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Comércio exterior dos agronegócios e foco sul-mato-grossense de febre aftosa
A
recente detecção de focos de febre aftosa no território do Estado de Mato Grosso
do Sul, limítrofe do Extremo Oeste do Estado de São Paulo, vem provocando
inúmeros posicionamentos que pouco elucidam a exata dimensão do problema e não
contribuem para a preservação do interesse nacional maior, qual seja, avançar no
cumprimento do desígnio histórico de grande exportador de alimentos. Há de se
realizar uma reflexão sobre o processo recente de expansão das exportações
brasileiras de carne bovina para compreender que tal se deu exatamente em função
das restrições sanitárias ao consumo decorrente do denominado 'Mal da Vaca
Louca' (Encefalopatia Espungiforme Bovina). Exportações da pecuária de corte e da carne bovina
Em função dessa situação, que não pode ser tratada de modo simplista pela relevância econômica da pecuária de corte para a economia brasileira, busca-se aqui mostrar algumas estatísticas de exportações visando contribuir para a elucidação da significado do assunto em tela. Assim, espera-se proporcionar elementos para colocar as coisas no tempo e no lugar e, com isso, reduzir o elevado grau de aflição que se abate sobre a cadeia de produção da pecuária de corte. As exportações brasileiras da pecuária de corte atingiram U$ 3,8 bilhões em 2004, com crescimento de 21,4% nos primeiros nove meses de 2005 em comparação com igual período de 2004 (figuras 1 e 2). Figura 1- Exportações Brasileiras de Carne Bovina e da
Pecuária de Corte, ano de 2004 e janeiro-setembro, 2004 e 2005
O atual foco de febre aftosa revela-se grave para o mercado internacional,
exatamente por colocar em xeque o marketing do 'boi verde' - herbívoro criado a
pasto-, e dessa maneira sem os problemas do 'boi carnívoro' estabulado e
alimentado com farinha de carne de muitos países. Entenda-se, assim, que o
recente problema sanitário, mais que a carne, questiona uma marca comercial
nacional, em função da singularidade do chamado 'bóia a pasto', aliás, lançado
no próprio Mato Grosso do Sul.
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Desse total das exportações da pecuária de corte, a carne bovina somou US$ 2,5 bilhões em divisas em 2004, com aumento de 29,1%, não apenas superior ao total da pecuária de corte como também das próprias exportações totais brasileiras (23,4%) na comparação de jan.set/2005 com jan.set/2004. Isto deriva diretamente do excelente desempenho das carnes frescas, que mostram acréscimo de 34,0%, enquanto as vendas de couro (sem considerar os produtos processados na forma de calçados e outros bens finais) avançaram apenas 5,5% nos períodos considerados. Assim, exatamente o produto mais sensível a questionamentos de ordem sanitária - a carne bovina fresca, que compreende 52% das vendas externas da pecuária de corte brasileira -, mostra-se como o mais dinâmico na geração de divisas (figuras 2e 3).
Figura 2- Variação Percentual de Ítens Selecionados das Exportações Brasileiras, comparação entre os períodos de janeiro-setembro, 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Figura 3 Participação dos Produtos nas Exportações da Pecuária de Corte Brasileira, em 2004
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Ao destacar apenas as exportações de carne bovina (que inclui carne fresca, carne processada e carne salgada – esta última não levada em conta na análise pela baixa representatividade), verifica-se que, nos primeiros nove meses de 2005, as vendas brasileiras de carne fresca totalizaram US$ 1,9 bilhão, praticamente o mesmo patamar de todo o ano de 2004. Já as carnes processadas avançaram em ritmo muito inferior, atingindo US$ 367 milhões, 12,3% a mais que em igual período de 2004. Em função desses desempenhos, a participação da carne fresca passa de 79,4% para 82,3% quando se compara os totais dos primeiros nove meses de 2005 com dos de 2004 (figura 4).
Figura 4- Exportações Brasileiras de Carne Bovina, ano de 2004 e janeiro-setembro de 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
No que diz respeito ao destino das exportações brasileiras de carne bovina, em termos dos blocos econômicos e regiões mundiais, a União Européia adquiriu produtos no valor de US$ 965 milhões em 2004, o que correspondeu a 39% das exportações brasileiras, seguida do Oriente Médio (11%) e da zona do NAFTA (8%) (figura 5 e 6).
Figura 5- Exportações Brasileiras de Carne Bovina Segundo Blocos Econômicos e Regiões Mundiais , ano de 2004 e janeiro-setembro de 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Figura 6- Participação nas Exportações Brasileiras de Carne Bovina dos Blocos Econômicos e Regiões Mundiais , ano de 2004 e janeiro-setembro de 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Revela-se assim fundamental a normalidade das relações comerciais com o bloco europeu. Ao detalhar os valores somados na categoria outras regiões (US$ 1,0 bilhão), que correspondem a 42% dos valores totais das carnes vendidas, há de se destacar que nesse conjunto estão incluídos a Rússia, com 243 milhões (10%); o Chile, com US$ 200 milhões (8%); e o Egito, com US$ 174 milhões (7%) (figuras 7 e 8).
