem mais delongas, queremos concluir com a sugestão de que essa pode ser uma
meta inicial e realista para o Brasil no médio prazo, ou seja, chegar novamente
a exportar 400 mil toneladas para a China, o que representaria 25% da sua
provável nova quota.
Tabela 1. Produção de Açúcar centrifugado, bruto (raw sugar), China
Ano | tonelada | índice
simples |
2000 | 7.800.445 | 78 |
1999 | 7.736.445 | 77 |
1998 | 10.046.803 | 100 |
1997 | 9.122.916 | 91 |
1996 | 7.764.591 | 77 |
1995 | 7.213.579 | 72 |
1994 | 6.409.459 | 64 |
1993 | 6.980.687 | 69 |
1992 | 8.920.358 | 89 |
1991 | 9.022.665 | 90 |
1990 | 7.396.680 | 74 |
Fonte: FAO ( www.fao.org)
Ano | área em
ha | produção em
t |
2000 | 991.000 | 70.205.490 |
1999 | 1.042.000 | 78.108.490 |
1998 | 1.187.300 | 87.203.670 |
Fonte: FAO ( www.fao.org)
Ano | área em
ha | produção em
t |
2000 | 256.000 | 7.700.000 |
1999 | 296.000 | 8.639.000 |
1998 | 503.300 | 14.466.475 |
Fonte: FAO ( www.fao.org)
. | | ||
ano | total (1) | bruto | refinado
(2) |
1999 | 680.791 | 546.739 | 123.323 |
1998 | 735.906 | 606.804 | 118.769 |
1997 | 998.104 | 890.195 | 99.270 |
1996 | 1.383.166 | 1.328.683 | 50.122 |
1995 | 3.080.559 | 2.665.059 | 382.245 |
1994 | 1.617.921 | 1.544.427 | 67.612 |
1993 | 532.886 | 498.665 | 31.482 |
1992 | 1.158.873 | 1.130.444 | 21.554 |
1991 | 1.070.977 | 968.055 | 94.684 |
1990 | 1.147.311 | 958.873 | 173.356 |
(1) em equivalente bruto (raw sugar)
(2) transformado em açúcar bruto por uma relação de equivalência
Fonte: FAO ( www.fao.org)
Data de Publicação: 21/08/2001
Autor(es): Alceu De Arruda Veiga Filho Consulte outros textos deste autor