Artigos
Agricultura Ecológica E Organização
A
Comissão Técnica de Agricultura Ecológica-CTAE, da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento do Estado de São Paulo-SAA pretendem, através do Curso Regional de
Agricultura Ecológica, interiorizar suas ações levando conhecimento técnico e
difundindo práticas adequadas a uma agricultura ecologicamente sustentável mas
também estimulando a discussão de como cada região pode se organizar para
promover o fortalecimento da rede
produtor-pesquisa-extensão-intermediários-consumidor eticamente comprometida com
os princípios básicos da agricultura ecológica. 1- ORGANIZAÇÃO DA AGRICULTURA ECOLÓGICA NO ESTADO DE SÃO
PAULO No
Estado de São Paulo, a agricultura ecológica é praticada através de três padrões
tecnológicos fundamentais: o orgânico, o biodinâmico e o natural. 2 - AGRICULTURA ECOLÓGICA E O ECOSSISTEMA
O
Estado de São Paulo apresenta uma grande diversidade de ecossistemas o que
define realidades e problemas distintos para a prática da agricultura ecológica.
Isto determina que os cursos de capacitação sejam feitos de forma regionalizada.
A base tecnológica da agricultura ecológica pode ser identificada em termos de
alguns princípios básicos que atestam a sua diversidade e dependência das
características naturais locais. São eles (REIJNTJES et al., 1992): Isto
estabelece a necessidade de definir novas estratégias para o trabalho
pesquisa-extensão além do desenvolvimento de um estrutura local integrada e
complementar a produção agrícola. Segundo Reijntjes et al. (1992) esta estrutura
deve conter: As
unidades públicas de pesquisa-extensão têm se voltado principalmente para
questões da produção em grande escala, monocultora e homogeneizadora das
condições naturais de produção. A comparação entre os fundamentos da
agroecologia com o modelo tradicional dá a dimensão do esforço radical de
transformação pelo qual estes órgãos têm que passar para se ajustar a este
modelo. 3 - O MERCADO E A ORGANIZAÇÃO DA REDE REGIONAL
Um
produtor pode estar motivado a produzir ecologicamente por razões éticas ou
econômicas. No caso da primeira alternativa isto deve esta associado a sua
sensibilidade aos danos causados ao ambiente, a saúde de sua família, ou dos
consumidores de seus produtos. No segundo caso, pode ter conhecimento que
existem consumidores interessados em obter um produto mais saudável mesmo que
tenham que pagar um adicional por isto. Estas duas motivações podem não ser
excludentes mas na agricultura ecológica é importante garantir que, em caso de
conflito, predominará o primeiro. 4 - ORGANIZAÇÃO LOCAL: PRINCÍPIOS BÁSICOS
Onde
inexiste organização local em agricultura ecológica, o setor público e o setor
privado devem fazer esforços para introduzí-la e assistí-la, sempre que houver
um interesse manifesto. Podem assumir o papel de catalizadores sem que isto
signifique que o caráter participativo do processo seja comprometido. É
importante, entretanto, enfatizar alguns aspectos que devem caracterizar estas
organizações. 5 - FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
Organizações podem ser formais, quando legalmente constituídas, ou informais,
quando existem mas não estão legalmente constituídas. Podem ser formadas por:
Este texto foi elaborado para ser material de leitura do módulo voltado à
questão da organização. Tem como objetivo dar subsídios para produtores e
técnicos interessados em se estruturar para integrar a organização de
agricultura ecológica, já existente no Estado. A questão da organização,
orientada por princípios éticos que transcendem a própria questão da opção
tecnológica, é um aspecto fundamental para a determinação dos contornos do grupo
em expansão, para que este possa crescer tendo como único limite o interesse da
sociedade, manifesto através das compras feitas pelo consumidor. A organização
pode ser construída cientificamente com o respaldo de diversas áreas do
conhecimento: administração, ciências sociais, psicologia e ciência política,
principalmente.
Pretende-se, neste texto, reunir algumas informações consideradas fundamentais
para homogeneizar a visão de mundo dos participantes do curso, dando subsídio
para um trabalho participativo que coloca como protagonista principal o
agricultor.
Na primeira parte faz-se um breve retrospecto da estrutura atual da organização
da agricultura ecológica no Estado de São Paulo; na segunda faz-se uma
caracterização da importância do caráter local da pesquisa e da organização
sócio-econômica na agroecologia, em função da grande diversidade dos
ecossistemas no Estado. A parte três enfatiza a importância da ética como forma
de regulação do mercado; a seguinte faz algumas considerações, fundamentadas nas
ciências políticas e sociais, sobre a importância das organizações serem
construídas pelos interessados, com autonomia. Ao se tratar na parte cinco das
formas de organização coloca-se a questão dentro do marco legal do País e das
formas praticadas pela sociedade. Encerra-se com algumas considerações para
montagem da oficina participativa sobre o tema do módulo e faz-se algumas
considerações a partir da experiência piloto realizada em Pindamonhangaba.
A agricultura orgânica, segundo EHLERS (1994) se desenvolveu através dos
trabalhos de compostagem e adubação orgânica realizados por Howard no Institute
of Plant Industry na Índia, entre os anos de 1925 e 1930. Seus conhecimentos
foram difundidos por Lady Balfour, na Inglaterra, que fundou a Soil Association
e por Rodale, nos Estados Unidos, que desenvolveu experimentos em sua fazenda na
Pensilvânia e iniciou a publicação da revista Organic Garden and Farm.
No final da década de 70, três Estados Norte Americanos: Maine, Oregon e
Califórnia criaram definições formais para agricultura orgânica com o intuito de
regulamentar a rotulagem dos alimentos. Nos anos 80, o Departamento de
Agricultura Americano a definiu como: 'um sistema de produção que evita ou
exclui amplamente o uso de fertilizantes, pesticidas, reguladores de
crescimento, aditivos para a alimentação animal compostos sinteticamente. Tanto
quanto possível, os sistemas de produção baseiam-se na rotação de culturas,
estercos animais, leguminosas, adubação verde, lixo orgânico vindo de fora da
fazenda, cultivo mecânico, minerais naturais e aspectos de controle biológico de
pragas para manter a estrutura, produtividade do solo, fornecer nutrientes para
as plantas, controlar insetos, ervas daninhas e outras pragas' (USDA,1984
IN:EHLERS, 1994).
No Brasil foi introduzida principalmente através dos trabalhos de Adilson
Paschoal e Ana Maria Primavesi. Em 1976, um grupo de agrônomos começou a se
reunir dentro da Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo. Em
1989 criou-se a Associação de Agricultura Orgânica-AAO com personalidade
jurídica e sede, desde o ano seguinte, no Parque de Exposições Fernando Costa. A
normatização da produção ocorreu com base em estudo encomendado à Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz-ESALQ, e o cadastramento dos produtores
ocorreu em parceria com o Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural-IBD e a
Associação Mokiti Okada-MOA. Isto permitiu a organização das feiras de produtos
orgânicos, inaugurada em fevereiro de 1991, e que são atualmente em número de
quatro. Já está prestes a obter seu registro junto a International Federation of
Organic Agriculture Movements-IFOAM, como certificadora.
O selo de certificação de qualidade da AAO, criado em 1996, permitiu um novo
salto na estratégia de comercialização com o surgimento de empresas de
comercialização e a entrada nos supermercados. Cerca de quarenta produtores o
utilizam. Existem três empresas comercializando a produção: Horta e Arte, Aldeia
e a Primo Sabor. Existem quinze lojas de seis cadeias de supermercados colocando
produtos orgânicos a disposição dos consumidores. (DULLEY, s/data). O selo para
produtos processados é de 1997.
A AAO conta hoje com cerca de um mil e quinhentos associados sendo quinhentos
atuantes. Tem cento e quarenta e oito produtores certificados dos quais setenta
e cinco produzem hortaliças e dezessete café. Este número vem crescendo
rapidamente nos últimos anos. São vendidos cerca de 50.000 kg/ano nas feiras e
500.000 kg/ano através dos supermercados (SANTIAGO, 1998).
Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região-A.A.N.C.R., foi criada em
1991, por produtores associados à Mokiti Okada. Posteriormente optaram pela
técnica orgânica e pretendem adotar as normas da IFOAM para certificação, mas
ainda estão longe de cumprir as exigências para o reconhecimento. Conta com
cinco técnicos para dar orientação e fazer a certificação. Tem cento e treze
associados sendo trinta e cinco deles produtores e atua em um raio de cinqüenta
quilômetros do polo regional. A produção é fundamentalmente de hortaliças, pães,
lácteos e ovos comercializada através das quatro feiras que existem na cidade
sede. A mais antiga delas tem sete anos e está localizada no Parque Ecológico; a
maior ocorre no Bosque Jequitibá e conta com cerca de dez produtores. Existe uma
empresa, a Armazen, que coloca a produção nos supermercados da cidade.
A agricultura biodinâmica surgiu como uma manifestação da antroposofia, ciência
espiritual do filósofo austríaco Rudolf Steiner. Em palestras proferidas em 1924
ele ressaltou a importância de manter a qualidade do solo e introduziu os
'preparados biodinâmicos' que têm como objetivo estimular as 'forças naturais do
solo'. Como conseqüência foi formado o 'Círculo Experimental de Agricultores
Antroposóficos' que dedicou-se a pesquisa e difusão dos conhecimentos. Em 1934
foi fundada a Cooperativa Agrícola Deméter para atender aos consumidores
interessados na qualidade dos alimentos.
As principais características da agricultura biodinâmica são: 1. Cada
propriedade é como um organismo que deve buscar sua individualidade, reduzindo
sua dependência de insumos externos; 2. Interação entre a produção animal e
vegetal; 3. Respeito ao calendário biodinâmico que indica as melhores fases
astrológicas para as diversas atividades agrícolas; 4. A utilização dos
preparados biodinâmicos; 5. Uso de composto; 6. Cercas vivas e outras medidas
paisagísticas; 7. Uso de leguminosas como culturas mistas, adubação verde; 8.
Cultivo de ervas e seu emprego na forragem; 9. Culturas de bordadura e
vizinhança; 10. Proteção das aves;11. Culturas pioneiras nas terras pobres; 12.
Culturas secundárias ou de inverno; 13. Estabulação sadia; 14. Reflorestamento
nos moldes naturais; 15. Diversas práticas relativas a campos e pastagens
(KOEPF, 1983 IN: EHLERS, 1994).
A Fazenda Deméter e o Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural-IBD estão
localizados em Botucatu, em São Paulo. O IBD, fundado em 1981, atua em
experimentação, pesquisa, publicação e certificação. É o maior certificador de
produção orgânica e biodinâmica da América Latina, reconhecido pela IFOAM. A
área total das propriedades certificadas no Estado é de trezentos e sessenta ha,
representando cerca de oito por cento da área que atende no país (GREGORI JR.,
1993). Tem cerca de vinte mil ha certificados na América Latina. Cerca de
noventa por cento dos produtos que certifica são para o mercado internacional
(HARKALY, 1998). O IBD indica consultores e colabora com a Fundação Elo na
organização de cursos.
A Agricultura Natural surgiu dos ensinamentos do mestre Mokiti Okada, motivada
pelo princípio de purificação do espírito pela arte e do corpo pelo alimento.
Acreditam que a Natureza, em estado puro e original, é a expressão da Verdade.
Por esta razão a atividade agrícola deve tomá-la como modelo.
Na mesma época, em 1938, Masanobu Fukuoka chegava a conclusões semelhantes. Para
ele o respeito às leis da natureza era fundamental, por isto a atividade
agrícola deveria exercer a menor intervenção possível no ambiente e nos
processos naturais. De acordo com o método que chamou de 'não fazer', o
agricultor não deve arar a terra, aplicar inseticidas e fertilizantes e nem
mesmo utilizar-se dos compostos, tão defendidos por Steiner e Howard, mas, sim
aproveitar ao máximo os processos que já ocorrem espontaneamente na natureza,
sem esforços desnecessários e desperdício de energia. Seus ensinamentos na
Austrália deram origem ao método conhecido como permacultura.
No Japão, foi a corrente de Mokiti Okada a que mais se desenvolveu. Em 1968, foi
constituída a Corporação Atami para comercializar os produtos naturais. A partir
de 1972 ocorreram encontros anuais sobre agricultura natural. Em 1976 foram
fundadas duas Estações Experimentais: a de Nayoro, em Hokkaido, e a de Ishigaki,
em Okinawa. Em 1982 foi criada uma terceira em Ohito, em Shizuoka, e foi fundado
o Centro Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento da Agricultura Natural que
dá apoio técnico aos produtores com escritórios espalhados pelo Japão e em
alguns outros países (EHLERS, 1994 e GREGORI Jr., 1993).
Em 1991 foi criada na sede da Organização das Nações Unidas-ONU a World
Sustainable Agriculture Association-WSSA, que visa disseminar as idéias de
Mokiti Okada.
As práticas agrícolas mais recomendadas são: rotação de culturas, uso de adubos
verdes, emprego de composto e uso de cobertura morta. Para o controle de pragas
e doenças estimulam a manutenção das características naturais do ambiente, a
melhoria das condições dos solos e do estado nutricional dos vegetais, o emprego
de inimigos naturais e, em último caso, produtos naturais não poluentes
(MIYASAKA, 1993 IN: EHLERS, 1994). Difere da orgânica principalmente pela sua
resistência ao uso de excremento de animais que consideram conter impurezas.
Isto impulsionou as técnicas de compostagem de vegetais e também a utilização de
microorganismos que auxiliam os processo de decomposição e melhoram a qualidade
dos compostos (EHLERS, 1994).
Em São Paulo, a MOA iniciou suas atividades em meados dos anos 80. Foi
inaugurado o Centro de Pesquisas de Agricultura Natural em dezembro de 1989, em
Mairinque, São Paulo. Suas atividades são financiadas pela Igreja Messiânica
Mundial. As principais atividades do Centro são: pesquisa e experimentação,
assistência técnica aos agricultores da região; assessoria e consultoria;
treinamento de pessoal; produção e comercialização de hortifrutigranjeiros e
plantas ornamentais; documentação e divulgação da agricultura natural.
A MOA não tem selo e portanto sua atuação na comercialização é personalizada.
Trabalham com cerca de duzentos produtores que recebem assistência técnica e
adquirem o Bokashi, o composto que desenvolveram. Cerca de outros trezentos
agricultores fizeram algum contato com o Centro, receberam alguma orientação
técnica mas não o mantém de forma continuada.
A principal atividade dos duzentos produtores assistidos é a produção de
hortaliças mas existem alguns praticando uma agricultura de transição com
frutas, flores e cereais. Não usam mais adubos químicos mas podem recorrer
eventualmente a pesticidas. Seus produtores estão em várias regiões do Estado.
Estes produtores entregam sua produção no Centro de Distribuição da Barra Funda,
em São Paulo, onde cada unidade da Igreja Messiânica e as lojas distribuidoras
vão buscar os produtos. A Korin Agropecuária, com loja em São Paulo, na Vila
Mariana, é o principal canal próprio de escoamento para estes produtores.
Ocorrem também vendas pelos canais normais de comercialização, sem que o produto
seja caracterizado pela sua qualidade diferenciada, ou utilizando o selo das
certificadoras.
É importante registrar dois outros grupos ligados à agricultura natural,
sediados em São Paulo. A Associação Mokiti Okada, movimento desmembrado da
Fundação Mokiti Okada, e que hoje se caracteriza como orgânico e não mais
natural, uma vez que faz uso de excremento de animal e a Associação dos
Produtores de Agricultura Natural-APAN.
As experiências vividas com as inovações introduzidas nos mecanismos de
comercialização, as feiras e a introdução das mercadorias nos supermercados,
demonstraram que existe uma grande demanda insatisfeita, o que determina que a
agricultura ecológica pode ser estimulada junto aos produtores como uma
alternativa agrícola economicamente viável. Dado ser tecnologia mão-de-obra
intensiva constitui-se em alternativa importante para a viabilização da
agricultura familiar. Desta forma, o incentivo à sua utilização contribui para a
sustentabilidade da agricultura tanto no que diz respeito à questão do ambiente
natural com do social.
Paralelamente às instituições organizadas pela sociedade civil com fins
lucrativos ou não existe, desde 1992, a Comissão Técnica de Agricultura
Orgânica-CTAO, que mudou de denominação para Agricultura Ecológica em 1994,
então, após ampla discussão entre seus membros. Entretanto, por deliberação do
Secretário, em 1997 voltou a ser denominada 'Orgânica', voltando em 1999 a
denominar-se Ecológica. É constituída por representantes de cada uma das
instituições da Secretaria da Agricultura e Abastecimento e tem como missão
principal promover a expansão desta forma alternativa de agricultura, no Estado.
Entre as atividades desenvolvidas é importante ressaltar o I Curso de
Agricultura Ecológica realizado em Campinas, em maio de 1995 e a existência de
uma Estação do Instituto Agronômico, em São Roque, voltada à Agroecologia.
Na agricultura ecológica, as características locais e a diversidade são insumos
importantes no desenvolvimento da tecnologia. Isto faz com que a pesquisa tenha
que ser repensada, ampliando o papel do agricultor e do extensionista e das
trocas de experiência. Isto implica na necessidade de melhorar a sistematização
das observações feitas na propriedade definindo a necessidade do tipo de apoio
do extensionista.
A construção das redes de troca de experiências deve estar entre as prioridades
locais e devem se constituir em fonte de referência fundamental para os
pesquisadores orientarem seus trabalhos.
Esta é a principal distinção, no plano econômico, entre o padrão tecnológico
'Moderno' e a agricultura ecológica: a forma personalizada de organização do
mercado como forma de subordinação da ética do lucro a da qualidade do produto e
do ambiente.
A relação impessoal de mercado, entre produtor e consumidor, na nossa sociedade
atual, faz com que o produto passe a ser visto por todos como desvinculado das
condições em que foi produzido e dos fins a que se destina. Consumidores hoje
começam a exigir mudanças e a valorizar conhecer a procedência, mesmo que isto
não lhes traga nenhuma garantia de maior confiabilidade. Cada dia mais se vê nas
prateleiras dos supermercados produtos embalados com algum tipo de identificação
do produtor.
No caso dos produtos da agroecologia as relações entre produtor e consumidor não
podem ser despersonalizadas porque importa conhecer a qualidade do produto
proveniente da sua forma de produção. Desenvolveram-se assim instrumentos de
agilização desta relação, com a preocupação de continuar a garantir ao
consumidor a qualidade esperada do produto.
A forma mais direta ocorre dentro de um grupo constituído pela identidade
religiosa ou de filosofia de vida. Uma outra estratégia foi o estabelecimento de
contratos formais e informais entre grupos de produtores e consumidores. A
literatura americana é farta na descrição destes contratos .
A medida que um número maior de consumidores valoriza estes produtos e que a
sociedade se organiza para encontrar meios para satisfazê-los, sem por em risco
a diferenciação efetiva da qualidade do produto, vai se estabelecendo um novo
mecanismo de regulação social que pode ocorrer através da forma jurídica de uma
empresa ou de uma sociedade civil.
Quando os valores espirituais não são os principais determinantes das exigências
tecnológicas do grupo surge a necessidade de constituir uma Comissão de Ética,
chamada a arbitrar sempre que haja dúvidas sobre um comportamento inadequado. A
experiência recente da AAO, em São Paulo, vem demonstrando a necessidade de que
esta Comissão envolva cada vez mais os consumidores.
Vê-se assim que a produção agroecológica exige alguma forma de organização
complementares e reguladoras do mercado, ao longo de cada uma das etapas do
processo produtivo, desde a pesquisa até o consumidor final. É um mercado
organizado através de agentes comprometidos com a qualidade do produto e do
ambiente, acompanhados por um grupo guardião desta ética. Assim, o caráter
personalizado das relações se repete envolvendo pesquisa/extensão, fornecedores
de insumos e equipamentos assim como processadores dos produtos agropecuários.
A questão que se coloca, neste ponto, é como o grupo de produtores
agroecológicos de uma região planeja se integrar ao mercado e as organizações já
existentes: as certificadoras, as empresas comerciais e também às instituições
oficiais de pesquisa e extensão. O importante é conhecer as vantagens e
desvantagens da integração o que exige um conhecimento prévio das possibilidades
e limitações destes órgãos.
Como este mercado está em construção, e pode não ser visível a toda a sociedade
local, existe a necessidade dos interessados se organizarem para divulgar
localmente suas demandas por serviços e mercadorias de forma a agirem como
elementos catalizadores e estimuladores destes novos negócios.
Segundo ESMAN, M & UPHOFF, N.T. (1984) acredita-se hoje que estas
organizações locais devam se basear, o máximo possível, em papéis aceitos,
princípios de obrigação, sanção do grupo, critérios de status e sucesso e formas
de trabalho coletivo. Enfatiza-se a importância de trabalhar no processo
'aprender fazendo' e não em um modelo definido ex-ante.
As instituições locais podem estar ou não associadas ao governo local e neste
último caso são denominadas de terceiro setor. São definidas como organizações
que agem em nome de ou são efetivamente acompanhadas pelos seus membros e estão
de fato envolvidas nas atividades estimuladoras da constituição do grupo. Está
baseada em mecanismos voluntários, motivados pelos interesses e valores da
comunidade. A cooperação é buscada através de processos de barganha, discussão,
acomodação e persuasão.
Uma característica importante para o sucesso é a construção de canais de
comunicação entre duas ou mais instituições semelhantes e também a integração
vertical com as instituições públicas e privadas atuando no setor. As
comunidades locais devem manter canais múltiplos de contato com os centros de
decisão para obter os benefícios da especialização na comunicação e para
desfrutar caminhos alternativos de influência. A efetividade das organizações
locais exigem grandes transformações das estruturas centralizadas.
O desempenho das organizações locais depende fundamentalmente da relação
interativa com as agências do governo guardando sua autonomia para que não seja
afetada por mudanças na orientação da política de governo e para fortalecer os
laços de solidariedade da comunidade .
Data de Publicação: 21/10/1999
Autor(es):
Yara Maria Chagas de Carvalho Consulte outros textos deste autor
Paulo Florencio da Silva Consulte outros textos deste autor