Figura 7- Exportações Brasileiras de Carne Bovina Segundo Países Selecionados, ano de 2004 e janeiro-setembro de 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Figura 8- Participação nas Exportações Brasileiras de Carne Bovina de Países Selecionados , ano de 2004 e janeiro-setembro de 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Esses
três países compram juntos 25% da carne bovina brasileira. Assim, 83% das vendas
das carnes bovinas brasileiras destinam-se aos poucos blocos e países
destacados. Dessa forma, as preocupações comerciais momentâneas devem estar
centradas nesses casos. De pouco adianta propalar apenas que a carne bovina
brasileira atinge todo o mundo e dar destaque para o número de países que
suspenderam a compra do produto nacional.
Há de se destacar os Estados Unidos e o Reino Unido pela especificidade de adquirirem predominantemente produtos processados que não estão sujeitos até o momento à suspensão de compras. Para os Estados Unidos, o Brasil exporta quase somente carne processada (US$ 197,1 milhões em 2004) e para o Reino Unido os valores da carne processada adquirida do Brasil (US$ 126,7 milhões) superam os da carne fresca (US$ 123,0 milhões) (figura 9).
Figura 9- Exportações Brasileiras de Carne Bovina Para os Estados Unidos e para o Reino Unido, Segundo Tipo, ano de 2004
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Nesse sentido, os desempenhos de 2004 quanto ao tipo de carne colocam em extremos opostos os Estados Unidos, que praticamente só compram carne brasileira processada (99,8%), e a Rússia que concentra suas aquisições em carnes frescas (98,6%) (figura 10).
Figura 10- Participação dos Tipos de Produtos nas Exportações Brasileiras de Carne Bovina, Blocos e Países Selecionados, ano de 2004
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
São Paulo: principal exportador e zona livre de febre aftosa por vacinação
As exportações brasileiras de carne bovina se dão, preponderantemente, a partir de São Paulo, cujo território se encontra livre da ocorrência de foco de febre aftosa há mais de uma década. Em 2004, as exportações oriundas de São Paulo atingiram US$ 1,7 bilhão, enquanto aquelas procedentes de Mato do Grosso do Sul somaram apenas US$ 125 milhões, conquanto venham apresentando significativo aumento recente. Ou seja, avançaram de 4,1% para 11,1% das vendas externas brasileiras na comparação dos primeiros nove meses de 2004 com os de 2005, período em que a participação paulista recuou de 70,9% para 61,6% (figuras 11 e 12).
Por certo, esse incremento recente das exportações sul-mato-grossenses está
comprometido com a detecção do foco de febre aftosa.
Figura 11- Exportações Brasileiras de Carne Bovina, Segundo as Unidades da Federação, ano de 2004 e janeiro-setembro de 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Figura 12- Participação das Unidades da Federação nas Exportações Brasileiras de Carne Bovina, ano de 2004 e janeiro-setembro de 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da
SECEX/MDIC
A
liderança paulista se expressa em todos os itens das exportações da pecuária de
corte. Isto se revela comprovado pelo fato de que em 2004, em todos eles, São
Paulo mostrou participação superior à representatividade estadual nas
exportações nacionais que atingiu 32,2%.
Nas carnes, ocorre o destaque mais contundente na carne processada (79,2%), ainda que seja elevado na carne fresca (68,1%). No médio prazo, dada a excelência sanitária paulista, deve ocorrer mesmo um reforço desse processo com recuperação do espaço perdido por São Paulo na carne fresca (69,4% para 58,0% na comparação dos primeiros nove meses de 2004 e de 2005) (figura 13).
Quando são discriminados os destinos das exportações brasileiras de carne bovina, fica também patente a liderança paulista, que varia de 67,9% para os países com menores compras a 84,7% para os integrantes do NAFTA; ou seja, revela-se maior para os mercados mais exigentes. Nas carnes processadas, esses indicadores oscilam de 58,4% para a Rússia até a totalidade no caso do Egito, enquanto nas carnes frescas varia entre os 38,8% para os EUA e 70,7% no caso do Reino Unido (figura 13).
Figura 13- Participação do Estado de São Paulo nas Exportações Brasileiras de Carne Bovina, ano de 2004 e janeiro-setembro de 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Figura 13- Participação do Estado de São Paulo nas Exportações Brasileiras de Carne Bovina, Segundo o Destino, ano de 2004 e janeiro-setembro de 2004 e 2005
Fonte: IEA/APTA/SAA-SP, a partir de dados básicos da SECEX/MDIC
Dada a participação paulista nas exportações brasileiras de carne bovina, expressas em qualquer ângulo das estatísticas relevantes do comércio exterior do produto, mais que anunciar e propiciar a solução para a questão dos focos de febre aftosa encontrados no Mato Grosso do Sul, trata-se de interesse nacional fundamental mostrar à sociedade e ao mundo que as condições sanitárias do rebanho paulista, livre da ocorrência de febre aftosa há mais de uma década, se mostram compatíveis com essa posição de liderança construída num esforço rotineiro realizado nas esferas públicas e privadas. Trata-se de interesse nacional maior nem sempre colocado com precisão e com a contundência devida nas divulgações realizadas em torno do episódio do recente foco de febre aftosa.
Perspectivas e sugestões de encaminhamento
A sugestão de estratégia de curto prazo pauta-se exatamente pela afirmação das estatísticas das exportações brasileiras de carne bovina. Ação nesse sentido, mais que atitudes desnecessárias de apontar culpados de maneira a se eximir de possíveis responsabilidades, deve afirmar principalmente no
exterior o essencial, qual seja: deixar claro ao mundo, com todas as letras e em
todas as oportunidades, que no Estado de São Paulo, donde originam 70% das
carnes vendidas ao exterior, não existe foco de febre aftosa e as condições de
vigilância sanitária se mostram compatíveis com essa liderança alcançada.
Num país continental como o Brasil, onde convivem realidades com indicadores que
variam em amplitudes extremas, essa condição de marcar diferenças no plano
sanitário se mostra crucial para a superação do problema.
A segunda sugestão consiste em centrar esforços na superação das limitações de
compra de carne paulista por blocos econômicos e países relevantes como a União
Européia e o Chile. As medidas governamentais chilenas, que também incluíram São
Paulo na suspensão das importações de carne bovina, se revertidas funcionariam
como salvo-conduto para a imensa área de influência latino-americana.
No caso europeu, os esforços devem ser redobrados e envolver missões de alto
nível. Deve se ter em conta que a União Européia determina o comportamento de
inúmeros países e, neste caso, as questões políticas são mais complicadas. Com
certeza, não perderão os europeus a oportunidade de recolocar na mesa a questão
dos subsídios ao açúcar, dada a vitória do Brasil na Organização Mundial de
Comércio (OMC), buscando algum desafogo para os efeitos dessa decisão na
estrutura produtiva européia.
Esse episódio coloca em pauta uma questão crucial das questões comerciais, qual
seja: não há saída isolada, nem no plano federativo, onde o mal desempenho de
uma unidade compromete toda a federação, nem nas estratégias negociadoras, onde
a suspensão do embargo da carne brasileira pela União Européia coloca o problema
da carne bovina na mesma mesa de negociação sobre o problema do açúcar. Noutras
palavras, mais que em qualquer outra questão, nesses casos afirma-se o interesse
nacional maior frente aos pleitos setoriais e individuais. Mais ainda, para quem
pretende buscar inserção crescente e de destaque no contexto internacional, o
Brasil tem que fazer com cuidado a lição de casa.
E na defesa sanitária isso não tem sido perseguido no período recente, faltando
recursos para o exercício de forma delegada dessa competência federal por parte
das unidades da federação. Há de se buscar mecanismos republicanos e
desburocratizados de operação do sistema, regulado em leis que determinem
automaticidade e transparência nas transferências do Governo Federal para os
Governos Estaduais. No caso da aftosa, isto poderia ser realizado com a
distribuição proporcional ao número de animais vacinados (indicador controlável
pelo destino das vacinas).
Mais ainda, a oportunidade de construção de um sólido sistema institucional deve
ser perseguida no aprimoramento e na regulamentação da Lei Federal nº 9.712, de
20 de novembro de 1998, que modificou o capítulo VII – defesa agropecuária, da
Lei Federal nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991 (Lei Agrícola), em processo de
audiência pública no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA),
bem como na própria revisão e regulamentação por parte do Governo do Estado de
São Paulo da Lei Complementar n° 919 de 23 de maio de 2002. Isto porque uma
questão estratégica como a sanidade animal e vegetal deve estar estruturada com
base em instrumentos legais consistentes.
Por fim, cabe algumas palavras sobre o prognóstico dos impactos da detecção dos
focos de febre aftosa nas exportações paulistas e brasileiras. O nó górdio da
questão estará definido pelo comportamento da União Européia para onde são
destinados 39% da carne bovina brasileira. Mantida a suspensão da entrada de
carne brasileira, pela magnitude dos volumes e dos valores envolvidos, o quadro
realmente se configura como preocupante. Também o Chile mostra similar posição
no continente americano.
O objetivo a ser perseguido no curto prazo consiste em buscar que tanto a União
Européia quanto o Chile acompanhem a posição da Rússia. A favor do Brasil joga o
fato de que a carne brasileira custa um terço da australiana e metade da
argentina e uruguaia, não tendo concorrente direto em termos de competitividade.
Quanto às perdas em exportações, há de se ter nítido que, em 2005, as vendas de
carne bovina já superaram as de 2004 (US$ 2,5 bilhões), sendo previsível a perda
desse ímpeto de expansão no curto e médio prazos. A manutenção do atual patamar
de vendas externas em 2006 exige sucesso na desobstrução dos fluxos de comércio
e uma postura nacional austera e de apresentação ao exterior de nossas virtudes,
mais que de nossas mazelas.
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Data de Publicação: 19/10/2005
Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor