Alimentação institucional: dispêndios do Governo do Estado de São Paulo

            A formação do tamanho e do perfil da demanda por alimentos e outros produtos agropecuários depende cada vez menos apenas da evolução do consumo das famílias, consubstanciada nas estatísticas oriundas das pesquisas de orçamento familiar, quase sempre vinculadas a ponderações dos cálculos da inflação. Esses indicadores focados nas despesas familiares não levam em conta os denominados dispêndios com alimentação institucional, que representam parcela relevante da demanda com alimentos. Ainda que se considerem os gastos com a alimentação fora de casa, tendo em vista uma população, especialmente urbana, em que o homem e a mulher trabalham fora, Isto ocorre tanto nos restaurantes das grandes empresas quanto nas compras governamentais.
            Essas compras governamentais incluem não apenas as destinadas à população carente, distribuída em programas sociais, como também a alimentação hospitalar, a merenda escolar e a alimentação do sistema prisional.
            O Instituto de Economia Agrícola (IEA) iniciou pesquisa com o objetivo de desvelar essa questão, de forma a contribuir para o aperfeiçoamento de mecanismos das políticas públicas que focam o assunto, seja na sua dimensão social - no que se mostra particularmente relevante -, seja na ótica da eficiência dos gastos públicos, o que também caracteriza sua importância. A justificativa é o reduzido número de estudos sobre a questão da ótica da magnitude dos dispêndios e da estrutura de mercado e da formação de preços, no que aqui se denomina 'agromercado da alimentação institucional'.
            De início, busca-se fornecer os primeiros elementos sobre a dimensão dos dispêndios estaduais destinados à aquisição direta de gêneros alimentícios, a partir da evolução dos dispêndios do Governo do Estado de São Paulo com alimentação institucional. Isto é factível devido à inequívoca transparência da gestão pública, derivada das medidas de informatização de processos implementadas no âmbito do governo paulista desde a segunda metade dos anos 1990, incluindo o sistema de compras eletrônicas.1
            Na período 2000-2004, os dispêndios do governo estadual com gêneros alimentícios cresceram de R$ 138,6 milhões para R$ 180,1 milhões (+30,7%), a preços médios dos primeiros dez meses de 2005. Em 2005, computadas as operações contabilizadas até novembro, os gastos atingiram R$ 145,96 milhões, o que projeta um patamar anual similar a 2004 (figura 1).

Figura 1. – Evolução dos dispêndios totais com gêneros alimentícios, Governo do Estado de São Paulo, 2000-2005(1) (2)

(1) Para 2005, somatória dos dispêndios de janeiro a novembro.
(2) Em R$, valores médios de 2005 (janeiro a outubro), deflacionados pelo IPCA do IBGE
Fonte: dados básicos do Sistema Integrado Físico-Financeiro – SIAFÌSICO da Secretaria da Fazenda Estado de São Paulo

            Os valores aplicados, bem como sua tendência, no período recente comprovam a relevância desse segmento do 'agromercado da alimentação institucional', representado pelas compras de gêneros alimentícios por parte do governo paulista. Como parâmetro de comparação, esse dispêndio médio governamental com gêneros alimentícios é maior do que o valor da produção estadual de 26 dos 48 principais produtos considerados nos cálculos do valor da produção agropecuária realizado pelo IEA2, o que revela a relevância da magnitude dos valores aplicados.
            A distribuição dessas aquisições concentra-se em três grandes Secretarias de Estado: Secretaria de Educação, pela extensão das redes de primeiro e segundo graus; Secretaria da Administração Penitenciária, face ao complexo de presídios em expansão; e Secretaria da Saúde, em função da imensa malha de postos de atendimento e de hospitais.
            Ao tomar apenas as compras de gêneros alimentícios, que não incluem as refeições e alimentos adquiridos com base em contratos de serviços, a participação percentual da Secretaria da Administração Penitenciária cresce de 26,6%, em 2000, para 43,6% em 2005; a da Secretaria da Educação, de 21,8% em 2000 para 33,8% em 2005; e a da Secretaria da Saúde, de 10,2% em 2000 para 12,4% em 2005. Essa nítida concentração nas três principais Secretarias provocou redução significativa da proporção das outras secretarias, de 41,4% em 2000 para 10,3% em 2005 (figura 2).

Figura 2. – Evolução da participação percentual das principais Secretarias de Estado nos dispêndios totais do Governo do Estado de São Paulo com gêneros alimentícios, Governo do Estado de São Paulo, 2000 a 2005 (1)

(1) Para 2005, somatória dos dispêndios de janeiro a novembro.
Fonte: dados básicos do Sistema Integrado Físico-Financeiro (SIAFÌSICO) da Secretaria da Fazenda Estado de São Paulo

            Em termos de valores absolutos, a Secretaria da Saúde mantém um patamar médio de dispêndio anual com gêneros alimentícios em torno dos R$ 20,0 milhões no período 2000-2004, nível esse que deve ser alcançado em 2005 face ao desempenho dos primeiros onze meses. Na Secretaria de Educação, os valores crescem de R$ 45,1 milhões em 2000 para R$ 67,4 milhões em 2004 (+48,1%), situando-se acima da média estadual. Em 2005, entretanto, as projeções revelam valores um pouco abaixo do valor de 2004, mas sem reverter a tendência geral de crescimento.
            Na Secretaria da Administração Penitenciária, o aumento também revela-se significativo e maior do que o do total estadual, saindo de R$ 52,2 milhões para R$ 76,4 milhões entre 2000 e 2004 (+46,4%), nível que deve ser repetido em 2005. Nas outras Secretarias, cujos gastos com gêneros alimentícios recuam de R$ 20,8 milhões para R$ 15,9 milhões (-23,6%) entre os anos extremos do período 2000-2004, espera-se aumento no total de 2005, face ao executado até novembro desse ano (figura 3).

Figura 3. – Evolução dos dispêndios totais com gêneros alimentícios das principais Secretarias de Estado do Governo do Estado de São Paulo, 2000 a 2005 (1) (2).

(1) Para 2005, somatória dos dispêndios de janeiro a novembro.
(2) Em R$, valores médios de 2005 (janeiro a outubro) deflacionados pelo IPCA do IBGE.
Fonte: dados básicos do Sistema Integrado Físico-Financeiro (SIAFÌSICO) da Secretaria da Fazenda Estado de São Paulo

            Os grupos e classes de gêneros alimentícios, bem como os itens mais representativos mostram aumento dos dispêndios entre 2000 e 2004 de: a) carnes, aves e peixes in natura, de R$ 24,5 milhões para R$ 40,5 milhões (+65,3%); b) carnes, aves e peixes processados e semiprocessados, de R$ 17,9 milhões para R$ 26,7 milhões (+49,2%); e c) cereais em grãos e farinhas em geral, de R$ 12,5 milhões para R$ 24,9 milhões (+99,2%). Já as compras de misturas para o preparo de alimento recuam de R$ 15,5 milhões para R$ 6,3 milhões no mesmo período (-59,4%). A partir de 2004, foi incorporada a classe alimentação escolar, que atingiu R$ 18,5 milhões nas operações contabilizadas nos primeiros onze meses de 2005 (tabela 1).
            A representatividade percentual no total de cada ano pode ser verificada ao cotejar, para esses grupos e classes, o ano de 2000 com 2004. Assim, tiveram incremento: a) carnes, aves e peixes in natura, de 17,7% para 22,5%; b) carnes, aves e peixes processados e semiprocessados, de 12,9% para 14,9%; e c) cereais em grãos e farinhas em geral, de 9,0% para 13,8%. As compras de misturas para o preparo de alimento recuaram de 11,1% do gasto anual em 2000 para 3,5%, em 2004, e a alimentação escolar representou 12,9% dos gastos com gêneros alimentícios em 2005 (tabela 2).
            As informações analisadas para os gastos governamentais paulistas com a compra direta de gêneros alimentícios mostram a relevância desses negócios para a formação do tamanho e do perfil da demanda dos mercados agropecuários. Numa sociedade urbanizada, os 'agromercados da alimentação institucional' assumem progressivamente papel decisivo na determinação da demanda efetiva interna pela sua expressão e nas suas diversas formas de ocorrência.
            Além das compras governamentais diretas de gêneros alimentícios, esses modernos agromercados contemplam, ainda, aquisições estatais via serviços de fornecimento de produtos e refeições, a imensa malha de restaurantes industriais de refeições gratuitas e/ou subsidiadas para operários e as compras empresariais de cestas básicas para fornecimento a trabalhadores.
            A própria concepção desses agromercados indica características peculiares que acabam sendo transmitidas de forma vertical para toda a estrutura à montante das cadeias de produção agropecuárias. São elas: a) credibilidade do fornecimento de produtos com padrão garantido e uniforme; b) capacidade de atendimento capaz de superar os limites da sazonalidade da oferta agropecuária, o que permite oferecer produtos o ano todo ainda que parcela do cardápio possa variar; e c) preços competitivos num mercado marcado pela elevada concorrência, com o que se transmitem padrões de preços para todos os elos da cadeia de produção até o campo.
            Esse processo gera a necessidade de formação de redes de fornecedores, para os agentes finais atuantes nos 'agromercados da alimentação institucional'. Tais redes avançam na conformação de padrões de qualidade e preços que chegam ao agropecuarista. Essas redes de fornecedores agro-alimentares determinam a inserção dos consumidores finais no condicionamento técnico do padrão produtivo, ao colocar requisitos de qualidade cada vez mais elevados para a sua satisfação, o que produz o avanço técnico para além da produtividade diminuidora de custos de produção e de transação.
            Mais que os fatores econômicos de produção (terra, trabalho e capital), há cada vez mais outros elementos a considerar na decisão do agropecuarista, enquanto fornecedor de última instância. São eles inovação tecnológica, inserção na institucionalidade das redes de fornecimento e outros determinantes da qualidade e das oportunidades de colocação de seus produtos.
            Assim, esses sistemas ampliam a subordinação do rural aos desígnios da dimensão setorial dos mercados, o que faz com que só possa ser pensado de forma consistente imerso nela. É que suas multideterminações eliminam inserções autônomas e fragmentadas ao estabelecer conexões globais cada vez mais definidoras do resultado econômico da atividade agropecuária.
            Do lado do setor público, a relevância das compras governamentais requer a estruturação de mecanismos de acompanhamento e aprimoramento dos processos de aquisição. E, da ótica dos agropecuaristas, exige a busca de organização para que possam atuar nesse agromercado.

__________________________
1 Nos dispêndios com gêneros alimentícios aqui citados, não estão considerados os contratados na forma de serviços de fornecimento de produtos e refeições, que serão tratados noutro artigo. A presente análise foca somente as compras diretas de gêneros alimentícios.
2 TSUNECHIRO, Alfredo et al. Valor da produção agropecuária do Estado de São Paulo em 2005: estimativa preliminar. Informações Econômicas 35(10):42-52.
3 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-125/2005.
__________________________

Tabela 1.- Dispêndios Totais do Governo do Estado de São Paulo com Gêneros Alimentícios por Grupos e Classes, Governo do Estado de São Paulo, 2000-2005, em R$ (2)

Grupos e Classes
2000
2001
2002
2003
2004
2005(1)
Carnes, aves e peixes in natura
24.469.319
23.547.678
26.706.601
34.830.713
40.457.058
21.666.428
Carnes, aves e peixes processados e semiprocessados
17.867.069
21.158.350
23.802.530
27.874.888
26.740.298
26.877.233
Misturas para preparo de alimentos
15.500.862
9.759.837
7.095.130
5.059.711
6.266.608
2.910.183
Leite, laticínios e seus derivados
12.803.393
10.385.218
10.895.850
12.481.651
11.834.212
10.986.904
Café, chás, achocolatados e outras bebidas solúveis
12.769.001
12.504.526
12.641.011
14.687.805
11.667.385
7.134.109
Frutas, verduras e legumes in natura
12.723.628
15.911.262
15.302.355
14.020.047
14.449.556
15.477.801
Cereais em grãos e farinhas em geral
12.503.711
15.267.109
19.577.277
26.409.966
24.868.317
15.127.539
Massas alimentícias e produtos de panificação
12.131.627
10.212.021
14.638.321
16.697.041
15.393.974
10.225.036
Frutas, verduras e legumes processados e semiprocessados
4.672.335
5.463.467
7.077.189
9.496.338
10.166.810
2.563.292
Óleos vegetais e gorduras animais
3.641.265
3.392.768
4.818.395
5.999.708
5.463.453
3.690.340
Açúcares e artigos para confeitarias
2.942.137
3.005.369
2.940.888
2.423.696
2.018.802
2.370.626
Bebidas não alcoólicas
2.210.748
2.129.764
2.469.046
2.302.599
2.737.947
3.054.597
Temperos, condimentos e correlatos
1.464.748
1.656.622
1.681.264
2.264.391
2.880.872
2.266.557
Ovos de aves 
1.341.007
1.476.911
1.391.104
1.797.548
1.859.959
1.709.523
Compotas, doces enlatados, pó para gelatinas, geléias e sorvetes
995.573
1.554.591
1.067.679
676.065
595.684
532.925
Cestas básicas
342.171
62.061
174.319
396.313
308.953
147.339
Alimentos dietéticos e para dietas especiais
130.500
130.573
128.843
134.732
150.259
194.912
Doces e salgados artesanais e industrializados
84.675
98.614
303.185
260.944
190.611
243.583
Alimentação escolar
0
0
0
0
2.002.663
18.783.876
Total dos gêneros alimentícios
138.595.768
137.718.743
152.712.986
177.816.159
180.055.424
145.964.810
(1) Operações executadas até novembro de 2005.
(2) Valores médios de 2005 (janeiro a outubro), deflacionados pelo IPCA do IBGE.
Fonte: Sistema Integrado físico-financeiro – SIAFÌSICO da Secretaria da Fazenda Estado de São Paulo

Tabela 2.- Participação dos Grupos e Classes nos Dispêndios Totais do Governo do Estado de São Paulo com Gêneros Alimentícios por Grupos e Classes, Governo do Estado de São Paulo, 2000-2005, em %

Grupos e Classes
2000
2001
2002
2003
2004
2005(1)
Carnes, aves e peixes in natura
17,66
17,10
17,49
19,59
22,47
14,84
Carnes, aves e peixes processados e semiprocessados
12,89
15,36
15,59
15,68
14,85
18,41
Misturas para preparo de alimentos
11,18
7,09
4,65
2,85
3,48
1,99
Leite, laticínios e seus derivados
9,24
7,54
7,13
7,02
6,57
7,53
Café, chás, achocolatados e outras bebidas solúveis
9,21
9,08
8,28
8,26
6,48
4,89
Frutas, verduras e legumes in natura
9,18
11,55
10,02
7,88
8,03
10,60
Cereais em grãos e farinhas em geral
9,02
11,09
12,82
14,85
13,81
10,36
Massas alimentícias e produtos de panificação
8,75
7,42
9,59
9,39
8,55
7,01
Frutas, verduras e legumes processados e semiprocssados
3,37
3,97
4,63
5,34
5,65
1,76
Óleos vegetais e gorduras animais
2,63
2,46
3,16
3,37
3,03
2,53
Açúcares e artigos para confeitarias
2,12
2,18
1,93
1,36
1,12
1,62
Bebidas não alcoólicas
1,60
1,55
1,62
1,29
1,52
2,09
Temperos, condimentos e correlatos
1,06
1,20
1,10
1,27
1,60
1,55
Ovos de aves 
0,97
1,07
0,91
1,01
1,03
1,17
Compotas, doces enlatados, pó para gelatinas, geléias e sorvetes
0,72
1,13
0,70
0,38
0,33
0,37
Cestas básicas
0,25
0,05
0,11
0,22
0,17
0,10
Alimentos dietéticos e para dietas especiais
0,09
0,09
0,08
0,08
0,08
0,13
Doces e salgados artesanais e industrializados
0,06
0,07
0,20
0,15
0,11
0,17
Alimentação escolar
0,00
0,00
0,00
0,00
1,11
12,87
Total dos gêneros alimentícios
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
(1) Operações executadas até novembro de 2005.
Fonte: Sistema Integrado físico-financeiro – SIAFÌSICO da Secretaria da Fazenda Estado de São Paulo 

Data de Publicação: 16/12/2005

Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Renata Martins (rmsampaio@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor