Oportunismo: Um Poderoso Inimigo Da Agricultura Orgânica

            A emergência da produção e da comercialização de produtos orgânicos no Estado de São Paulo e no Brasil e a possibilidade de sua expansão têm aumentado o risco do surgimento de atitudes oportunistas. A possibilidade de obtenção de preços mais elevados por esses produtos está promovendo a entrada de um número cada vez maior de agricultores e comerciantes nesse negócio.
            No caso dos produtos orgânicos, o oportunismo pode se concretizar através da tentativa de alguns agricultores e/ou comerciantes desses produtos de produzirem, adquirirem ou comercializarem produtos convencionais e os apresentarem aos consumidores como se fossem orgânicos. Essa é uma forma de obter o diferencial de preço e ao mesmo tempo burlar toda uma estrutura de certificação que envolve o acompanhamento e controle da produção, para garantir ao consumidor que o produto adquirido foi de fato produzido dentro das normas rigorosas da produção orgânica.
            Os produtos orgânicos constituem uma categoria de bens chamados bens de crença, pois apresentam atributos de qualidade muito específicos, não identificáveis mediante simples observação, seja numa feira ou num supermercado. A qualidade desses produtos está relacionada com a confiabilidade na presença de propriedades específicas, ou seja, refere-se à confiança com que os consumidores podem comprar determinados produtos, se estiverem buscando qualidades como o não uso de adubos químicos, agrotóxicos, antibióticos, hormônios de crescimento, etc. No caso dos produtos orgânicos, estes atributos resultam do modo como foram produzidos, que não são necessariamente visíveis ou prontamente identificáveis pelos consumidores. Estes, por sua vez, não têm capacidade e oportunidade para reconhecer os atributos das mercadorias orgânicas, seja na hora de comprar, ou mesmo após experimentar o produto.
            O que ocorre no caso dos produtos orgânicos é uma assimetria de informações entre vendedores e compradores. Os agricultores e comerciantes dispõem de todas as informações sobre os produtos que produzem e/ou comercializam. Sabem tudo sobre a sua origem. Sabem onde, quando, como e por quem foram produzidos. Já os consumidores, quando vão comprar os produtos orgânicos, quase nada podem saber, por conta própria, quanto à origem e qualidades intrínsecas daquilo que estão comprando. Vem daí a necessidade da certificação.
            E essa brutal diferença entre o grau de informação de quem produz e/ou vende em relação ao consumidor é que permite ou pode induzir a uma forte tentação para que produtos convencionais possam estar sendo oferecidos como se fossem orgânicos, quando na realidade podem não sê-lo. A importância da certificação e a credibilidade da agência certificadora de produtos orgânicos, para monitoramento das atividades dos agricultores e comerciantes desses produtos, decorre dessa pouca informação do consumidor.
            O oportunismo caracteriza-se pela busca do interesse exclusivamente próprio, sem levar em consideração as demais partes interessadas. O comportamento oportunista, ao colocar em risco todo um trabalho sério de monitoramento e fiscalização, representa uma grande perda de credibilidade para os agricultores e comerciantes idôneos, que creditam à agricultura orgânica a possibilidade de contribuir para regenerar o meio ambiente e proteger a saúde dos trabalhadores rurais, consumidores e suas famílias. É também uma atitude extremamente irresponsável em relação aos consumidores e ao próprio mercado de produtos orgânicos que, no caso do Brasil, a duras penas, vem sendo construído como resultado da ação de várias organizações não governamentais que congregam agricultores, consumidores, pesquisadores, comerciantes e simpatizantes do movimento.
            Deve-se ressaltar que a perda da credibilidade no mercado de produtos orgânicos não se dá de modo parcial ou gradual e que caso ela venha a ocorrer, poderá inviabilizar por longo período de tempo as atividades econômicas das pessoas ligadas à produção e ao mercado desses produtos.
            O antídoto, ou seja, a prevenção contra o surgimento do oportunismo, passa por uma maior conscientização de agricultores, comerciantes e consumidores sobre as vantagens econômicas, políticas, morais e éticas de seguir as normas estabelecidas para a produção orgânica. Isso poderá fortalecer as convicções e ideais de uma produção agrícola de baixo impacto para a saúde de trabalhadores rurais e o meio ambiente.
            Papel fundamental nesse processo é o dos consumidores, que devem exigir que os produtos vendidos como orgânicos sejam certificados por organizações reconhecidas, como forma de evitar o surgimento do oportunismo. Essa é uma forma de impedir que produtos não orgânicos sejam produzidos e comercializados como tal. A certificação protege os produtores idôneos e os consumidores, além de reduzir a possibilidade de fraude e favorecer a expansão desse mercado. Organizações, consumidores, trabalhadores rurais, agricultores e comerciantes, interessados no sucesso da agricultura orgânica e no seu rápido crescimento, devem estar atentos para preservar e fortalecer seus ideais, de modo a permitir a manutenção da confiança e do respeito público.

Referências Bibliográficas

KÜHL, Rainier W. The quality of fresh food and the agribusiness structure. Department of Agriculture ....Economics, University of Bonn, s.d. 21p Mimeo. (Working Paper).

SOUZA, Maria C. M. Algodão Orgânico: o papel das organizações na coordenação e diferenciação do ....sistema agroindustrial do algodão. São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e ....Contabilidade/USP, 1998. 187 p. (Dissertação de Mestrado)

SOUZA, Maria C. M. Produtos orgânicos. In: ZYLBERSZTAJN, D & NEVES, M. F. (orgs). Economia e Gestão ....dos Negócios Agroalimentares. São Paulo, Editora Pioneira, p.385-401, 2000.
 
 

 

Data de Publicação: 10/04/2001

Autor(es): Maria Celia Martins De Souza (mcmsouza@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Richard Domingues Dulley Consulte outros textos deste autor